Quando o patrimonialismo une direita e esquerda
O Blogger não está atualizando o que é postado, e não sei, portanto, a que hora vocês lerão o que escrevo. Mas lá vou eu, mandando em garrafas mensagem por todo o mar — ou o ar. A minha, vá lá, irritação da manhã fica com os reitores das universidades estaduais de São Paulo: USP, […]
Explico-me. O Estado de São Paulo criou uma secretaria de ensino universitário. Um decreto fazia do secretário presidente do Conselho de Reitores. Era mera burocracia sem importância, e o texto foi mudado. Pronto. A outra grave “agressão” à autonomia, vejam só, foi submeter também as universidades a um contingenciamento — no caso, mínimo — de verbas até que o Orçamento não seja votado pela Assembléia. Depois, volta tudo ao normal.
E a terceira fonte de preocupação — e esta me deixou muito irritado — é que as universidades agora terão também de prestar contas, como todo mundo, ao Siafem, um sistema informatizado de controle dos gastos públicos. Afinal, para espanto dos duques que mandam nas universidades, o dinheiro que as sustenta é… público!!! O Zé Mané tem o direito de saber.
Mas não é só isso, não. A USP tem em caixa R$ 1,2 bilhão; a Unicamp, R$ 230 milhões, e a Unesp, R$ 68 milhões. Como eu não acredito que os reitores estejam guardando dinheiro debaixo do colchão, suponho que os recursos estejam aplicados no mercado financeiro. Numa estimativa conservadora, com ganhos de 1% — e, nesse volume, é possível conseguir taxas mais apetitosas —, a dinheirama está rendendo mensalmente à USP R$ 12 milhões — R$ 2,3 milhões à Unicamp e R$ 680 mil à Unesp. Não podiam esperar o governo resolver o problema do Orçamento antes de botarem a boca no trombone? Que nada! Os reitores foram pra galera.
E encontraram, como se viu, solidariedade automática da imprensa, que não se interessou em saber direito o que estava em curso. A reportagem de hoje do Estadão, depois de um editorial confuso, desinformado, é a primeira que consegue ultrapassar a cortina de fumaça. Os servidores das universidades e funcionários, todos subordinados ao PT, agora falam em greve. Os reitores e parte da mídia resolveram botar fogo no palheiro. Agora, os maníacos estão assanhados e se sentindo cheios de razão.
Estamento burocrático
Se há coisa que é, sim, a cara da pior elite brasileira, herança do patrimonialismo e de sua expressão política, o estamento burocrático, esta coisa é a universidade pública e gratuita, um serviço pelo qual todos os brasileiros pagam para atender, essencialmente, os ricos. Sei, reitores gostam de vir com seus números perturbados, mostrando que mais da metade dos alunos têm origem na escola pública; que uma grande parcela vem das classes média e baixa etc e tal. Quantos dos “pobres” estão em medicina, odontologia, engenharia? E qual é o perfil dos estudantes de letras e ciências humanas, por exemplo? A verdade óbvia é que os alunos das escolas públicas de segundo grau ou embarcam num ProUni da vida, num desses lixões que recebem a papa fina do dinheiro oficial, ou disputam cursos na própria universidade pública que os ricos não querem. E os estudantes que têm origem no ensino médio particular ocupam os cursos de ponta.
Mas não adianta. Ninguém vai tocar nesse privilégio. Estamento burocrático que é, expressão da raiz patrimonialista — e só os brasileiros são culpados; as nossas raízes ibéricas não já têm mais nada com isso —, esquerda e direita se unem na defesa do que chamam pomposamente de “um direito”. Infelizmente, o PSDB está longe de comungar com essa crítica que faço. Serra tampouco. Ele já se manifestou contra a cobrança de mensalidades nas universidades públicas em outras oportunidades.
Tio Rei é um Brancaleone sem farrapos. Sozinho, não consegue. Urge uma reportagem ampla, amplíssima, sobre o custo da universidade pública e gratuita no Brasil, a sua produtividade — número de professores, alunos, funcionários —, a efetiva carga horária dos professores, os trabalhos científicos publicados. Tudo isso, claro, em comparação com universidades estrangeiras que sejam exemplos de eficiência.
Então tá
Que a torre de marfim de Dona Zelite siga intocada. Mas que, ao menos, ela se digne, então, a prestar contas ao público pelo uso do dinheiro… público, como fazem as demais instâncias do Estado. Inclusive, se possível, de suas aplicações. Afinal, universidade não existe para especular no mercado financeiro. Os reitores que andaram choramingando em artigos nos jornais omitiram que estavam com os cofres cheios. Certo, teriam de gastar o dinheiro se os recursos tivessem sido cortados. Mas não foram, não é mesmo?
“Se a situação continuar como está, é provável que tenhamos de tomar uma atitude mais grave”, afirma César Augusto Minto. Quem é esse? Presidente da Associação dos Docentes da USP, que ameaça com uma greve. A Adusp sempre foi mera serviçal do PT. Que situação? Do que este senhor está falando? Ele tenta nos explicar: “O governo diz que contingenciou pouca verba, mas a gravidade não está na quantidade. Está na intervenção. Se hoje a intervenção é pequena, quem garante que amanhã não será grande?” Não tem “se”. O governo contingenciou pouca verba — 1,5%. E o fez porque o Orçamento não foi votado. É uma situação temporária. O nobre professor está querendo fazer uma greve preventiva, por algo que ele reconhece que não aconteceu, mas que pode acontecer, quem sabe?, um dia… E esse sujeito dá aula. É a lógica que ensina a seus alunos. E toda a sociedade paga por isso.