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Reinaldo Azevedo

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Blog do jornalista Reinaldo Azevedo: política, governo, PT, imprensa e cultura
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Um Egito menos laico. Ou: os pessimistas erraram! Os realistas estavam certos; o resultado é pior do que se esperava. Ou ainda: o que fará o “PT de Alá”?

Pois é… Os muito pessimistas achavam que os partidos islâmicos obteriam até 60% dos votos nas eleições parlamentares do Egito. Os apenas realistas, como este escriba, desconfiavam que o quadro poderia ser, digamos, pior. É claro que “pior” é um juízo de valor e indica uma escolha inicial, não é? Na primeira rodada de votação, […]

Por Reinaldo Azevedo Atualizado em 31 jul 2020, 09h59 - Publicado em 5 dez 2011, 18h36

Pois é…

Os muito pessimistas achavam que os partidos islâmicos obteriam até 60% dos votos nas eleições parlamentares do Egito. Os apenas realistas, como este escriba, desconfiavam que o quadro poderia ser, digamos, pior. É claro que “pior” é um juízo de valor e indica uma escolha inicial, não é? Na primeira rodada de votação, o Justiça e Liberdade, partido da Irmandade Muçulmana, ficou um tantinho abaixo da expectativa inicial: esperavam-se 40% dos votos; obtiveram 36,6%. Boa notícia? Nem tanto! Os radicais salafistas, reunidos do partido Al-Nur, conseguiram mais do que a aposta inicial: em vez de 20%, chegaram a 24,4%, e outros 4,1% ficaram com os também religiosos, mas mais moderados, do Wasat. Em suma: os partidos islâmicos, juntos, chegaram a 65,1%; os partidos leigos, somados, ficaram com o resto.

Não faço juízo de valor, não neste parágrafo ao menos. A idéia de que a “Primavera Árabe” corresponde à chegada dos valores da democracia ocidental aos países árabes é uma estultice. Se mecanismos democráticos constituem a forma possível de os religiosos chegarem ao poder, que seja por intermédio deles. Uma vez lá, aí vamos ver. O Egito é o ninhal, é a fonte, é a origem do moderno extremismo islâmico. O nacionalismo autoritário de Nasser derivou para a ditadura e expulsou do estado o extremismo religioso. O que é pior? A praça Tahrir, tomada aqui como metonímia, era uma praça islamista, não laica. Como eu sempre desconfiei, mesmo estando alguns bons quilômetros de lá.

Eu era muito mocinho em 1979, mas já me interessava por essas questões. Lembro-me que havia um encantamento basbaque com a revolução islâmica do Irã. Jimmy Carter, o democrata songo-mongo, puxou o tapete do xá Reza Pahlev. Barack Obama, outro democrata songo-mongo, levou para as cordas os aliados árabes dos EUA. Tomara que o desfecho seja diferente.

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Quem vai governar?
Ainda faltam duas rodadas de eleições. Vamos ver. Ocorre que grandes cidades como Cairo e Alexandria, onde o laicismo é mais presente, já votaram. Em tese, ao menos, os islamistas podem até ampliar a sua vantagem. Que futuro aguarda o Egito?

A Irmandade Muçulmana faz um esforço danado para se mostrar moderada ao mundo. Aposta numa islamização lenta e gradual do poder, de modo a não provocar reações nem assustar o Ocidente. Vai liderar, com certeza, o novo governo. A questão é saber se vai se juntar com os extremistas do Al-Nur ou com os leigos. Eu tenho cá um palpite. E não sei se espero estar certo ou errado.

Dada a lógica do processo, é bem possível que, em nome de seu suposto pluralismo, atue, assim, como uma espécie de “PT de Alá”: talvez procure formar um governo com os partidos laicos, usando os ultraconservadores religiosos como uma espécie de reserva estratégica. Poderá, assim, impor a sua vontade, contando sempre com a chancela dos não-religiosos. Caso estes resistam, basta chamar a turma da pesada, entenderam? Não por acaso, a Irmandade está hoje bastante próxima dos militares, bem ou mal, uma reserva de laicismo no país. Chamo de ‘PT de Alá” porque, no Brasil, o partido se juntou a antigos adversários para demonstrar que havia mudado. Mudou?

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Se eu fosse da Irmandade Muçulmana, deixaria claro aos “companheiros” que a coisa mais inteligente a fazer para continuar a contar com a boa-vontade do Ocidente é formar um governo com os partidos laicos. Vamos acompanhar nos próximos anos o processo de islamização do cotidiano que fatalmente virá. Não importa seu ritmo e sua intensidade, o fato é que o Egito será um país menos laico do que era. Desculpem a falta de tons de cinza no que vai agora: isso é um mal em si. Ponto.

Caminhando tudo como pretendem os religiosos, a democracia só será usada para pôr fim à democracia. Esse regime não existe sem eleições diretas. Mas só eleições não definem esse regime. Também há os valores, não é? Outro aspecto que deve preocupar, nos próximos anos, é a política externa do Egito, especialmente a paz celebrada com Israel, hoje ameaçada.

Só Jimmy Carter conseguiria fazer melhor…

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PS – Ah, sim: eu também havia afirmado que a “nova revolução”, deflagrada dias antes da eleição, levaria ainda mais pessoas às urnas e beneficiaria os partidos religiosos. Bingo! A praça foi esvaziada. Talvez volte a se encher na antevéspera da nova rodada. E assim vai. A Irmandade Muçulmana deve rir a valer quando lê os “analistas ocidentais” e não deve entender como essa “civilização do mal” conseguiu chegar tão longe. Mas isso foi no passado, irmãos, no passado…

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