SEMINÁRIO NA FOLHA – Patrícia Campos Mello lamenta debate civilizado, sem sangue. Ela queria porradaria!
Pautada para escrever sobre a mesa que debateu jornalismo de opinião, jornalista preferiu falar mal de mim... Mas não resistiu e me chamou de “exuberante”!!!
Participei na sexta-feira passada de um debate na Folha sobre jornalismo de opinião. O mediador foi Bernardo Mello Franco, e os outros debatedores, os jornalistas Josias de Souza e Ricardo Mello, diretor da EBC. O vídeo está aqui.
Patrícia Campos Mello era a apresentadora. Não sabia que ela estava lá também como minha juíza. Abaixo, reproduzo em vermelho o texto que ela escreve na Folha nesta sexta. Suponho que sua pauta era escrever sobre o debate. Ela preferiu escrever sobre mim. Não a culpo. Respondo em azul. A propósito: nem todas as besteiras que dizem a meu respeito merecem resposta. Apenas algumas. Vamos lá.
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Os colunistas da Folha André Singer, professor da USP e ex-porta-voz da Presidência da República no governo Lula, e Mario Sergio Conti, jornalista, foram convidados para debater com o também colunista Reinaldo Azevedo no Encontro Folha de Jornalismo. Eles declinaram. O professor da USP Vladimir Safatle, colunista da Folha, disse que não poderia participar porque estava viajando.
Bem, é evidente que Patrícia está informando, o que eu não sabia, que esses todos se recusaram a debater comigo. É uma pena! Quando aceitei o convite da Folha, não perguntei quem comporia a mesa. Há pessoas que gostam de debater apenas com pares as divergências do mesmo lado. Sou esquisito e prefiro confrontar divergências.
Não é fácil debater com Reinaldo Azevedo, ponta de lança da nova direita brasileira.
Não é, admito. O que é “nova direita brasileira”? Isso é só uma bobagem da velha esquerda brasileira. Mais: ponta de lança faz supor que exista um exército. Qual é o meu, Patrícia? Eu não tenho um MTST pra chamar de meu.
Ele é agressivo em seus comentários e não deixa o interlocutor falar.
O vídeo está disponível. Avaliem se fui agressivo ou se impedi alguém de expor seu pensamento. Fui um anjo de candura.
Em certas ocasiões, reservou palavras pouco amistosas para Singer (“desonestidade intelectual”) e Safatle (“intelectual que defende o aborto e chama feto de parasita”).
Acusar “desonestidade intelectual” de um debatedor não é ofensa nem agressão. Corresponde a dizer que determinada afirmação está em desacordo ou com os fatos ou com fundamentos que a própria pessoa diz abraçar.
Safatle, com efeito, defende o aborto. Se você clicar aqui, encontrará uma coluna sua na Carta Capital intitulada “Claramente a favor do aborto”. De resto, se ele defende, dizer que o faz não é ofensa.
Na coluna em questão, Safatle escreveu: “Um embrião do tamanho de um grão de feijão, sem autonomia alguma, parasita das funções vitais do corpo que o hospeda e sem a menor atividade cerebral, não pode ser equiparado a um indivíduo dotado de autonomia das suas funções vitais e atividade cerebral.”
Como se vê, chama feto de “parasita” e a grávida de “hospedeira”. Safatle pensa que gravidez é barriga d’água. Mas o que isso tem a ver com o debate, Patrícia? O que escrevi sobre cada um dos convidados em meu blog não fazia parte do evento. Transcrever o que escrevi sobre pessoas que se negaram a debater como parte de sua análise sobre aquele encontro é… desonestidade intelectual!
Qualquer colunista que aceitasse ser o contraponto esquerdista do exuberante Azevedo sabia que teria uma tarefa inglória.
Exuberante? Eu? Ainda volto ao tema. Inglória por quê? Bastava chegar lá e demonstrar que estou errado.
Além disso, hoje em dia, quem se considera de esquerda já sai de casa na defensiva e passa o dia inteiro se explicando. Ainda que não seja petista.
A esquerda não tem de passar o dia se explicando por ser de esquerda. Porque governa um país, segundo os métodos conhecidos, é obrigada a prestar contas por seu alinhamento com o poder. Assim é nas democracias. Não se trata de preconceito, mas de vida democrática.
O ex-militante trotskista e ex-colunista da Folha Ricardo Melo, diretor da EBC (Empresa Brasil de Comunicação), resolveu encarar o desafio –relevando o fato de ter sido chamado de “gafanhoto [discípulo] do Paulo Henrique Amorim” e “ignorante” no blog de Reinaldo Azevedo na revista “Veja”.
