Os frutos do trabalho sistemático de destruição da inteligência. Ou: é claro que é inútil argumentar com eles
Vou lhes contar uma coisa aparentemente bobinha, cujo alcance, à primeira vista, parece dizer respeito só à minha vida privada. Mas eu lhes asseguro que se trata da crônica de um tempo e que nos fala um tanto de certo estado de coisas. Recebo muitos pedidos de entrevista para os tais Trabalho de Conclusão de […]
Vou lhes contar uma coisa aparentemente bobinha, cujo alcance, à primeira vista, parece dizer respeito só à minha vida privada. Mas eu lhes asseguro que se trata da crônica de um tempo e que nos fala um tanto de certo estado de coisas. Recebo muitos pedidos de entrevista para os tais Trabalho de Conclusão de Curso de universitários — em especial de estudantes de jornalismo.
Ainda nesta semana respondi a uma longa entrevista, bem-conduzida, sobre Lula, O Filho do Brasil. “Como eu vejo o filme no contexto político brasileiro?” “Acredito que a arte possa ter uma função política?” “A arte é eficiente como arma política?” “A política empobrece a arte ou lhe confere especial vigor?” Respondi com gosto porque aqueles que me faziam as questões estavam realmente interessados em saber o que eu pensava. Não sei qual será o resultado do trabalho, e é provável que não saiba. Mas a entrevista, vejam vocês!, queria saber o que pensava o entrevistado!!! Está entre as exceções. No mais das vezes, os estudantes querem saber O QUE EU PENSO DO QUE ELES PENSAM, entenderam? A rigor, querem saber o que eu penso do que eles pensam que pensam. Explico-me.
Não chegam questões, mas teses — e a formulação evidencia o ambiente em que são, se me permitem o neologismo, “DESPENSADAS”. Sim, trata-se de “despensamento”, uma vez que nada mais fazem do que vocalizar os lugares comuns já nem digo da militância de esquerda (que isso é coisa do meu tempo), mas da “burritsia” esquerdista, que vem a ser o avesso da “intelligentsia”. Até na gramática a má consciência — que é a má fé que não tem nem mesmo consciência de si mesma — se manifesta. As “teses” dos entrevistadores vêm embarcadas nas perguntas:
– “O senhor não acha que o senhor foi muito injusto com o Programa Nacional dos Direitos Humanos?”;
– “O senhor não acha que a sua crítica ao programa foi parcial?”;
– “O senhor não acha que a imprensa (atenção para esta!) é mais severa (!!!) com o governo Lula do que foi com o governo FHC?”;
– “O senhor não acha que a mídia (sic) é muito preconceituosa?”
E as asnices vão se sucedendo. Contaminados pela praga do “outro-ladismo”, alguns ainda se adiantam: “A gente também vai ouvir Fulano de Tal, que tem uma visão oposta à sua” — e lá me vem o nome de um desses blogueiros do nariz marrom. Desnecessário dizer que esses monstrinhos — com índices evidentes de alergia aos livros — querem “ouvir” o Reinaldo Azevedo como, digamos, o lado negro da força. Eles querem certamente o bem da humanidade, o belo, o justo, o generoso… E eu, evidentemente, o contrário…
E com quem está, então, o “bem”? Ora, com o Programa Nacional de Direitos Humanos ou com a Confecom — há uns dez pedidos de entrevista sobre a Conferência de Comunicação de Franklin Martins, o ministro da Supressão da Verdade. Vale dizer: estudantes, muitos de jornalismo, querem saber por que diabos, afinal, esculhambei aqui propostas que, se efetivadas, extinguirão a livre expressão do pensamento, a liberdade de imprensa e, no limite, a ordem democrática, uma vez que até mesmo a Justiça deveria se vergar à pressão de grupos organizados. Por que será que eu sou contra??? Sou mesmo um homem esquisito!
É a marcha da boçalidade. Vocês certamente já repararam que é um impossível — e, de fato, inútil — argumentar com esquerdistas. Imaginem, então, quando se trata de estudantes, coitados!, que nem sabem direito o nome do que praticam. E por que toda argumentação é vã? Porque não se consegue debater uma miserável política pública — ou um evento histórico qualquer — sem que eles evoquem o seu natural alinhamento com os pobres, com os que sofrem, com os sem-isso-e-sem-aquilo, com os excluídos… Se você discorda do que dizem, então está alinhado com as injustiças históricas do Brasil. E do mund0. Não por acaso, na sexta, o Babalorixá de Banânia, Lula, num comício em Recife, afirmou que Marco Maciel (DEM) é senador desde o Império e não “fez nada por Pernambuco”. Fez, sim, um monte de coisa! Mas Lula é aquele que fala em nome do combate às injustiças. Em Pernambuco, opõe-se a Maciel; no Maranhão, juntou-se a Sarney.
Os militantes, evidentemente, são movidos pela mais escandalosa má fé. Os jovens estudantes apenas embarcam na onda. Se e quando vierem a ser bem-sucedidos na vida profissional, passando a responder pelo próprio sustento, podem até sair dessa lama moral. Se derem com os burros n’água, já saberão a quem culpar: “os outros”, aqueles que são favoráveis às injustiças do mundo.
A universidade brasileira, nas chamadas áreas de “Humanas” e “Comunicação” — e é claro que há exceções — transformou-se numa verdadeira máquina de destruição da inteligência e da racionalidade. E não porque essa meninada, como fica evidente, discorda de mim. Mas porque é visível que lhes faltam os instrumentos com que analisar o mundo: faltam, antes de tudo, livros. A escola não lhes oferece nem mesmo bibliografia para as suas certezas — imaginem, então, a bibliografia que deveria abalar essas certezas. Quando menos, cumpriria explicar ao candidato a repórter que um entrevistado não é um comentador das teses do entrevistador…
Por quanto tempo ainda vamos viver nessa areia? Não sei. O que constato é que o trabalho sistemático de destruição da inteligência rende frutos evidentes.