Antes de Aécio, políticos tramaram pizza por Sarney e Renan
Em edições de 2007 e 2009, VEJA revelou os bastidores das tramoias que seguraram dois dos políticos mais tradicionais e processados do país

A sensação de impunidade no país chegou ao ápice com a votação desta semana no Senado Federal que salvou o mandato do tucano mineiro Aécio Neves, mas se engana quem acha que a prática do Congresso Nacional de livrar seus parlamentares vem de hoje. Há mais de 10 anos, a edição 2.026, de 19 de setembro de 2007, trazia na capa a palavra VERGONHA em letras garrafais e explicava “como o Senado enterrou a ética e salvou Renan Calheiros” na ocasião.
Mudando os personagens da reportagem de 2007, o enredo lembra o que acaba de acontecer no Congresso, em favor de Aécio: ‘Com acordos às escondidas, ameaças, chantagens e protegido pelo anonimato, um grupo de 46 senadores desferiu na semana passada um golpe letal contra a credibilidade do Senado Federal e dos políticos em geral. Ao absolverem o senador Renan Calheiros da acusação de quebra do decoro parlamentar, os 46 senadores (os quarenta que votaram contra a cassação e os seis que se abstiveram) autorizaram um novo padrão de conduto para os nobres do Parlamento brasileiro — o pode-tudo. De agora em diante, estabeleceu-se o consenso entre a maioria de que não existe nada de mais no fato de um parlamentar, como Renan Calheiros, usar um lobista para pagar despesas pessoas. Não é da conta de ninguém tentar saber de que forma um senador, como Renan Calheiros, conseguiu fazer fortuna na política.”
O texto detalhava toda a tramoia por trás da salvação de Renan, que começou no gabinete do então presidente Luiz Inácio Lula da Silva em uma reunião, duas semanas antes, com a líder do governo no Congresso, a senadora, também do PMDB, Roseana Sarney. “A pior coisa que pode acontecer ao governo é ter o Renan como inimigo”, advertiu a alagoana. Na estratégia de montagem da pizza, entraria logo depois o senador José Sarney, responsável por convencer Renan a se afastar temporariamente do cargo após a votação em troca do apoio do PT e do governo.
“Com o PT no bolso, bastaram algumas operações laterais para sacramentar a vitória de Calheiros. Sabe-se que Renan e seus aliados conseguiram buscar votos na oposição, à custa de chantagem, cobrança ou promessas de favores. Senadores que se diziam indecisos ficaram pacto de sangue com Renan no privado.”
E prosseguia a reportagem detalhando mais uma vergonhosa página da política nacional. “No plenário, o peemedebista Wellington Salgado avisava: “Tá rolando grana, tá rolando muito argumento.” Renan foi absolvido graças principalmente ao “triste papel do PT”, título da reportagem na mesma edição que contava a atuação decisiva do partido. “De campeões da ética, os petistas se imolam na defesa de Renan, um fóssil da era Collor.”

Os mesmo personagens, Renan, Sarney e PT, estavam em outro capítulo terrível do Congresso. Quase dois anos depois, em 28 de agosto de 2009 na edição 2.127, VEJA contava a ardilosa operação para salvar Sarney em troca de apoio do PMDB à futura candidata pelo PT, Dilma Rousseff.
Sarney era o presidente do Senado em 2009 e, na base do uma mão lava a outra, contou com a ajuda decisiva de Renan Calheiros para se safar das inúmeras acusações que pesavam contra ele, de irregularidades de operações de crédito consignado a servidores da Casa, feitas pela empresa de seu neto José Adriano Cordeiro Sarney a uma mansão de R$ 4 milhões em Brasília não declarada à Justiça Eleitoral, entre diversas outras denúncias.
Renan foi ao presidente da República Lula e o pôs contra a parede em troca do apoio a Dilma, no ano seguinte. “No fim de semana, Lula resolveu cuidar pessoalmente do trabalho de alinhamento dos senadores petistas, escalando uma tropa de choque para convencê-los da importância da missão. E que tropa. José Dirceu, o “capitão” do time de Lula que hoje é réu sob a acusação de chefiar a quadrilha do mensalão, naquele tom que lhe é característico conforme o nível de servilismo ou resistência do interlocutor, falou aos colegas sobre a necessidade de salvar Sarney. (…) Seu principal adversário dentro do PT, o ministro Tarso Genro, da Justiça, também ajudou na operação – usando a ameaça como argumento.”

A dança da pizza
Em capa dedicada à impunidade no país, em agosto de 2007, o texto principal da edição 2.021 de VEJA mostrou inúmeros casos de criminosos impunes no país, do jornalista Pimenta Neves a políticos como Paulo Maluf e Fernando Collor de Mello, e trouxe, para fechar a revista com chave de ouro, um dos maiores escárnios aos eleitores brasileiros já vistos no Congresso Nacional: a dança da pizza, protagonizada em 2006 pela deputada Ângela Guadagnin (PT-SP) em comemoração à absolvição do colega João Magno das acusações de corrupção. Leia a reportagem na íntegra clicando aqui.