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Reinaldo Azevedo

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Blog do jornalista Reinaldo Azevedo: política, governo, PT, imprensa e cultura

Passe Livre, um jovem dos Jardins, sobrenome, uma falange dilacerada e Monteiro Lobato

Professora de Direito diz que vai processar o Estado porque filho foi ferido em ato promovido pelos truculentos do Movimento Passe Livre. Lamento o ferimento e mostro por que o conjunto da obra é o retrato do pior Brasil

Por Reinaldo Azevedo Atualizado em 30 jul 2020, 23h43 - Publicado em 14 jan 2016, 15h50

Tenho aqui tratado amiúde dos métodos a que recorre o MPL (Movimento Passe Livre), da origem social de seus dirigentes e militantes, da intimidade que eles têm com os pobres e com a pobreza, da sanidade econômica de sua pauta, da tolerância/intolerância com que se põem no debate público, essa coisa toda.

Peço licença para reproduzir a íntegra de uma reportagem de Luana Dalmolin, publicada na Folha. Volto em seguida.
*
O estudante Gustavo Mascarenhas Camargos Silva, 19, que teve parte do polegar da mão direita dilacerado por um estilhaço de bomba atirada pela Polícia Militar na terça-feira (12) durante manifestação contra o aumento da tarifa do transporte público na cidade de São Paulo, irá processar o Estado por danos morais.

Ele está internado no Hospital Albert Einstein desde a noite de terça e lá ficará até esta sexta (15). Os médicos terão que fazer um enxerto ósseo no dedo, já que o estilhaço que o atingiu “moeu” o osso original, conforme explicaram os médicos a ele e a seus familiares. O período de recuperação será de, no mínimo, 60 dias, e ainda não é possível dizer se Gustavo irá recuperar integralmente ou não as capacidades motoras de seu polegar.

O jovem é filho da jurista Ana Amélia Mascarenhas Camargos, professora de Direito da PUC e ex-presidente da Associação dos Advogados Trabalhistas de São Paulo. “Ele começaria seu curso na faculdade de arquitetura no início do mês que vem. Ele é destro, agora está com parte do polegar direito dilacerada. Tudo porque foi atingido por um artefato explosivo jogado no meio de uma multidão, sem ter feito nada”, afirma a jurista. Ana Amélia disse que a ação judicial será ajuizada nos próximos dias.

Gustavo contou como ocorreu o incidente. “Eu estava no meio de muitas pessoas, longe do local em que os policiais conversavam com manifestantes. Não tive chance de ver o que aconteceu. De repente, começou aquela correria. Eu ouvi um estrondo, um barulhão, ficou um zunido na minha cabeça. Fiquei tonto. Quando vi, meu dedo estava sangrando muito, e latejando”

“Saí andando meio atordoado, tinha muita gente correndo e gritando, e muito gás lacrimogêneo. Eu e outros manifestantes nos protegemos embaixo da marquise de um prédio. Como o gás estava muito forte, o porteiro deixou a gente entrar. Lá dentro, uma moça amarrou um pano no meu dedo, que nessa hora já doía muito e continuava sangrando”, relata Gustavo, que também é sobrinho da historiadora e escritora Marcia Mascarenhas de Rezende Camargos, autora de mais de 30 livros e vencedora do Prêmio Jabuti pelo livro “Monteiro Lobato: furacão na Botocúndia”.

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Segundo a mãe de Gustavo, após os ânimos esfriarem na região da Paulista, região central da cidade, ele foi andando até sua casa, nos Jardins, e de lá levado ao hospital, onde passou por cirurgia na madrugada desta quarta (13).

De acordo com o secretário da Segurança Pública de São Paulo, Alexandre de Moraes, em entrevista logo após o protesto, disse que não houve abuso da PM.

Retomo
Os parentes estrelados de Gustavo não precisarão caçar entrelinhas no meu texto para tentar me processar. Será inútil. Até porque lamento o que aconteceu com o garoto, que tem a idade de uma das minhas filhas. Eu também estaria muito bravo e triste se tivesse acontecido com uma delas, mas uma coisa posso garantir: tão logo passasse a dor, eu lhe daria um puxão de orelha em vez de usar a minha condição social e intelectual para ameaçar o estado.

