UM DEMÔNIO EM MEUS OUVIDOS
Escrevi bastante ontem sobre pesquisas e eleições. Textos de uma frieza que considero pouco habitual na minha produção diária. Prefiro lidar com uma mistura mais apimentada, que não seja alheia também à paixão. Acho que blogs pedem mais comprometimento pessoal. A julgar — serei um tanto imodesto por culpa de vocês, hehe… — pelo sucesso […]
Escrevi bastante ontem sobre pesquisas e eleições. Textos de uma frieza que considero pouco habitual na minha produção diária. Prefiro lidar com uma mistura mais apimentada, que não seja alheia também à paixão. Acho que blogs pedem mais comprometimento pessoal. A julgar — serei um tanto imodesto por culpa de vocês, hehe… — pelo sucesso desta página, acho que estou certo. Ora, é evidente, e são os números que o dizem, que as oposições poderiam se dizer com a faca e o queijo na mão, para recorrer ao clichê mais escancarado para indicar o casamento entre o instrumento e a oportunidade. E é evidente também que bobagens em penca estão sendo feitas há tempos e, tudo indica, continuarão a ser feitas.
Isso é inédito? Não! Não é, como demonstrarei mais adiante. Como toda pessoa que lida com idéias, confesso que, às vezes, um demônio sopra ao meu ouvido, e fico mais tentado a provar que estou certo do que a torcer, sei lá, pelo melhor… Sabem como são os demônios… Não sou o único a ouvi-lo, tenho certeza… E o que ele sopra agora?
Confesso que seria intelectualmente fascinante ver o tucano José Serra chutar o pau da barraca e cair fora da disputa presidencial. Alguém poderia perguntar: “Mas por quê?” E eu responderia: “Ora, porque ele vence a disputa em todas as simulações, e isso, como se nota, parece ser um problema grave em algumas áreas do PSDB e do DEM. Como esses gênios não sabem lidar com quem está na frente, talvez eles saibam fazer vitorioso quem está atrás”. Meu demônio íntimo dá respostas boas.
E pronto! Esses setores do PSDB e do DEM ficariam livres para fazer, como é mesmo?, a sua política de alianças e de “agregação de forças” — não sei se uso direito esses substantivos. Só não seria de se esperar, por exemplo, que uma aliança juntando os bons amigos Aécio Neves e Ciro Gomes contasse com o entusiasmo de Serra, acho eu… Trocar-se-ia o apoio do governador de São Paulo pelo do Condestável de Sobral. Golaço!
Sem Serra, Rodrigo Maia, presidente do DEM, também ficaria livre para, como é mesmo?, formar os palanques estados afora. E Cesar Maia não teria mais nenhum “caudilho” a atrapalhar as suas antevisões. O DEM poderia, finalmente, ter no Brasil a força que tem no Rio de Janeiro. Não haveria mais obstáculos! De um lado, teríamos o lulo-petismo e sua fábrica de chocolates; do outro, oposições livres para oferecer… Bem, para oferecer… Ehhh… Para oferecer sei lá o quê! Faço algumas sugestões: amanhãs gloriosos? Futuros radiantes? Auroras alvissareiras? Ou alguém sonha com uma aliança com Ciro Gomes esperando de Serra a “disciplina partidária”? Sim, porque estou certo de que se falaria em “disciplina partidária”. Em política, depois do vale-tudo, alguém sempre lembra que é hora de ser pudoroso e recitar alguns princípios.
Os petistas nem precisam ser tão bons em política — as oposições já são ruins o suficiente por eles e em honra deles. Como não há plano estratégico, COMO SE USAM OS MEIOS PARA DESTRUIR OS FINS, há gente jogando às cegas, deixando-se manipular por joguinhos vulgares para influenciar a opinião pública. A vulgata da máxima maquiavélica — meios justificando os fins — já não é coisa prudente. Se os meios, como disse há pouco, destroem os fins, aí já é um caso de burrice disfarçada de sagacidade. Como o PSDB será mesmo governo em São Paulo com Alckmin ou com Serra, um núcleo de possível sobrevivência do partido estará assegurado. Em Minas, não se sabe. O DEM teria uma sobrevida até 2012, quando encerra o mandato de Gilberto Kassab. Depois, restará, quem sabe?, o governo do Distrito Federal.
É um cenário e tanto para o chamado “pós-Lula” — que, com a eventual vitória de Dilma, será, evidentemente, de continuidade do lulismo. Mais quatro anos podem ser mais 12! Se setores da oposição não se conformam em ter, há um ano, um candidato favorito e caem na conversa de pesquiseiros vigaristas, assustando-se, ou fazendo exploração intelectualmente desonesta, de uma esperada e óbvia ascensão da candidatura oficial, que sintam o gosto, então, de não ter mais o favorito.
