Um longo texto sobre imprensa. E um pouco de memória
O site de esquerda Agência Carta Maior anuncia seu iminente fechamento. Não consegui entrar na página. Será que já fechou? Motivo: falta de recursos. Um leitor me manda um link do Observatório da Imprensa em que se lê a pérola abaixo, assinada por um tal Envolverde, site especializado em notícias sobre meio ambiente — como […]
A Agência Carta Maior não pode fechar. Isto não pode acontecer pelo simples fato de que seria um golpe de morte para a democratização da informação no Brasil. É preciso que todas as forças democráticas deste país compreendam que informação é o alicerce sobre o qual se constrói uma sociedade livre e desenvolvida sob o ponto de vista ambiental, econômico e social. O Brasil não conseguirá superar seu subdesenvolvimento sem uma séria política de Estado para o financiamento à informação. Hoje a decisão do que o povo brasileiro deve ou não saber está nas mãos das agências de publicidade, que não têm interesse em fazer um juizo de valor sobre conteúdos. Veículos como a Carta Maior são fundamentais, mas não conseguem sobreviver por falta de dinheiro. Não fortunas como as necessárias para manter a Veja ou a Globo, mas recursos muito menores, capazes de pagar salários e manter no ar uma agência jornalística de qualidade inquestionável e fundamental para a construção de muitas outras mídias comprometidas com a democracia e a sustentabilidade.
Voltei
Já me perguntaram se estou feliz com a situação dos “companheiros”. Eu não. Prefiro essa gente pensando à luz do dia, desde que não seja financiada por uma “política de estado”, como quer a turma do Envolverde. Também não vou sapatear sobre o cadáver — se é que o socorro não vai chegar. Só bato em quem está de pé e em quem não pede para apanhar.
É uma pena que Primeira Leitura não esteja hospedado em lugar nenhum. Preciso cuidar disso. Falta de grana. Quando o site e a revista fecharam, muitos se surpreenderam. Nos dias que antecederam a decisão, não gritamos, não esperneamos, não solicitamos a boa vontade de estranhos, nada! Quem leu o último número da publicação não percebeu nada. Por que digo ser uma pena?
Porque eu gostaria muito de recuperar um debate-boca que mantive com o professor Flávio Aguiar, redator-chefe da Carta Maior. Acho que foi em meados de 2005, por aí. Segundo o preclaro, Primeira Leitura era uma espécie de vanguarda da nova direita, afinada com o neoliberalismo e, do ponto de vista de um esquerdista, com tudo de mal que o capitalismo pode produzir no mundo. Aguiar não via a revista e o site como uma das vozes de uma sociedade plural. Nada disso! Entendia-se, em seu texto, que fazíamos parte de uma espécie de perigosa conspiração. Ficava claro que o Brasil, sem Primeira Leitura, seria bem melhor. Eu não acho que o fim de Carta Maior traga algum benefício ao país. Acho apenas que é irrelevante.
Mas a grita é grande! Sei por que não gostavam da revista. Sei também por que não gostam de mim. Esquerdistas, com raras exceções, estão sempre ocupados em duas coisas: ou estão se fazendo de vítimas ou estão fazendo vítimas. Eu aponto isso. Eles chiam. A hipótese de uma convivência tensa, claro, porém pacífica, entre opostos lhes parece impossível. Por quê? Porque eles se consideram a vanguarda da história. Se você não está com eles, então é um militante do retrocesso. Logo, tem de ser silenciado, expurgado, eliminado. Era o que queriam que acontecesse com Primeira Leitura.
Aconteceu. E não por culpa deles. Aconteceu porque não tínhamos o número suficiente de anúncios para manter a operação. Quando é assim, você tem dois caminhos: fecha e paga o que deve ou faz mais dívida. Nós optamos pelo primeiro caminho. Ainda não pagamos tudo o que devemos, não. Mas estamos pagando. Nota: felizmente, não restou passivo trabalhista. As 22 pessoas receberam o que lhes era devido em salário, férias, 13º proporcional, tudo direitinho. Não trabalhava com militantes de uma causa, mas com profissionais. Como é gostoso poder escrever isso! Como é gostoso saber que os jornalistas que eram de Primeira Leitura podem ler isso! Qual era a nossa causa? Publicar bons textos de gente que nem sempre pensava a favor da corrente. Não por heroísmo, mas porque podiam.
