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Reinaldo Azevedo

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Blog do jornalista Reinaldo Azevedo: política, governo, PT, imprensa e cultura

Pesquisa e arranca-rabo de classes

Um país só caminha para o desastre quando suas “elites” — palavra que se tornou maldita no reinado petista — renunciam ao pensamento. Estabelece-se, então, um novo zeitgeist, um novo “espírito do tempo”. Numa imagem de Musil, que acho admirável, os aristocratas se tornam, então, servis aos donos de cavalos. É o que me ocorre […]

Por Reinaldo Azevedo Atualizado em 31 jul 2020, 23h11 - Publicado em 21 set 2006, 17h47
Um país só caminha para o desastre quando suas “elites” — palavra que se tornou maldita no reinado petista — renunciam ao pensamento. Estabelece-se, então, um novo zeitgeist, um novo “espírito do tempo”. Numa imagem de Musil, que acho admirável, os aristocratas se tornam, então, servis aos donos de cavalos.

É o que me ocorre lendo um texto-análise da Folha On Line sobre a distribuição de votos na cidade de São Paulo. O título já dá pistas: “Disputa presidencial na capital de SP reflete contrastes da cidade, diz Datafolha”. E aí se constata o mais fácil: nas regiões mais pobres da cidade, vence Lula; nas mais ricas, vence Alckmin. Corolário óbvio: o petista é candidato dos pobres; o tucano, dos ricos. O que remete ao título, justificando-o.

Lê-se na análise: “ (…) o candidato do PSDB à Presidência, Geraldo Alckmin, tem 41% das intenções de voto na capital paulista, contra 39% do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, candidato do PT à reeleição. (…) As zonas periféricas Leste 2 (que reúne distritos como Itaquera, Guaianazes e Itaim Paulista, entre outros), Sul 2 (Jardim Ângela, Parelheiros e Cidade Dutra, entre outros) e Norte 2 (Brasilândia e Perus, por exemplo) são as regiões onde Lula encontra mais apoio. Na Leste 2, o petista tem 44% contra 37% de Alckmin. Na Sul 2, essas taxas correspondem a 43% e 35%, respectivamente, e na Norte 2, elas são 45% e 40%. (…) Alckmin, por sua vez, leva vantagem nas regiões mais ricas. Na Sul 1, por exemplo, que engloba bairros como Moema, Jardim Paulista e Itaim Bibi, o tucano chega a 48% contra 30% do atual presidente. Na Norte 1, que reúne, entre outros, os distritos de Santana e Casa Verde, Alckmin tem 50% contra 25% de Lula. Na Zona Oeste (Pinheiros, Perdizes e Morumbi), o ex-governador tem 44% e Lula 41%.”

Eu mesmo já abordei aqui, a partir de um estudo detalhado do economista Luiz Carlos Mendonça de Barros, o que aconteceu com o poder de compra dos salários mais baixos em razão da valorização do real e da inflação baixa, variáveis casadas com o baixo crescimento da economia. Houve ganho. E a síntese óbvia é a seguinte: o benefício de agora aos mais pobres rouba-lhes o futuro. Ok. Como traduzir isso em questão eleitoral? É difícil.

O que torna a análise manca não é, pois, a constatação de que os mais pobres tendem a votar em Lula porque seu poder de compra aumentou (isso nem está no texto). E sim ignorar um fator fundamental da equação: a informação costuma ser diretamente proporcional à renda e, por que não?, ao entendimento do mundo, o que inclui o noticiário. Os mais pobres são oprimidos também pela ignorância. Gilberto Dimenstein, por exemplo, pretende que o voto em Lula é tão informado quanto o voto em Alckmin, já que eles dividiriam as preferências entre universitários. Não. Esse é só um desvio que confirma a regra. Nesse caso, conta mais o fator ideológico, que não desapareceu da política, do que a formação intelectual.

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Vejam os números acima: Alckmin dá uma lavada em Santana e Casa Verde, bairros que classe média e classe média baixa: 50% contra 25%. Já em Pinheiros, Perdizes e Morumbi, muito mais “ricos” do que os outros dois, a vantagem do tucano é de apenas 3 pontos percentuais: 44% a 41%. Compreendo: a esquerdista (na média, claro) Vila Madalena, por exemplo, fica em Pinheiros: há mais petistas e antiamericanos ali do que, respectivamente, na pobre Diadema ou em Bagdá.

Os números, como se vê, não autorizam a leitura classista da distribuição de votos em São Paulo. A menos que se tente provar que há mais ricos na Casa Verde e em Santana do que em Moema, Jardim Paulista ou Itaim Bibi. Já as variáveis muito menos óbvias como informação — e não exatamente grau de instrução — e perfil ideológico parecem fazer a diferença. Mais: há um dado que nada tem de econômico ou sociológico: a periferia de São Paulo, na gestão Marta Suplicy, tornou-se um bunker petista. Na campanha à Prefeitura de 2004, um petista chegou a declarar: “a Capela do Socorro está sitiada”.

Textos como este levam os petistas, filopetistas e congêneres a indagar: “Ah, então quer dizer que voto de gente ignorante tem menos valor?” Não. Tanto não tem que, se Lula for eleito, vai tomar posse — a menos que seja impedido por alguma questão envolvendo a Justiça ou a polícia. Mas não há mal nenhum, ao contrário, em apontar o óbvio. Quem quer que tenha entendido o que o Jornal Nacional noticiou ontem só vota em Lula movido ou a má-fé ou a alinhamento ideológico. O diabo é que há um monte de gente que não entendeu nada. Pode-se até culpar as “elites” por isso também, os governos passados etc. A questão, então, seria saber o que este governo está fazendo em favor das luzes.

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Para arrematar, observe-se: ainda que Lula leva vantagem, sim, nas áreas mais pobres da cidade, mas em índices absolutamente distintos do que acontece no Nordeste, por exemplo, onde chega a 70% das intenções de voto. A pobre, num grande centro, por mais esmagado que esteja pela miséria, ainda é diferente do pobre dos rincões do Brasil. Está exposto a mais informação. E a um coro diverso de opiniões.

O PT conquistou a adesão “das massas” — que nada têm a ver com o sonho do antigo bolchevismo. Sua política agressivamente assistencialista e seu arremedo de luta de classes — “Nós”, os pobres, contra “eles”, os ricos — ganhou expressão eleitoral. Tenho advertido para este aspecto desde os tempos de Primeira Leitura, desde a campanha de 2002, desde sempre. As oposições, até agora, ignoraram solenemente essa realidade. Por isso a campanha de Alckmin começou tão fria, tão técnica, tão “racional”.

Para encerrar: que o PT e Lula finjam acreditar em seu arranca-rabo de classes, vá lá. Que a imprensa caia na conversa, bem, aí já é de lascar.

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