Os fiéis da Canção Nova, o PT de Edinho Silva e o PMDB de Chalita. Ou: Não se deve usar o Reino de Deus para conquistar poder no reino dos homens. Ou: Rebanho de Deus não é rebanho de partidos
Escrevi ontem um post sobre o programa que o deputado estadual Edinho Silva, presidente do PT de São Paulo, ganhou na TV da Canção Nova. O texto está aqui. No programa de estréia, lá estava o deputado federal Gabriel Chalita (PMDB-SP), pré-candidato à Prefeitura de São Paulo. Luiz Inácio da Silva trabalha para que ele […]
Escrevi ontem um post sobre o programa que o deputado estadual Edinho Silva, presidente do PT de São Paulo, ganhou na TV da Canção Nova. O texto está aqui. No programa de estréia, lá estava o deputado federal Gabriel Chalita (PMDB-SP), pré-candidato à Prefeitura de São Paulo. Luiz Inácio da Silva trabalha para que ele seja vice de Fernando Haddad. Caso isso não aconteça, é certo que estarão juntos num eventual segundo turno se um deles passar para essa etapa. Assim, a TV Canção Nova leva ao ar o que é, antes de mais nada, uma aliança de caráter político. Em suma, TRATA-SE DA POLITIZAÇÃO DE UMA CORRENTE QUE SE IDENTIFICA COM A IGREJA CATÓLICA. O pretexto para Edinho Silva estar lá seria a sua expertise na chamada “doutrina social da Igreja”. Entendo. A Canção Nova procurou, procurou e não encontrou ninguém melhor do que o presidente estadual do PT, é isso?
Tenho uma relação transparente com os meus leitores. E essa transparência me obriga a dizer que não me alinho com as correntes carismáticas da Igreja Católica, sempre reconhecendo que há genuínas vocações cristãs e católicas entre os que fazem essa escolha, sejam sacerdotes, sejam fiéis. Acho, inclusive, que a Igreja “tradicional” — recorro a essa palavra à falta de uma mais precisa para o caso — teria algumas coisas a aprender com correntes que me parecem viver a fé com mais entusiasmo e vivacidade. A Canção Nova sempre me pareceu uma força importante de renovação da fé. Mas tenho a impressão de que algo um tanto estranho pode estar se passando por lá.
O petista Edinho Silva, que acaba de ganhar um programa na emissora da comunidade, foi o mesmo que comandou os esforços para censurar — infelizmente, foi bem-sucedido — um manifesto de católicos contra políticos que apóiam o aborto. Não havia no texto qualquer referência a partido nem se citavam nomes. Uma lideranç da Igreja Católica, Dom Luiz Gonzaga Bergonzini, bispo de Guarulhos, foi impiedosamente demonizado por petistas . No comando, Edinho Silva!
Caso do padre José Augusto
Ficou conhecido o caso do padre José Augusto, que pertence à Canção Nova. Em uma homilia, censurou o PT por sua posição simpática ao aborto. Ele foi repreendido pelo comando da Canção Nova, que fez questão de desautorizá-lo. O pretexto para fazê-lo foi a neutralidade da comunidade, que não deveria se envolver em questões político-partidárias. Não obstante, Gabriel Chalita, claramente identificado com essa corrente, andava pra cima e pra baixo com Dilma, tentando corrigir o que ela própria, por livre e espontânea vontade, havia dito sobre o aborto. Pois bem: se o padre José Augusto foi censurado, não me parece, como posso dizer?, decoroso ver o próprio presidente da Canção Nova, Wellington Silva Jardim, conhecido como “Eto”, dividindo a mesa, como dividiu, com Edinho Silva em seu programa de estréia. Quer dizer que, quando um padre censura o PT, isso é politização indevida, mas quando se entrega um horário da emissora para o presidente do partido, só estão fazendo “coisas de Deus”???
Não, senhores! Algo não vai bem no comando da Canção Nova no que diz respeito à doutrina. Parece que os dirigentes da comunidade estão perigosamente perto do poder terreno e um tanto mais distantes do poder de Deus — E ISSO NADA TEM A VER COM OS FIÉIS, JÁ QUE A VERDADEIRA IGREJA É O REBANHO. Homens podem se desvirtuar, todos sabemos disso. Chalita também estava na estréia de Edinho. Parece-me que está em curso uma tentativa de instrumentalizar a fé em favor de uma escolha político-eleitoral.
Dada aquela relação transparente de que falei, não é segredo para ninguém que não sou fã de Chalita. Sua superficialidade é constrangedora. Seus textos são bisonhos. Tem-se mostrado ainda muito hábil (!) em contar uma verdade diferente a cada público. Em entrevista à Folha, por exemplo, disse ter deixado o PSDB porque estaria sendo perseguido por José Serra. Ao Estadão, já afirmou outra coisa: é que teria se encantado com Dilma. À Folha, em 2004, contou ter comprado um apartamento avaliado então em R$ 4,5 milhões com parte de uma herança da família; numa palestra no começo deste ano, fabulou a sua infância pobre, filho de pai analfabeto e feirante. Em 2000, tinha um patrimônio de R$ 741 mil; em 2011, chega a R$ 15 milhões (ler reportagem aqui), um crescimento de 1.925% — 115% só nos últimos três anos. Como conseguiu? Com seu salário de professor e com a venda de seus livros!!! Tentar saber, no entanto, o que essa venda significa em números é tarefa impossível — segredo de estado.
O leitor tem de saber, e sabe, que tenho, sim, meus pontos de vista. O caso de agora, no entanto, não tem nada a ver com eles. Escolher o presidente de uma seção — a paulista — do maior partido do país para falar sobre a “doutrina social da Igreja” tem pouco de religião e muito de política.
A comunidade da Canção Nova não merece ter a sua fé manipulada desse modo. Até porque PT e Chalita são só manifestações deste mundo, que um dia passam. Mas a Igreja fica. Que reflitam bastante sobre o que está em curso e tomem cuidado com os discursos de manipulação, que recorrem à palavra de Deus para conquistar posições do reino dos homens.
Reflitam! Aborto, disputa eleitoral, alianças partidárias… Cuida-se aqui de religião ou de política? Os fiéis da Canção Nova são parte do rebanho de Deus, não vacas de presépio de falsos profetas. O mal que está perto de nós sempre é mais insinuante. Ou nós já o teríamos afastado para longe.
PS – Nos comentários, não aceitarei ataques aos fiéis da Canção Nova, cujos propósitos são os mais louváveis e não podem responder por eventuais desvios de dirigentes.