Uma tese ruim de Elio Gaspari
Escreve Elio Gaspari em sua coluna de hoje: “Genival Inácio da Silva, o Vavá, está sendo covardemente linchado porque é irmão do presidente da República. Ele é acusado de tráfico de influência sem que até hoje tenha aparecido um só nome de servidor público junto ao qual tenha traficado qualquer pleito que envolvesse dinheiro do […]
Gaspari está errado e exerce o mesmo raciocínio zoológico-pisciforme daquele que ele chama “Nosso Guia” (ou “noço guia”, segundo os leitores deste blog): Vavá seria apenas um lambari. De quebra, na coluna, volta a insistir que Freud Godoy, aquele que pediu demissão dois dias depois de estourar o escândalo do dossiê, era inocente como as flores. Seu argumento definitivo para sustentar sua tese sobre Freud (e, por tabela, sobre Vavá): ele nem sequer foi indiciado. O meu argumento definitivo: a se levar em conta a eficiência da PF naquela investigação, chegar-se-á à conclusão de que nunca houve dossiê…
No que respeita à traficância com a coisa pública, há tantas provas contra Vavá como há contra os demais implicados na Operação Xeque-Mate: elas ainda estão sendo colhidas. Que ele mantinha conversas estranhas com gente que fraudava a lei, isso Gaspari não pode negar, não é mesmo? O fato de ser irmão do presidente da República faz de Vavá, nessas circunstâncias, alguém que tem de ser investigado? Sim. Especialmente investigado. Outro irmão, Frei Chico (que não é frei e se chama José Ferreira da Silva), usa um codinome para falar com o lambari. Pede que ele vá a Brasília encontrar-se com Lula. Há uma “bronca” contra ele.
Isso tudo deve ser ignorado? Se alguém é linchado, alguém está linchando. Quem? A imprensa? Não. Ao contrário: a dita “simplicidade” de Vavá fez dele uma espécie de Fredo Corleone, o irmão bobo de Michael. Não há linchamento. Diria até que as relações familiares entre Lula e o inequívoco Dario Morelli são quase ignoradas na suposição, como sempre, de que o presidente nunca sabe o que se passa à sua volta.
Em defesa de seu ponto de vista, Gaspari chega a evocar o fato de que, “desde que Tomé de Souza chegou a Salvador, nenhuma família de governante teve tão poucas relações com o Estado como a dos Silva.” E emenda: “Mais: nenhuma veio de origem tão modesta e continuou a viver em padrões tão modestos. (Noves fora o Lulinha da Gamecorp.)”. Gaspari estaria certo no fato, não necessariamente na moral da história (isso, em si, não quer dizer nada), se a família de Lula fosse mesmo os “da Silva”. Mas sua família são a CUT e o PT. E, desde que a primeira caravela acercou-se das praias nativas, jamais grupo tão numeroso, da mesma família, foi com tanta sede ao pote e tomou conta do estado com tanta determinação.
No que é mais um juízo do que um fato, escreve Gaspari: “O outro, Dario Morelli, compadre de Lula, julgava-se protegido pelas suas amizades e disse que a polícia pensaria ‘duas vezes em fazer qualquer coisa’. Foi preso.” A observação ignora o fato central em todo esse imbróglio. Vavá foi pego, em primeiro lugar, porque deu motivos. Mas também porque é irmão de Lula, sim. A Polícia Federal está balcanizada e age fora do controle republicano (para dizer palavra da predileção de Tarso Genro) do Ministério da Justiça. Isso não depõe a favor dela, mas também não depõe a favor do governo. Ora, é preciso que se procure fazer um pouco a genealogia da PF que aí está. Foi o governo Lula quem decidiu usá-la como um instrumento para fazer política. Tanto ativismo parecia bom quando a corporação era usada para fazer proselitismo. Agora, como se vê, há reclamações.
Quem fez essa miséria com a Polícia Federal? Quem agiu de forma deliberada para instrumentalizá-la, tentando fazer com que fosse uma polícia do governo e não do estado? Isto mesmo: foi o irmão de Vavá e de Frei Chico (também José Ferreira da Silva e “Roberto’). Foi Lula. Melhor ter uma PF subordinada ao PT ou dividida? Se as opções que restaram são essas, viva a divisão! Melhor seria ter um governo que não fosse tão esculhambado. Vavá não está sendo linchado pela imprensa. Está, isto sim, sendo usado como um recado e uma advertência. Mas que se note: ele só é crível neste papel porque deixou um rastro.
Como saiu, a tese de Gaspari parece piscar um olho para aquela velha conspiração da direita — lembram-se? — que teria tentado derrubar Lula quando o caso do dossiê veio à luz. Gaspari disse muito bem: Lula tem 15 irmãos, mas só Vavá se enrolou. E isso é fato, não conspiração.