Os católicos, o sexo, a camisinha, a lógica
Na Folha On Line. Volto em seguida: O bispo d. Odilo Scherer disse em sabatina da Folha que a fidelidade dos casais e a não-promiscuidade são as melhores formas de combater a difusão da Aids pelo mundo. A afirmação é uma resposta à pergunta do jornalista da Folha João Batista Natali sobre o uso de […]
O bispo d. Odilo Scherer disse em sabatina da Folha que a fidelidade dos casais e a não-promiscuidade são as melhores formas de combater a difusão da Aids pelo mundo. A afirmação é uma resposta à pergunta do jornalista da Folha João Batista Natali sobre o uso de preservativo para combater a Aids, principalmente em países mais pobres, como a África.
“A igreja não está interessada na difusão da Aids. Pelo contrário”, afirmou d. Odilo.
Ele acrescentou que existem muitas pesquisas científicas e medicamentos voltados para o combate da doença.
Mas destacou que a formação, educação das pessoas para um comportamento ético e moral também são importantes no combate da doença.
“Na África, a presença da Igreja Católica é muito pequena. Se ali não se usa preservativos não é por causa da Igreja. Falta instrução, educação adequada.”
D. Odilo, secretário-geral da CNBB (Conferência Nacional dos Bispos do Brasil), tomará posse como arcebispo da cidade no domingo. Ele sucederá a d. Cláudio Hummes, que ocupou o posto de 1998 a 2006, quando foi nomeado pelo papa prefeito da Congregação para o Clero, no Vaticano.
Voltei
Dom Odilo está sendo sabatinado pela Folha. Esta é apenas uma das questões. A pergunta que lhe foi feita, claro, é obrigatória. E, pela enésima vez, a resposta já chegará distorcida aos ouvidos de quem ouve, aos olhos de quem vê. Distorcida pelo preconceito e pelo desprestígio da moral na chamada “vida moderna”.
Os inimigos da Igreja Católica são muitos — do ateísmo militante ao hedonismo babão (hedonistas velhos nunca pensam em suas respectivas senhoras para as práticas báquicas; sempre na neta do amigo…), assume as mais variadas feições. Quando o assunto é comportamento sexual, primeiro reduzem o indivíduo à sua dimensão animal — o que ele também é — para, em seguida, ver no sexo um ato da natureza, uma ditadura dos instintos, mas jamais uma escolha. Eu sei que isto choca muita gente, mas até os africanos sabem escolher…
Atribuir à Igreja Católica responsabilidade na eventual ineficiência das políticas públicas anti-AIDS porque ela “combate” o uso da camisinha é uma sandice, uma estupidez lógica. Sei que muita gente não gosta da lógica e até a combate em público, como fez recentemente o ministro Franklin Martins (Comunicação Social), no programa Roda Viva. Quem rejeita a lógica está, muito logicamente, abraçando o ilogismo. “Ah, Reinaldo, pense na lógica dialética”. Eu, não! Dialética é o último recurso do canalha quando lhe faltam argumentos.
Eu, com efeito, não consigo pensar em comportamento mais seguro contra as doenças sexualmente transmissíveis do que o não-promíscuo. Casais não-contaminados que pratiquem sexo seguro — sejam hetero ou homossexuais — não correm risco de contrair a doença. Garanto a vocês. Ora, na hipótese de você, africano ou finlandês, decidir fazer sexo de risco, tenha, então, a bondade de usar camisinha. Mas esse não é um problema da Igreja Católica. Ela tem a sua moral, os seus princípios, as suas crenças. Ou agora estimularemos os hindus a consumir a proteína da carne de vaca e os islâmicos a experimentar a bistequinha de porco como remédios contra a desnutrição?
Vejam que curioso: as interdições todas das outras religiões são defendidas pelos leigos, pelos racionalistas, pelos multiculturalistas como “direito à diferença”. Só a Igreja Católica não pode ter os seus próprios princípios, válidos para os católicos — ou seja, para 17,3% da população mundial. Não pode por quê? Quem segue o que a Igreja Católica recomenda está livre da AIDS sexualmente transmissível. O que é inaceitável é deixar de usar a camisinha “porque a Igreja proíbe” e fazer sexo de risco: ora, a Igreja disse que também não pode.
Mas isso que digo aqui é lógico, entendem? E, por lógico, corre o risco de ser lido como a pregação de um católico carola. Reparem que, em nenhum momento, minha argumentação é religiosa. Em nenhum momento, trato a prática sexual fora do casamento como “pecado”. Se o fizesse, estaria, é certo, no exercício de um direito. Se penso isso ou não, vocês não saberão. O que vocês sabem é que considero a) que a Igreja tem o direito de dar a seus fiéis a orientação moral (e o sexo é uma escolha moral) que achar mais adequada; b) que a prática sexual diz respeito a escolhas individuais: no limite, o indivíduo tem até o direito de correr o risco de se contaminar — eu lhe recomendo que não, mas não é problema meu.
Dia desses vi um jornalista de ultra-esquerda dando um depoimento sobre sua experiência de correspondente de guerra. Falava, acho, do Afeganistão e de com se tratam as mulheres por lá. Aí ele afirmou qualquer coisa como: “A gente tende a olhar aquilo tudo com preconceito, achando que elas são oprimidas. Mas aí uma mulher lembrou que elas já usavam véu muito antes de o Brasil ser descoberto”. Entenderam? Em se tratando de Afeganistão, não se pode nem mesmo indagar a religião sobre certos direitos que, no Ocidente, garantimos até aos animais. Porque seria desrespeitoso com uma cultura. Garanto que é um dos que acham absurdo a Igreja Católica ter seus princípios morais; garanto que é um que acreditam firmemente que ela é culpada pela expansão da AIDS “porque é contra a camisinha”. A Igreja Católica parece a casa-da-mãe-Joana: todo mundo resolve dar pitaco, palpite.
E reparem: os ateus e agnósticos são bem mais palpiteiros que os católicos. Parecem saber o que é melhor para a Igreja mais do que ela mesma. Se pudessem, diriam ao papa como fazer uma instituição para durar mais de dois mil anos…