Estou escrevendo o óbvio, coisa que os estudantes de semiótica aprendem logo nas primeiras lições: há certo protagonismo que só é charmoso diante de um antagonista dado. Se ele sai de cena, desaparecem a tensão e o interesse do público. Ninguém mais quer saber. E o que parecia antes tão esperto, tão sagaz, torna-se apenas bisonho.
É impressionante, dados os números, que Serra não seja ainda o candidato das oposições, ainda que decidisse não se colocar já na disputa. OK. Uma vez não sendo, é impressionante que ele e Aécio não tenham chegado a um entendimento para valer e não tenham estabelecido que o objetivo comum é vencer o PT. Notem: ninguém tem o direito de desconfiar de que considero a derrota dos petistas importante para a democracia. Mas falo só como observador mesmo. OS PRÓPRIOS PETISTAS NÃO DEVEM ACREDITAR NO QUE VÊEM. Se Serra e Aécio estivessem unidos, sem golpezinhos, irmanados no mesmo interesse, a tarefa já seria hercúlea. Com Ciro no meio, bem…, aí já é romance de Jorge Amado…
Recobro a frieza de uma lâmina, em linguagem militar: a tropa vai unida para a guerra, ou se pretende antes esfolar o comandante para declarar, depois da derrota, que ele é o único culpado pelo desastre? No lugar de Serra, e dado o cenário, eu realmente pensaria bastante. Seus adversários no PSDB e no DEM parecem ter descoberto a receita para ganhar espaço na disputa interna. Se julgam ter a receita também para a externa, boa sorte! Suponho que esperariam dele, também, o silêncio obsequioso que não souberam guardar.
Reitero: para o país, acho que seria péssimo. Mas gosto de estar certo. Se as oposições não merecem o eleitorado que têm, que ele vá para quem tanto o deseja. Na primeira entrevista que desse após a desistência, imagino algo assim:
Governador, por que o senhor desistiu?
Porque eu estava na frente havia mais de um ano, e isso passou a ser malvisto por alguns aliados. Então eu não quis mais chateá-los.
O senhor vai apoiá-los agora?
Claro! Se eles não me apoiaram estando eu na frente, por que cargas d’água eu não iria apoiá-los estando eles atrás? Isso é da mais absoluta e pura lógica cartesiana!
Finalmente
No dia 3 de dezembro de 2005, eu era colunista de O Globo, e Serra era líder nas pesquisas: vencia a eleição contra Lula. Mas havia tucanos que diziam que não, que ele não poderia ser o candidato. Reitero: ELE LIDERAVA TODAS AS PESQUISAS. Escrevi então — há 3 anos e 11 meses:
O PSDB deve ser o único partido no mundo em que um candidato favorito não é favorecido pelo favoritismo – se me permitem a lambança tautológica. Para alguns, é como se a preferência do eleitorado fosse um prejuízo, um peso de que querem se proteger. Parece que os ouço: “Não, este não. Está na frente nas pesquisas. Não pode!”
É mais ou menos o que se verifica com o nome de José Serra – até agora o único a vencer Lula num eventual segundo turno. Pode mudar? Pode. Mas é assim enquanto escrevo. Satisfação nas hostes tucanas? Há os que se mostram inquietos. O argumento maroto é o de que pesquisas refletem a realidade do momento. Sei. Futuro certo é só com a Mãe Dinah. (…)
Pergunta: caso Serra deixe de ser o mais bem colocado, suas chances aumentam?
Usa-se como argumento contra as pesquisas a candidatura de FHC em 1994, que largou atrás. Teria deslanchado depois de conhecido. Lorota. Era o homem do Real: havia domado a inflação. O trunfo lhe valeu duas eleições. É história. Os tucanos precisam é de projeto e de voto. Ainda não têm o primeiro, mas alguns se apressam em dar de ombros para o segundo. Os petistas devem acompanhar cheios de esperança esse jeito Toninho Cerezo de trocar passes no campo defensivo.
(…)
Serra, por seu turno, tem de abandonar a ambigüidade. É pré-candidato ou não? É. Por vontade sua, claro, mas também de quem se mostra disposto a votar nele. Candidaturas são construções políticas. Espero que seja ele? Espero é que seja um método!
Voltei
Como vêem, leitores, o demônio gosta de ter razão!
PS – O petralha vai dizer: “Aí, hein?, tá admitindo a vitória de Dilma, rá, rá, rá” O macaco tá rindo de quê? Dilma ainda não vence nada. Por enquanto, só estou fazendo um tratado sobre a estupidez e sobre a opção sistemática pela derrota.