“Encarar o desafio”??? Bem, sugiro de novo que assistam ao vídeo. O embate foi mais bem-humorado do que ranzinza. Ela foi escarafunchar texto meus na Internet, pegar palavras soltas, tirá-las do contexto para justificar a sua tese. O “gafanhoto” em questão, por exemplo, era só uma alusão ao seriado “Kung Fu”. “Ignorante” é particípio presente do verbo ignorar. Eis outra evidência, Patrícia, de desonestidade intelectual. De resto, se Ricardo Mello tivesse julgado as coisas que escrevi incompatíveis com o debate civilizado, ele também teria declinado do convite.
Os tempos e os embates ideológicos mudaram.
Tudo muda. “E não se muda já como soía”. Não é agressão. É Camões.
Em 1968, o escritor americano de esquerda Gore Vidal (1925-2012) duelou com seu nêmesis ideológico William F. Buckley Jr (1925-2008), ícone do conservadorismo norte-americano, em uma série de debates antológicos durante as primárias dos EUA.
“Deixei o corpo ensanguentado de William F. Buckley Jr jazendo no meio do salão da convenção em Chicago”, diz Vidal, em cena do documentário “Best of Enemies” (2015), já disponível na Netflix brasileira.
No Brasil de 2016, a discussão entre Melo, Azevedo e o moderado Josias de Souza, blogueiro do UOL e ex-colunista da Folha, não teve sangue nem xingamentos. Mas tampouco teve profundidade.
Patrícia sentiu falta de sangue? Era isso o que ela queria? Aceito debater com ela, com profundidade. Inclusive a obra de Gore Vidal, também a literatura. Respondo ao que me perguntam. Quem aponta a falta de profundidade tem de ao menos dar as balizas do que entende por profundo. Até esse ponto, Patrícia se limitou a me chamar de agressivo, a pescar aspas do que escrevi sobre os debatedores, como se palavras, isoladas, pudessem reproduzir uma contenda.
ESPELHO
Na mesa “Sai, Dilma/Fica, Dilma – O Que Eu Acho do Jornalismo de Opinião”, o que mais se ouviu no auditório do MIS foram considerações sobre os inúmeros escândalos de corrupção atualmente investigados no país e o viés da imprensa.
Enquanto Buckley e Vidal discutiam as premissas do Estado de bem-estar social, direitos civis, concentração de renda e a necessidade de os Estados Unidos saírem da guerra do Vietnã, em meio a ácidas ofensas pessoais, no Brasil que encolhe 4% ao ano os tópicos eram a antena que a Oi instalou no “sítio frequentado por Lula em Atibaia” e a Brasif pagando salário para Mirian Dutra, ex-amante de Fernando Henrique Cardoso.
Com o devido respeito, Patrícia, a sua síntese é energúmena. Sei que parece agressivo. Não é você que é energúmena, é a sua apreensão daquela realidade. Você, definitivamente, não entende nada de colunismo político.
A antena que a “Oi” instalou no sítio de Lula não é só um antena. Trata-se de uma forma de gestão do estado, moça! Não é um assunto menor. E foi essa forma de gestão que levou o país a uma recessão de 4%.
A propósito: Patrícia me tacha de agressivo, recorrendo a palavras soltas, mas parece exaltar no embate Vidal-Buckley as “ácidas ofensas pessoais”. Sinto tê-la desapontado.
O problema não está nos debatedores que participaram. A conversa foi um espelho fiel da realidade.
A quantidade de escândalos da atualidade é tão avassaladora que não sobra tempo para discutir o país.
Isso é uma bobagem! Não existe uma “discussão sobre o país” fora do país. Por mais que eu discorde de Mello, e discordo; ainda que discorde episodicamente de Josias, e discordo, o que se discutia ali era, sim, o país, ora bolas! O que se discutia ali, como pano de fundo, era que estado se quer, que imprensa se quer, que política se quer.
Patrícia começa mal no campo da polêmica. Cita mal também seus debatedores exemplares. Gore Vidal, que podia ser genial, era capaz de sair de um debate, como fez, e escrever um artigo esculhambando o seu oponente só porque este usava peruca. Não é um exemplo de profundidade. Eu não me importo com o cabelo dos meus oponentes.
Os três jornalistas concordaram que a função última da imprensa é questionar o governo.
Isso está certo.
Mas, para Azevedo, “existe um alinhamento da imprensa mais à esquerda”, e a mídia “é mais generosa, mais tolerante com o PT”. Já para Melo, a imprensa pode ser acusada de tudo, “menos de ser de esquerda”.
