UMA DECISÃO FEITA DE HIPÓTESES E VERBOS NO FUTURO DO PRETÉRITO
Para o bem do Brasil, seria bom que tudo o que a Polícia Federal sustenta contra a Camargo Correa fosse verdade. Por quê? Porque, se houve crime, que se puna. Mas também porque as instituições encarregadas de combater ilegalidades demonstrariam sua eficiência e prudência nas acusações. Vamos ver. E se a operação for realmente um […]
Leiam este trecho de reportagem do Jornal da Globo:
“Essas prisões se mostraram necessárias em face do elevado grau de articulação que essas pessoas demonstraram, inclusive com a utilização de apelidos, com nomes de animais, telefones criptografados e outros sistemas que realmente evidenciam que a finalidade é evitar que essas conversas sejam, de alguma forma, captadas pelas autoridades policiais”, acredita a procuradora da República Karen Kahn. O juiz também entendeu assim: “Os alvos estariam se protegendo de uma eventual ação penal”. E falavam ao telefone em códigos como “gato”, “coelho”, “onça”, “canguru”, para ocultar os verdadeiros nomes dos envolvidos nas operações supostamente ilícitas.
Notaram algo de estranho? Não? Sei que o que vou dizer não é exatamente de fácil compreensão — não quando se vive no tal ambiente do pega-pra-capar. Mas o fato é que ninguém é obrigado a falar ao telefone para que a terceira orelha entenda o que está sendo dito. Isso não é crime. SE ESSA É A MELHOR JUSTIFICATIVA QUE A PROCURADORA TEM PARA A PRISÃO, ENTÃO TODO MUNDO VAI ACABAR SENDO SOLTO RAPIDINHO. Desde quando é proibido falar em código, sejam nomes de animais, de vegetais ou de minerais? Só em estados totalitários se exige que as pessoas falem uma linguagem compreensível para as autoridades policiais. Diz o juiz De Sanctis: “Os alvos estariam se protegendo de uma eventual ação penal”. Observem o verbo no futuro do pretérito. Ora, proteger-se de uma ação penal não quer dizer, vejam que coisa!, que haja motivos para uma ação penal. Menos ainda para prisão.
A íntegra da decisão do juiz Fausto De Sanctis, que autoriza as prisões, está aqui. INTEGRALMENTE REDIGIDA COM VERBOS NO FUTURO DO PRETÉRITO. As pessoas foram presas com base em coisas que teriam acontecido. “A investigação criminal teria apurado que Kurt se ligaria a diretores da Camargo Corrêa (…) que, em tese, seria diretor da aludida construtora (…) bem como com a sua secretaria, que agendaria alguns encontros (…) que também integraria a diretoria…” O parágrafo de onde extraio esse trecho tem sete linhas e cinco verbos indicando suposições.
Quando o juiz fala da Fiesp, a passagem exagera na rarefação: “Os supostos intermediários da Camargo Corrêa seriam pessoas eventualmente vinculadas à Federação das Indústrias do Estado de São Paulo, que estariam encarregadas de distribuir o dinheiro para funcionários públicos que ocupam cargos relevantes em Brasília”. Os intermediários são “supostos”, e as pessoas são “eventualmente ligadas” e “estariam” encarregadas…
O próprio juiz De Sanctis deve ter-se incomodado com as CENTENAS de vezes, ao longo de 72 páginas, em que abusa do verbo no futuro do pretérito — especialmente o “TERIA” — e da expressão “em tese”. Numa espécie de defesa antecipada da própria decisão, que sabe polêmica, resolveu recorrer ao voto do ministro Joaquim Barbosa no inquérito do mensalão, para demonstrar que Barbosa TERIA feito a mesma coisa. Pois é. Para que a comparação fizesse sentido, SERIA NECESSÁRIO QUE ESSE CASO TIVESSE tantas evidências como tem aquele. Mas não só isso: Barbosa empregou os verbos daquele modo para abrir o processo — afinal, ninguém foi preso por causa do mensalão… De Sanctis recorreu a eles para mandar prender.