Querem me excomungar? Tá bom. Mas digam ao povo que fico
Fico muito grato àqueles que resolveram me ameaçar com a excomunhão por causa do que escrevi sobre a pesquisa com células-tronco embrionárias. Só provam uma coisa que sei há muito tempo: a burrice não é exclusividade das esquerdas, é claro. Eu só as combato com mais freqüência e decisão porque elas são bem mais influentes. […]
Um dos motivos por que (é separado nesse caso, tá?) a esquerda avança tanto e acaba se confundindo com o “progresso” é que os seus adversários acabam caindo como patos nas suas ciladas — e, quase sempre, falando besteiras. Esse embate sobre células-tronco embrionárias é mais um exemplo. Já volto a ele. Trato antes de um outro. Ah, sim: quem tá falando em excomunhão já tomou o Trono de Pedro?
Vamos ao outro caso. Cansei de ler textos, muitos me chegaram pela Internet, tentando provar que a camisinha não é um método seguro para evitar o contágio de doenças sexualmente transmissíveis ou a gravidez. É de uma tolice e de uma contradição formidáveis. E quando se fizer, então, a camisinha 100% eficiente? Aí pode? Ora, mas a questão não era de princípio?
Pois é. Para mim, continua a ser de princípio. Acho as campanhas sobre uso da camisinha erradas e contraproducentes não porque duvide da sua eficiência, mas porque elas tomam o lugar que deveria estar reservado a um primado moral, individual. Santo Deus! Pensar também é um exercício. Aprende-se pensando. Caso se firme uma ética segundo a qual o sexo casual, entre pessoas desconhecidas, feito como quem toma um uísque ou diz boa noite, é um padrão aceitável (e, mais do que isso, normal), então, com ou sem camisinha, está-se dando uma contribuição formidável às doenças sexualmente transmissíveis. E a razão é simples e até aborrecida: feita a opção pelo sexo casual, faz-se. Com ou sem camisinha.
Será que fui claro? Não se deve ser contra a campanha da camisinha por, sei lá eu, fetichismo ou ineficiência do método, mas porque essa propaganda nos impede de fazer o debate moral: O ÍNDIVÍDUO ESCOLHE TRANSAR. E, se escolhe, tem de responder por sua escolha. Entendo eu que a questão da Igreja Católica está posta neste ponto. Ela entende — e tem todo o direito de entender — que o sexo deve ser monogâmico e jamais casual. A questão da camisinha é absolutamente secundária. Mas a ela se apegam os detratores boçais da Igreja e certos carolas idiotas. É evidente que o sujeito deve usar camisinha se for fazer sexo de risco. A Igreja se opõe é ao sexo de risco; a igreja se opõe é ao método de prevenção tomando o lugar de uma moral.
Qual é a chance de o ministro José Gomes Temporão entender o que estou escrevendo? Zero.
De volta às células
Talvez eu pudesse ter sido mais claro. Então vou tentar. Se me fosse dado votar num foro mundial, seria contrário à manipulação de células embrionárias. Motivo: estão efetivamente postas as possibilidades de se tentar fazer (sem conseguir), sei lá eu, o homem perfeito. Eu gosto do humano com todas as suas precariedades. Brinquei aqui outro dia, sem querer parecer frívolo, que talvez não houvesse poesia romântica com o Prozac… Gosto das pessoas imperfeitas, gosto de seus defeitos também, gosto de seus problemas, de seus dilemas. Não tem jeito: os que se sentem na condição de inquisidores podem tentar me excomungar, mas eu gosto de humanos que pecam, embora possa repudiar os seus pecados.
Ah, não. Continuo a me opor ao aborto, à eutanásia, à indústria da morte que tentam vender como caminho de nossa liberdade e de nossa redenção. Mais do que isso: defendo o direito que a Igreja Católica tem de dizer o que pensa, sem meios-tons, subterfúgios e ambigüidades. Ela já conseguiu algumas conquistas importantes nessa área: os códigos, no plural mesmo, que estão sendo debatidos para tratar das experiências genéticas têm a marca indelével das preocupações propostas pelos cristãos como um todo — e pelos católicos em particular.
O Brasil vetará aqui a pesquisa com células-tronco embrionárias, quando ela já é uma realidade em boa parte do mundo, em nome dos princípios? Pois bem. A mesma sociedade de mercado que garante a nossa liberdade — e acreditem: garante — encontrará meios de driblar a proibição, aí fora de qualquer controle e de qualquer código de ética, já que estaremos falando, então, de clandestinidade.
A firmeza tem de ser serena, não paranóica. Comparar os embriões congelados ao aborto corresponde a recorrer a um mecanismo que vejo muitas vezes em juízos da esquerda a mais tosca: “é tudo a mesma coisa”. Para que fosse, seria forçoso admitir que o ventre materno — e talvez eu não precise me alongar sobre a condição sagrada deste lugar — é dispensável nas precondições que tornam a vida do homem inviolável, porque divina. Não interfira na concepção, e ali está o humano. Pode-se dizer o mesmo dos embriões congelados de três ou quatro dias que estão congelados? Dilemas éticos supõem desdobramentos práticos: alguém, por acaso, lhes dará honras fúnebres cristãs quando forem descartados.
Então, não me venham dizer que é tudo a mesma coisa… A rigor, duas coisas jamais são a mesma coisa, não é mesmo? Ou não seriam duas, mas uma. Ninguém me chamou pra votar. Num suposto foro mundial, meu voto estaria dado. O mundo que temos é o mundo que, humanos, fizemos, com todas as suas precariedades e dificuldades. A cada momento, os homens de princípio são chamados a arbitrar, a escolher, a tomar posições.
A esquerda sempre se diverte quando “os conservadores”, sob o pretexto de assumir posições de principio, ignoram a realidade e vivem suas boas certezas como se fossem uma maluquice sectária e minoritária. Eu não gosto das pesquisas como uma questão de princípio. Mas elas são um dado da realidade. Temos, os cristãos, a obrigação de lutar para disciplinar a realidade. Do contrário, eles farão o que lhes der na veneta. E sem a nossa intervenção.