“Pessoas, a gente pega, tange, ferra, engorda e mata. Mas com gado é diferente”. Ou: A exemplo dos intelectuais, os vaqueiros já não são mais livres-pensadores
Vejam esta foto. Já falo a respeito. Num país em que a esmagadora maioria dos intelectuais é composta de funcionários morais de um partido, a esperança de haver livres-pensadores estava com os vaqueiros. Acabou! Doravante só teremos “companheiros vaqueiros”. O Senado aprovou nesta terça projeto oriundo da Câmara, apresentado em 2007, que regulamenta a profissão. […]

Vejam esta foto. Já falo a respeito.
Num país em que a esmagadora maioria dos intelectuais é composta de funcionários morais de um partido, a esperança de haver livres-pensadores estava com os vaqueiros. Acabou! Doravante só teremos “companheiros vaqueiros”. O Senado aprovou nesta terça projeto oriundo da Câmara, apresentado em 2007, que regulamenta a profissão. Então tá! Agora o vaqueiro já não se confunde mais com outros funcionários de fazendas e empresas rurais. Imagino o patrão:
— “Pedro Henrique da Matta [esse negócio de chamar vaqueiro de “Severino” é um misto de clichê com preconceito], será que você e o Luiz Gustavo Fernandes [o outro vaqueiro] poderiam podar aqueles pés de rosa em frente à sede da fazenda?
— Infelizmente, não, doutor Cícero. Considera-se vaqueiro o profissional apto a realizar práticas relacionadas ao trato, manejo e condução de espécies animais do tipo bovino, bubalino, equino, muar, caprino e ovino. Por um acaso, doutor Cícero, rosa é um bovino?
— Não, Pedro Henrique.
— Rosa é bubalino?
— Não, Pedro Henrique.
— Rosa, doutor Cícero, para não encompridar o diálogo, é equino, muar, caprino ou ovino?
— Não, Pedro Henrique!
— E por que o senhor acha que eu me submeteria a trabalho degradante, podando rosas?
— É que eu pensei que conduzir o rebanho…
— Pensou errado! O senhor sabe o que dispõe o Ministério do Trabalho e a OIT sobre contratar um trabalhador para uma atividade regulamentada e, depois, querer que desempenhe tarefa diversa?
— É que, no momento, como não estamos conduzindo animais animais…
— Então eu vou realizar tratos culturais em forrageiras, pastos e outras plantações para ração animal, falou?
— Desculpe-me, Pedro Henrique.
— A profissão de jardineiro ainda não está regulamentada. Por que o senhor não vê se aquele médico amigo seu pode quebrar o galho?
— Boa ideia, Pedro Henrique!
— Qualquer um hoje é médico no Brasil, o senhor sabe…
— É verdade…
Retomo
O Brasil deve ser o único país do mundo a permitir que médicos comecem atuar sem comprovar a devida expertise técnica — sob perseguição da Advocacia-Geral da União (já falo a respeito) —, mas que estabelece regras bastante claras e rígidas para definir, afinal de contas, o que é um vaqueiro, a sua essência mesma. Trata-se, parece-me, de uma questão quase ontológica. É isto: o vaqueiro é a ontologia de gibão e chapéu de couro.
“Ah, você é contra, né, Reinaldo reacionário?” Contra o quê? Sou defensor ardoroso do registro em carteira do trabalhador rural, claro! Mas as regulamentações disso e daquilo, em nosso país, vão bem além do ridículo.
Há mais: no texto aprovado na Câmara e no Senado, acreditem, há uma exigência que não existe para nenhuma outra categoria profissional: o contratador é obrigado a pagar o seguro de vida do vaqueiro e a arcar com todos os custos de uma eventual internação em caso de acidente.
Os senadores tucanos Aloysio Nunes Ferreira (SP) e Cyro Miranda (GO) votaram a favor, mas se opuseram à obrigatoriedade do seguro de vida no contrato porque o trabalhador, rural ou urbano, já está protegido contra acidentes e doenças ocupacionais desde que devidamente registrado. De resto, o empregador que não cumpre as normas estabelecidas pelo Ministério do Trabalho já está sujeito a sanções. A restrição foi inútil. Ouviu-se um senador do PMDB proclamar: “O Senado pode aprovar tranquilamente essa besteira confiando no veto da Dilma”.
Entenderam?
Ah, sim. Lá no alto, temos o presidente do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL), com um chapéu de vaqueiro, empunhando uma garrafa de cachaça, patrimônio cultural da humanidade.
Em tempos em que se pode ser médico por Medida Provisória, convém inverter aquela máxima do populismo musical dos anos 1960: “Porque pessoas a gente pega, tange, ferra, engorda e mata. Mas com gado é diferente”.