Quando a distorção ideológica chega ao vestibular: uma questão da UERJ tem de ser anulada
Temos falado muito de doutrinação aqui nestes dias, não é? Aproveito para convidar os que ainda não o fizeram a ler o texto, que está no post anterior, de autoria do professor Ronaldo Laranjeira. Ele não é um abelhudo, mas especialista em dependência química. Expõe, de maneira contundente, os muitos desvios a que está submetida […]
Há dias, dei destaque ao texto escrito pela mãe de uma aluna, inconformada com o viés ideológico do material didático, do Sistema COC de Ensino, que era usado pelo colégio da filha. Em vez de diálogo, tentaram calá-la na Justiça. Vocês conhecem o caso. Os “espadachins da reputação alheia”, que é como Balzac chama certo tipo de jornalismo em Ilusões Perdidas, tentaram ver na iniciativa uma guerra comercial. Já disse: é leninismo de sabujo de empreiteira. Acusam os adversários de fazer o que eles fazem — a sacada é de Olavo de Carvalho.
As distorções começam, sim, no material didático, tenha a origem que tiver, e saltam para a universidade, que forma novos doutrinadores, que saem dali para doutrinar. Forma-se ciclo perfeito do atraso, que resulta nos comuno-fascistas que invadem reitoria. Já sabem o que recomendo pra eles: a política democrática da tropa de choque. A menos que provem que a tropa de choque não está abrigada pelo estado democrático e de direito.
Adiante. A doutrinação esquerdopata também está presente já na peneira por que passam os candidatos a uma vaga no terceiro grau. Há alguns dias, a Universidade Estadual do Rio de Janeiro (UERJ) realizou a primeira fase de seu exame vestibular. A questão 59 era esta, que segue em vermelho:
A partir desta edição VEJA passará a grafar a palavra estado com letra minúscula.
Os povos de língua inglesa, generalizando, esperam do estado a distribuição equânime da justiça, o respeito a contratos e à propriedade e a defesa das fronteiras. Mas não consideram uma dádiva do estado o direito à boa vida material sem esforço. Grafam “state”. Com maiúscula, estado simboliza uma visão de mundo distorcida, de dependência do poder central, de fé cega e
irracional na força superior de um ente capaz de conduzir os destinos de cada uma das pessoas.
O modelo de Estado contra o qual o editorial se posiciona e o modelo de Estado que fundamenta a decisão dos editores da revista estão identificados, respectivamente, na seguinte alternativa:
(A) Mínimo; Comunista
(B) Socialista; Capitalista
(C) Corporativista; Keynesiano
(D) Bem-Estar Social; Neoliberal
Adivinhe qual é a resposta que o examinador consdera correta, leitor amigo. É isto mesmo. O vestibulando era obrigado a cravar a alternativa “D”. Para entrar na Uerj, o candidato tem de saber que a VEJA é contra o estado de bem-estar social e favorável ao estado neoliberal. O conjunto da obra é cheio de perversidades, certo? Já que a prova continua a gravar “Estado”, em caixa alta, ela faz, ao mesmo tempo, uma declaração de princípio: contra o estado neoliberal e favorável ao estado de bem-estar social. Se algum aluno quiser recorrer à Justiça para anular a questão, dá uma boa briga. Eu, que sou da VEJA, cravaria, dadas as opções, a alternativa “B”.
Não é segredo pra ninguém que o “neoliberalismo” virou um palavrão no país. No mundo inteiro, diga-se, tal taxonomia tem uma paternidade: a esquerda. “Neoliberalismo” passou a ser visto como sinônimo de redução dos direitos sociais em conseqüência de uma interferência menor do estado na economia — em oposição a países da própria Europa em que há um estado mais presente ou uma legislação que protege fortemente o trabalho. Adivinhem onde o desemprego hoje é maior: na Alemanha do “bem-estar social” ou no Grã-Bretanha neoliberal? Acertou quem respondeu “Alemanha”.
A classificação vesga chegou ao Brasil. O governo FHC, que vendeu algumas estatais — não tantas quantas poderia — foi chamado pelas esquerdas de… “neoliberal”. A privatização da Telebras, por exemplo, significou a universalização do telefone em tempo recorde na história e abriu as portas do país para a tecnologia da informação. Ah, mas o PT, vocês se lembram, era contra esse absurdo, mais essa evidência do “neoliberalismo”. Como era contra a venda da Embraer — hoje a maior fabricante de aviões para transporte regional do planeta — e da Vale do Rio Doce. As privatizações trouxeram investimentos, tecnologia, emprego. Na Europa, a esquerda acusou Maragareth Thatcher de ter desmontado o estado de bem-estar social em seu país — que caminhava para a irrelevância — para implementar o neoliberalismo. No caso do Brasil, nem mesmo tal oposição era possível porque o estado era, como ainda é, corporativista — além de terrivelmente ineficiente e gastão.
É a esse “neoliberalismo” — a essa positiva lufada de liberalismo — que está se referindo a prova da UERJ? É claro que não!!! Trata-se tão-somente de um viés ideológico estatista, que se respira no ambiente universitário, especialmente numa universidade pública, vazado para um exame de seleção. Não tenho nenhuma simpatia pelo chamado “estado de bem-estar social”, apesar do nome docinho, mas nem eu seria tão ranzinza a ponto de dizer que ele defende “a boa vida material sem esforço”, que preconiza para a sociedade “a dependência do poder central, de fé cega e irracional na força superior de um ente capaz de conduzir os destinos de cada uma das pessoas”. Ah, não. Ou eu seria obrigado a concluir que Fidel Castro, Evo Morales, Hugo Chávez, Kim Jong-Il e Ahmadinejad — já tão distintos entre si — aderiram ao estado de bem-estar social.
A questão não tem alternativa certa porque é muito simplória, e a UERJ deveria anulá-la. A menos que reivindique a condição de verdadeira consciência de quem escreveu o editorial da VEJA. Trata-se apenas de uma manifestação um tanto ignorante de rabugice ideológica, de que as vítimas podem ser os candidatos. Das alternativas dadas, a mais próxima do texto, ademais, é a “B”. E não porque eu demonize o termo neoliberalismo. Quem demoniza são eles.