O texto padece de um problema: ouve a versão do rapaz, na qual um filho de advogada é naturalmente inocente, sobre o caso em particular. O contraponto é a fala do secretário de Segurança, que nega, em regra, os excessos. Obviamente, uma versão não pode ser contraposta à outra se não houver a intenção prévia de desmoralizar o secretário.

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Nota antes que continue: o livro “Monteiro Lobato: Furacão na Botocúndia”, de autoria de Marcia Mascarenhas de Rezende Camargos, tia de Gustavo, é excelente. Eu o resenhei para a já extinta e gloriosa revista BRAVO!. Quando Gustavo se recuperar, sua tia poderia lhe dar algumas aulas sobre como o preconceito das esquerdas, sua hegemonia cultural construída sobre mentiras, sua capacidade de distorcer a realidade, sua incapacidade de entender os argumentos do outro, sua intolerância, enfim, podem manchar a reputação de pessoas decentes, de pessoas honestas, de pessoas verdadeiramente geniais, como era Lobato — que continua a ser perseguido pelos cretinos de Botocúndia. Adiante.

É evidente que Gustavo tem o direito de ter uma opinião sobre transportes coletivos, ainda que errada e assentada na antieconomicidade. Mesmo morando nos Jardins e não padecendo dos rigores da sorte, ele pode pertencer a ou se deixar conduzir por um movimento que quebra, incendeia e depreda aparelhos públicos que têm, obviamente, mais importância para os pobres do que para ele. Quando for um arquiteto de sucesso, espero que lamente a tática de destruição do patrimônio público e privado à qual, voluntária ou involuntariamente, se associou.

Lamento o ferimento no seu dedo. Espero que tenha plena recuperação. Gustavo está no melhor hospital privado do país, o que é outra dádiva do destino. É lá que também sou atendido. Na região da Paulista, Gustavo, há 15 instituições hospitalares, boa parte destinada a pessoas pobres, onde você jamais será atendido. Que bom pra você!

Quando a região é fechada em manifestações de rota não definida, o que contraria a lei, gente com o dedo dilacerado pelo trabalho ou por uma fatalidade encontra enorme dificuldade para obter socorro.

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Nada de ironia
Não estou sendo irônico, não, viu, Gustavo? Sou pai. Já tenho 54 anos. Trato os jovens com respeito, desde que eles se mostrem dispostos a aprender alguma coisa.

Louvo o carinho de sua mãe, e não esperava dela nada diferente disso. Mas, em casos assim, é preciso tomar muito cuidado com o “Sabe com quem está falando?”. Quando nos dispomos a participar de um ato cujos líderes abrigam a truculência, a violência e o banditismo explícitos, é evidente que podemos estar nos beneficiando do anonimato para cometer crimes. Nesse movimento em particular, isso é, então, um clássico.

Não pega bem, não é decoroso, que, acontecido um acidente, o anonimato logo ceda lugar à fidalguia, e um baita sobrenome apareça como adendo de uma falange dilacerada. Aí fica ruim porque se usa o anonimato em favor da transgressão da lei e o sobrenome em favor da reparação.

Investigue-se
É claro que se deve investigar o que aconteceu. A história faz sentido técnico? Foi mesmo numa circunstância como essa? Um sujeito de 19 anos que resolve se meter num movimento que busca — e anuncia essa busca — o confronto com a polícia está se expondo ao risco? O estado estava ou não cumprindo a sua função? E que se note: a função do estado não é dilacerar dedos, mas proteger os cidadãos. Os cidadãos que não estão cometendo crimes, como deve saber a mãe do rapaz.

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Tomara que esse moço se recupere logo. No tempo de convalescença, que leia “Monteiro Lobato: Furacão na Botocúndia”.

Gustavo terá a chance de aprender como é longa a história da intolerância no Brasil. Uma intolerância de vilões e heróis sempre óbvios.

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