Mas Aguiar não queria saber, não. Manifestações de solidariedade dos colequinhas quando houve o fechamento? Nenhuma! Quase ninguém comentou. A não ser os internautas — o site tinha 1,8 milhão de page views mensais— e os leitores da revista: tiragem de 25 mil exemplares, com uma venda mensal, entre banca e assinatura, que superava, às vezes, 80% da tiragem, desempenho formidável, raro mesmo. E por que não se deu um pio? Ora, quem vai lamentar o fechamento de uma revista “de direita”, não é mesmo, professor Flávio?
Para ser justo com a história, houve um lamento. De José Arbex, da revista Caros Amigos. Ele deixava claro o quanto repudiava a nossa, vá lá, ideologia, mas se perguntava, um tanto perplexo, como era possível que uma revista de direita fechasse as portas. Arbex não entendia por que o capital não nos financiava. E também censurava a mim e a Rui (com “i”) Nogueira por termos feito uma carta de despedida que dizia: “Somos os únicos responsáveis pelo destino da revista e do site. Ninguém é culpado de nada”. Aproveitou para deitar uma catilinária contra as famílias que dominam a mídia no Brasil, que expurgam os veículos menores, independentemente até de sua ideologia etc.
Embora, quero crer, distintas quanto ao direito ou não de existir uma publicação como aquela, subjacente às opiniões de Aguiar e Arbex, havia um equívoco comum: a mídia não-esquerdista reproduziria os interesses do capital. Trata-se de uma visão tosca do processo. Não por acaso, ambos se situam à esquerda do grupo que está no poder; ambos ambicionam, vamos dizer, pressionar o governo em favor de reformas mais radicais; avaliam — Arbex com mais dureza do que Aguiar — que o PT faz concessões demais, inclusive à mídia que chamam de conservadora.
Ousaria dizer que nenhum dos dois entende o processo que está em curso. Ao não entenderem o próprio movimento da esquerda, não entendem também o que chamam de “direita”. Assisti ontem, excepcionalmente, a um capítulo da minissérie Amazônia. Foi dica de uma internauta. Proselitismo petista em estado puro. A Globo, aparelhada pela esquerda, como qualquer emissora, faz pelos “companheiros” muito mais do que toda a imprensa esquerdista somada. Também vi dois capítulos da novela Paraíso Tropical. Em conflito, um rapaz mau-caráter, que só se veste de preto e recita mantras da boa administração, e um bacana, humanista, de terno claro, que toma decisão estratégicas depois de ouvir os garçons. Quem educa mais os sentidos da massa, Arbex e Aguiar? A imprensa de esquerda ou a infiltração militante no que vocês chamam de “mídia de direita”? Sabem o que vocês não entendem? As publicações esquerdistas experimentam a obsolescência porque são desnecessárias. Há modos muito mais eficientes de fazer as coisas.
Uma historinha. Fui almoçar, certa feita, com a diretora de um banco. Queria convencê-la de que anunciar em Primeira Leitura era bacana e tal. “Não, adverti, que você vá ganhar muitos clientes, mas é importante manter o debate e tal…” A moça me disse, ela sabe quem é, que achava os textos da revista excelentes, mas que a publicação era, nas suas palavras, “muito antipetista”, que isso “pegava mal” e que podia “trazer problemas”. E pensou alto: “Se desse uma maneirada…”. Eu a fiz ver que não estava ali para vender a linha editorial. E mandei bala, muito ao meu estilo: “Antipetista, em certo sentido, é seu patrão. Mas compreendo que ele não queira comprar briga num país em que o grande patrão ainda é o estado”. Ela não pôs anúncio na revista. Duro foi engolir depois o almoço. Não tínhamos mais nada a nos dizer.
Finalizando
Há aqui um pouco de memória e zero de ressentimento. Vivo um ótimo momento profissional — muito mais despreocupado hoje do que antes. Eu deploro a linguagem do martírio, sua grandiloqüência, seu heroísmo idiota. Revistas e sites nascem e morrem a todo momento. Nunca estive a serviço de uma causa. Cuido, no máximo, do meu nariz. Os esquerdistas gritam mais porque não conseguem viver sem ter como ativo a tal “injustiça”. O petismo decidiu criar a estatal gigante da comunicação. Recomendo aos esquerdistas que sejam um pouco menos atrapalhados, e vai sobrar grana pra todo mundo. Basta que vocês tenham mais clareza do projeto de poder do PT. Falem com Franklin Martins.