Veja 4 – A religião se ocupa do corriqueiro, não do excepcional
Por Reinaldo Azevedo:(…) Para o crente, só a revelação interessa. Para quem vê nas religiões também um elemento da cultura, elas constituem uma das teorias do conhecimento. “Primus in orbe deos fecit timor”: “Foi o medo que primeiro fez os deuses”, escreveu o poeta latino Estácio (45-96). Ele não foi o único antigo a duvidar […]
(…) Para o crente, só a revelação interessa. Para quem vê nas religiões também um elemento da cultura, elas constituem uma das teorias do conhecimento. “Primus in orbe deos fecit timor”: “Foi o medo que primeiro fez os deuses”, escreveu o poeta latino Estácio (45-96). Ele não foi o único antigo a duvidar das divindades e da imortalidade da alma. A militância anti-religiosa é tão antiga quanto a religião. O mais antigo erro que o pensamento cético costuma cometer é justamente este: supor que as religiões existem para explicar o que o homem não pode compreender racionalmente.
As religiões seriam, assim, uma construção negativa, entranhada na ignorância, que tenderia a desaparecer, ou a resistir como aberração, à medida que avançasse o pensamento científico. O caso é bem outro. Elas se ocupam do que na vida é corriqueiro, regular, não dos eventos excepcionais. Quase todas elas, é fato, são dotadas de alguma escatologia, do evento finalista, que remete ao fim dos tempos. Mas isso costuma ficar fora do culto cotidiano. Não serve para organizar a vida.
Quando Bento XVI formalizar a santidade de frei Galvão, o intérprete privilegiado dos Doutores estará abrindo, de novo, as portas da Igreja àquela humanidade intercessora que dá vida à doutrina. Pode não provar a existência de Deus, mas prova a existência da história. E é ela que importa aqui. Os marxistas quiseram a religião como “o ópio do povo”, ao que lhes respondeu, ainda que com outras palavras, o intelectual francês Raymond Aron (1905-1983): “Certo, mas nenhuma outra doutrina criou no homem, como o marxismo, tal ilusão da onipotência. Por isso, ele é o ópio dos intelectuais”. As ambições de Deus são mais modestas…
Assinante lê mais aqui