Patrícia, por que você começa a oração seguinte com uma conjunção adversativa? O que há de contraditório entre eu achar que a função da imprensa é questionar o governo e afirmar que existe um “alinhamento da imprensa mais à esquerda”?
Mais uma vez, há um espelho da realidade: a Folha, por exemplo, é tachada de petista pelos leitores tucanos, e de integrante do PIG (Partido da Imprensa Golpista) pelos petistas. Ou seja, ao menos desagrada democraticamente.
Outra bobagem. Isso não quer dizer nada. Gosto da Folha, mas não por isso. Já lhe ocorreu que o fato de desagradar a todos não significa que se está necessariamente certo?
Para Josias de Souza, essa não é a questão. “Nós queremos uma imprensa que seja veraz, não de esquerda ou de direita, queremos saber o que é fato e o que não é”, afirmou.
Sim, Josias está certo! É também o que eu quero.
No final, o mediador Bernardo Mello Franco, colunista da Folha, conseguiu levar de volta a discussão para o tema principal da mesa: haverá ou não impeachment da presidente Dilma Rousseff?
Destaco que, quando fui convidado, não me foi dito que seria esse o tema principal. E não acho que tenha sido. Fui chamado para debater jornalismo de opinião. De toda sorte, poderíamos ter debatido só esse assunto. A mesa tinha um mediador e a ele me submeti.
Josias e Azevedo afirmaram que o impeachment se esvaziou do ponto de vista político, mas que há, sim, indícios fortes de crime de responsabilidade.
Não é uma boa síntese da minha opinião. Eu disse, na sexta-feira passada, o seguinte: “As condições hoje para Dilma deixar o mandato são mais fracas do que já foram, mas, sinceramente, não vejo Dilma encerrando o mandato. (…) A gente nem conhece as faces da crise. Dado o retrato de hoje, eu acho que não vai ter impeachment. Mas dado o dinamismo das coisas, eu não vejo a Dilma encerrando o mandato. Eu não vejo que o processo político vá aguentar e acho que, talvez, a solução possa vir via TSE, porque, ali sim, as coisas vão se complicar”.
Sim, a resposta é longa e não é linear. Mas, às vezes, as coisas são longas e não lineares. De resto, eis aí: uma semana depois, João Santana e Mônica Moura se encarregaram de inflamar as ruas e a política. É o tal “dinamismo das coisas”.
“Todo mundo sabia que a política brasileira estava apodrecida, nós chegamos a um estágio em que a podridão apareceu, e é preciso que isso tenha uma consequência”, disse Josias. “Mas é preciso ver se o Tribunal Superior Eleitoral [TSE] terá coragem cívica.”
O TSE tem o poder de cassar o mandato de Dilma e do vice-presidente, Michel Temer, caso se comprove que o dinheiro da corrupção da Petrobras financiou a campanha da eleição de 2014.
Azevedo diz não ver “Dilma encerrando o mandato, considerando o que vem pela frente e considerando o desempenho dela”. “Acho que talvez a solução venha via Tribunal Superior Eleitoral.”
Já Melo acha que falta um “batom na cueca” e apoio político, e que, portanto, não haverá impedimento da presidente Dilma.
Mas vieram da boca do diretor da EBC, a empresa estatal de comunicação, as seguintes palavras: “Vai ser um governo enfraquecido até o final. Não haverá impeachment, mas o governo seguirá aos trancos e barrancos.”
Em vez de dois antípodas altivos em suas opiniões, remetendo novamente a Vidal e Buckley, acabamos com a esquerda em melancólica apatia e a direita em triunfante modo “eu te disse”.
Patrícia achou que me faltou altivez? Que coisa! É a primeira vez que recebo essa crítica. Talvez eu esteja aprendendo alguma coisa e já consiga até fingir… É uma ironia, viu, Patrícia? Não vá tropeçar. E cadê o “eu te disse triunfante” na minha fala?
De resto, as pessoas tendo tamanho para o debate, não me furto a confrontar as minhas ideias com quem quer que seja. Lamento que André Singer, por exemplo, não tenha querido ir. Quando eu tinha revista, eu o convidei para ser colunista. E ele aceitou. Até pedir para sair, se não me engano, porque estava começando seu envolvimento profissional com a pré-campanha de Lula. No tempo em que esteve lá, escreveu o que quis, como quis. E ele sabe disso. Se hoje não aceita debater comigo, o que posso fazer? Não mordo. Sempre sou um rottweiler amoroso com um Singer.
Encerro. Patrícia: exuberante estava você! Os cabelos louros sobre o tecido azul enfeitavam aquele palco. E fica o convite para debater a obra de Gore Vidal. Em profundidade!