Um caso de grave molestamento infantil no Colégio São Bento
O prefeito do Rio, Cesar Maia, tornou pública a questão no seu blog: um grupo de pais e ex-alunos do Colégio São Bento, no Rio, enviou uma carta ao reitor da instituição reclamando do conteúdo de uma apostila de geografia destinada a alunos da sétima série. Vocês sabem que há tempos tenho dado destaque à […]
Atenção: o material é voltado a alunos da sétima série. Estamos falando de estudantes entre 12 e 13 anos. Estamos falando, então, de uma variante do molestamento infantil. Recorrendo à história em quadrinhos – e deixo claro que o professor, quando abusa da prosa, evidencia sinais de analfabetismo -, o mestre decide explicar como surgiu o capitalismo.
No primeiro, numa alusão estúpida ao Evangelho de São João (e estamos falando de uma escola católica), sob a inscrição “No princípio era o verbo”, homens na Idade da Pedra, reunidos, conjugam: “Eu trabalho, tu trabalhas, ele trabalha”
No quadro seguinte, sob a inscrição “Com a chega do capitalismo, mudou o verbo do princípio”, há a seguinte cena: um capitalista de cartola, casaca e charuto na mão (eu juro), sorriso maligno, aponta para um trabalhador e para um sujeito, sei lá, de classe média e fala: “Eu lucro, tu trabalhas, ele reclama da inflação”.
No quadro três, um homem cavalga o outro e se pode ler: “Apareceu, então, a propriedade privada dos meios de produção; num momento, eu creio, em que o Criador estava distraído”. Ao todo, são 26 ilustrações de demonização do capitalismo e de proselitismo o mais ordinário, o mais asqueroso, o mais vagabundo, o mais rasteiro. Não sei de quem são desenho e roteiro, mas julguem vocês mesmos a qualidade do material. Há coisas como:
– “Lucro é tudo aquilo que o trabalhador produziu, mas não recebeu de volta” (a ilustração é um empresário assaltando um assalariado com o revólver);
– “O capitalismo é uma varinha de condão ao contrário: desencanta tudo o que toca” (a ilustração é um monstro que transforma uma escola numa casa de “negócio”);
Muito bem. Feito o pastiche ideológico, vazado em uma linguagem “descolada”, supostamente próxima da fala das crianças (com virgulas entre sujeito e verbo a dar com pau), aí o professor houve por bem sistematizar o ensino. E escreveu lá:
O que é capitalismo
Capitalismo é um sistema de organização da economia baseado em vários princípios, dentre os quais se destacam os seguintes:
. Propriedade privada dos meios de produção. As pessoas, individualmente ou reunidas em sociedade, são donas dos meios de produção.
. A transformação da força de trabalho em mercadoria. Quem não é dono dos meios de produção é obrigado a trabalhar em troca de um salário.
. A acumulação do capital. Em princípio, o dono do capital quer produzir pelo menor custo e vender pelo maior preço possível. O lucro é a diferença entre o custo de produção e o preço de venda do produto. Para diminuir os custos, procura pagar o mínimo possível pelas matérias-primas, salários e outros meios de produção.
. A definição de preços é feita pelo mercado, com base na oferta e na procura, isto é, na disputa de interesses entre quem quer comprar e quem quer vender produtos e serviços. No capitalismo, é o mercado que orienta a economia.
A simplificação do que é o capitalismo – de resto, estúpida, errada – pareceu ao valente ainda ligeiramente favorável ao sistema. Então o mestre decidiu acrescentar uma observação:
“A livre concorrência é a competição na venda dos bens e serviços. Na prática, a concorrência em que todos são igualmente livres para produzir, comprar, vender, fixar preços etc não existe. Isso porque o mercado vem sendo dominado por grandes organizações que expandem cada vez mais sua área de atuação através de fusões, incorporações e outros modos de ampliar negócios, eliminando pequenos e médios concorrentes.”
Vocês sabem que há muito tempo me ocupo desse bestialógico que vai nas escolas, nas universidades, nos vestibulares, nas provas do Enem, do Enade etc. Mesmo assim, estou um tanto chocado. Nunca se tinha chegado antes tão baixo – não num material didático preparado para crianças. Lembram-se daquela matéria da VEJA? A maioria dos brasileiros não sabe onde fica o Brasil. Naquele podcast com Diogo, apontei a causa: os professores de geografia não ensinam mais o estudante a ver um mapa. Estão ocupados em “expricá a luta de crasse”.