USP 1 – Violência, omissão, prevaricação e hora de agir
José Augusto Guilhon Albuquerque é doutor em Sociologia do Desenvolvimento e livre-docente em Ciência Política. É professor titular aposentado do Departamento de Economia da FEA e já chefiou o Departamento de Ciência Política da FFLCH. Ele, portanto, conhece a realidade universitária. O vasto material que o Estado publica nesta domingo (ver texto acima) sobre a […]
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Padrão – Os conflitos na USP têm seguido um padrão rigoroso de endurecimento e violência crescente em anos eleitorais e no primeiro ano de gestão do reitor. O processo invariavelmente se inicia em busca de um pretexto à radicalização desencadeada por pequenos grupos de funcionários e estudantes. A imensa maioria dos estudantes, funcionários e professores tende a não apoiar, mas se omite, por comodismo, temor de retaliação ou incerteza quanto à proteção de sua integridade pelas autoridades responsáveis.
As autoridades acadêmicas têm sido lenientes, a ponto de, nas três últimas gestões, terem se deixado seqüestrar ou serem impedidas de ter acesso à sede da reitoria. A atitude dos reitores é ambivalente, porque, embora não possam apoiar abertamente os movimentos, não hesitam em tirar partido do conflito para pressionar o governo por mais recursos.
Os atores internos, com exceção da minoria identificada com as lideranças radicais, não se sentem protegidos em sua integridade e em seus direitos e, portanto, tornam-se impotentes. Os atores externos temem a reação corporativa da USP. E o Executivo prefere se omitir a pagar o alto preço que a capacidade da universidade de influenciar a opinião pública poderia lhe infligir.
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Razões do Sucesso – Por que entidades com baixíssimo grau de participação, pouco poder de mobilização e pouca legitimidade conseguem desencadear greves que paralisam, ainda que parcialmente, as universidades paulistas? Desencadeando ações com poucos participantes, mas alto grau de violência e, portanto, de visibilidade.
Se as ações não encontram resistência e tendem a perdurar, o professorado, que é chave para o sucesso do conflito, é atingido por três reações: parte vê, no “sucesso” da ação, um incentivo para apoiar movimentos radicais com que concordam em tese; parte se omite e espera se beneficiar com eventuais vantagens; e parte é amedrontada pela intimidação que não encontra, nas autoridades, qualquer limite.
Assim, cerca de 30 peões armados de porretes e 20 estudantes decididos a acampar fecham a prefeitura e desestabilizam a reitoria. Esta é a terceira gestão em que a autoridade máxima da USP é seqüestrada dentro da reitoria ou impedida de entrar na administração, sem contar invasões do Conselho Universitário, agressões a alunos e funcionários e intimidação de professores.
As conseqüências para os autores dessas ações delinqüentes têm sido nenhuma.
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Grande Omissão – O que leva autoridades acadêmicas, entidades sindicais e estudantis, alunos, professores, funcionários e até o governo do Estado a contribuírem para um processo que gera conflitos que tendem a radicalizar-se independentemente das circunstâncias, e com alto potencial de violência e desrespeito à ordem legal?
O fator mais relevante é o comportamento das autoridades universitárias, particularmente da reitoria. Sua passividade diante de uma cultura da violência e do menosprezo pela ordem legal, sua omissão diante de ações delinqüentes, sua disposição para ser destituída de sua autoridade, sua prevaricação diante do dever legal de salvaguardar pessoas e propriedades sob sua responsabilidade – tudo isso reforça, nas lideranças radicais, o sentimento de justeza de sua estratégia. E entre estudantes, professores e funcionários, difunde a mensagem de que vale mais cuidar de seus interesses e segurança do que ficar à mercê da agressão de uns poucos.
O que motiva as autoridades acadêmicas a agirem assim é sua relação ambivalente com lideranças das entidades sindicais e estudantis. As ações reivindicatórias delas são importante fator de pressão orçamentária sobre o Executivo – e suas representações são parcela não desprezível do colégio eleitoral dos candidatos a reitor.
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No Executivo, prevalece uma política de não-envolvimento desde que uma manifestação de professores universitários e da rede pública culminou em confronto, no governo Quércia, em ano eleitoral. Um dos fatores da derrota do PMDB, o incidente levou o Executivo a conceder autonomia orçamentária às universidades.
O Executivo também teme o poder de vocalização das Universidades, particularmente da USP, devido à sua capacidade de mobilizar a opinião pública. Toda a elite paulista estudou ou ensina na USP, por assim dizer. Isto explica por que, mesmo diante do desrespeito à ordem legal , o Executivo tende a se omitir, sem chamar às falas as autoridades universitárias.
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Dever do governo – Os atores externos, especialmente o Executivo, optam por uma cautela extrema, equivalente à omissão. Para correr o risco de uma intervenção, o Executivo gostaria de ter certeza de contar com apoio interno. Mas esta condição poderia ser satisfeita se o Executivo desse mostras claras de que fará prevalecer o Estado de Direito e protegerá cidadãos ameaçados pelas ações violentas.
No caso presente, já há apoio interno para uma ação de restabelecimento da ordem legal. Pela primeira vez desde a instauração do regime militar, em 1964, a comunidade acadêmica da USP rompe publicamente a solidariedade corporativa para expressar seu repúdio ao radicalismo e à violência de um movimento interno. Cerca de 1.700 professores de diversas unidades se manifestaram, em um abaixo-assinado eletrônico, pela desocupação imediata da reitoria, o que representa oito vezes o número de participantes da assembléia sindical que decretou greve dos professores em solidariedade aos invasores.
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Assim, a menos que a sorte favoreça uma debandada espontânea e pacífica dos invasores, o poder público terá que intimar a reitoria a cumprir seu dever de manter a ordem legal e salvaguardar as pessoas e os bens sob sua responsabilidade. O Executivo é o único poder com capacidade para exercer essa pressão sobre a autoridade acadêmica e agir para conter o conflito dentro de limites racionais.
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