VERBA MOVENT, EXEMPLA TRAHUNT
O jornalismo de TV tem um “modo” que não será abandonado tão cedo: noticiar algo que seria um tanto abstrato, talvez mesmo incompreensível para as massas, por meio do exemplo. Pode-se fazer isso com mais ou menos competência, mas a fórmula é invariável — às vezes, irritantemente invariável. Querem ver? É preciso informar que a […]
É preciso informar que a inflação subiu ou baixou, tanto faz. Em 100% das vezes, o repórter — no caso em tela, “a” repórter — vai a um supermercado e mostra a Dona Maricota fazendo compras. A inflação baixou? Aquele riso de satisfação dos humildes felizes; a inflação subiu? Lá vêm as estratégias do povo — antes de tudo, um forte — pra driblar a subida de preços. A produção industrial cresceu? Mande agora ”um” repórter para o pátio de alguma empresa, com homens atarefados ao fundo. Noticia-se o desempenho daquela empresa em particular para depois falar dos números gerais. É preciso ser didático. Programa especial sobre colesterol? Comece por um gordo fazendo exercício ou pelo dia em que o Seu João sentiu uma forte pontada no peito, e a vida nunca mais foi a mesma… Na TV, por mais preciso que se seja na informação, a vida tem sempre um quê de romance, ou o telespectador vai fazer outra coisa: de coçar o dedão do pé a abrir o saquinho de uma fritura qualquer e se entupir de mau colesterol. Adiante.
As campanhas eleitorais mimetizam o jornalismo de TV. Números gerais ajudam, certamente, o candidato a passar a sua mensagem, mas é preciso convencer pelo exemplo, seguindo máxima latina: “verba movent, exempla trahunt”: as palavras movem, os exemplos arrastam (ou empurram). Vale dizer: os exemplos são sempre mais convincentes do que as palavras, o que não quer dizer, de modo nenhum, que sejam mais verdadeiros. Nada é tão eficiente para falsear uma verdade quanto uma ocorrência particular, diga-se.
Pensemos na cidade de São Paulo, com seus 11 milhões de habitantes. Digam-me: quantos são os indivíduos insatisfeitos com alguma coisa? Se eu decidir pegar uma câmera e sair aqui por Higienópolis, onde não há um só pobre para fazer remédio — falo dos proprietários, não dos empregados —, haverá gente reclamando disso e daquilo. Já escrevi textos contra o horário eleitoral gratuito — que gratuito não é, diga-se. Os partidos não pagam, mas a gente paga. Por quê? Porque transformam a lógica do exemplo em empulhação.
O oposicionista vai usar casos particulares para tentar ganhar o espectador para um generalização: “Tá vendo? O Seu Zé foi maltratado no posto de saúde. A saúde é uma porcaria”. O partido da situação fará o contrário: “A Dona Maria foi curada; a saúde está perto da perfeição” — como disse Lula certa feita. Nos dois casos, temos uma mentira grotesca. E não vejo por que o estado deva franquear aos partidos a licença para mentir. Imaginem se alguém teria, nos EUA, a idéia de tornar a propaganda “obrigatória”… Será a democracia deles pior do que a nossa?
Propaganda de Alckmin
Uau! O texto já ficou imenso. E ainda falta bastante coisa. Analiso-me: vejo que tento fugir do rame-rame da disputa eleitoral. Mas terei de entrar nela. Alckmin, na tarde desta sexta, recorreu justamente à prática do “exemplo” em sua campanha eleitoral. Leiam:
VOZ EM OFF – Em São Paulo a vida de milhões de pessoas que usam ônibus, não é nada fácil.RENATO – “Saio de casa 5: 30, 5: 15 pego 3 conduções, cansa mais que trabalhar.”VOZ EM OFF – Renato sai do jardim Varginha e vai até o Ipiranga, rotina cansativa, ônibus velhos, excesso de lotação, apenas 124 quilômetros de corredores de ônibus, se Renato pudesse dispor desse tempo, o que faria?RENATO – “Estar curtindo os meus filhos, eu gostaria de estudar”.VOZ EM OFF – Agora é tarde da noite, Renato está chegando em casa, restam-lhe poucas horas para descansar.GERALDO ALCKMIN – Renato, infelizmente você não está sozinho nessa história. Todo o dia na nossa cidade milhões de pessoas, passam 4, 5 horas dentro do ônibus, são obrigadas a levantar mais cedo para não perder a hora do trabalho, uma cidade com trânsito lento, ônibus sem conforto nenhum. Isso vai irritando cada vez mais o paulistano não dá para continuar mais assim. Eu tenho planos para melhorar o trânsito e o transporte coletivo da cidade.
Voltei
Viram só como deve fazer um partido de oposição? É assim também que age a petista Marta Suplicy. Os “Renatos”, para os oposicionistas, têm o propósito de levar o espectador a uma generalização: “O transporte público em São Paulo é mesmo uma porcaria”.
O modelo vem do jornalismo da TV, só que não se trata, claro, da mesma coisa. O jornalismo, quando honesto, usa o exemplo para dar ciência da verdade, que, de outro modo, se tornaria um tanto abstrato. Na linguagem política, pouco importa que o caso particular seja uma exceção ou esteja na contramão de uma tendência. O marketing político não está necessariamente comprometido com a verdade, como DEVE estar o jornalismo.
E para concluir: o candidato Geraldo Alckmin, do PSDB, faz uma propaganda eleitoral que, obviamente, é de oposição à gestão do… PSDB (em parceria com o DEM). E não é uma gestão qualquer: trata-se de uma administração compartilhada entre Gilberto Kassab e José Serra, cujo apoio ele reivindica e até anuncia.
Alguém poderia me indagar: “Reinaldo, se ele não fizer isso, vai fazer o quê?” Sei lá! O problema não é meu. Se não lhe resta outra alternativa que não uma linguagem de oposição, vai ver existe é um problema com a candidatura mesmo, que milita, na prática, a favor de um desfecho que considero infeliz para São Paulo. Espero que esse mau augúrio não se cumpra, com a colaboração de Alckmin e de suas Maricotas.