Orgulho-me do que escrevi em maio de 2015: ódio a Cunha era ódio à democracia
Às vezes, até eu acho que sou realmente bom nessa coisa...
Há basicamente dois tipos de esquerdista — já falo de um terceiro, muito raro. O primeiro vive daquilo que seus pais acumularam. Até que não seja ele próprio a ter de gerenciar a fortuna ou os bens, sai por aí fazendo de conta que aparência de desleixo é profundidade. E busca desesperadamente um lugarzinho para encaixar o seu Édipo ou sua Electra. O segundo é o incompetente mesmo. A estupidez reinante nos círculos culturais da esquerda o conforta. E os espécimes raros são aqueles que conseguem dizer coisas inteligentes, mesmo estando do lado errado da força, porque já não têm tempo de fazer amigos novos. Então ficam com os antigos mesmo, tentando lhes emprestar um pouco de moderação e ensinar as artes do pensamento. Celso Rocha de Barros é um bom exemplo dessa terceira estirpe. Nem é o caso de dar exemplos dos outros dois casos.
Pois bem. Os trouxas recuperaram um texto que escrevi sobre Cunha, na Folha, no dia 29 de maio de 2015, pretendendo esfregar na minha cara as minhas contradições. Ele circula por aí, na rede petralha. Ocorre que eu me orgulho de cada linha. Tanto é assim que, quando publiquei “Objeções de um Rottweiler Amoroso”, eu o incluí. Na verdade, considero um dos meus melhores e mais lúcidos. Segue abaixo, em azul. Volto em seguida.
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Ódio a Cunha é ódio à democracia
Gosto da pauta –com exceções– e do estilo do deputado Eduardo Cunha (PMDB-RJ), presidente da Câmara. Há muito tempo não havia uma pessoa tão determinada e operosa sentada naquela cadeira, disposta a fazer uso das prerrogativas que lhe facultam a Constituição e as leis. E isso significa levar ao limite a independência do Poder Legislativo –ao menos no âmbito da Casa sob o seu comando.
Como sou um fanático da democracia representativa e um discípulo de Montesquieu, eu o aplaudo. E entendo que esquerdistas possam atacá-lo, não é? Sonham ver em seu lugar um militante socialista. Vamos fazer um acordo, camaradas? Primeiro vocês vençam a revolução e, depois, implementem o socialismo. Que tal? Enquanto não fizerem a primeira no berro, não tentem ter o segundo no… berro.
Sim, eu sei que Cunha é um dos investigados da Operação Lava Jato. Caso venha a ser colhido por algo que eventualmente tenha feito (ou que não tenha) –e torço para que seja inocente –, será uma pena. Em quatro meses, fez mais à frente da Câmara do que seus antecessores em 12 anos. Desde 2003, o PT chama a reforma política de a mãe de todas as reformas. Mas sempre a ignorou. Quando o partido resolveu cuidar do assunto, mandou o país às favas e pensou apenas num projeto continuísta. Deu-se mal, felizmente!
Na terça passada, a Câmara fez uma besteira e não deu os 308 votos necessários ao texto que constitucionalizava a contribuição de empresas a partidos e candidatos. Corrigiu, em grande parte, a tolice na quarta, permitindo tal modalidade de financiamento a partidos apenas, por 330 votos a 141. A imprensa, inclusive esta Folha, chamou essa votação de “manobra de Cunha”. Se me demonstrarem que não foi regimental, também chamarei. Como foi, manobra não é.
Se alguém quer uma medida da bobagem feita na terça, basta atentar para o placar de outra votação, na quarta: 163 a favor do financiamento público de campanha e 240 contra. Huuummm… Levados a sério os dois resultados, não haveria nem dinheiro público nem dinheiro privado nas eleições. A grana viria de onde? Cairia do céu, como maná?
Felizmente, o PMDB e Cunha foram derrotados, sim, no embate sobre o distritão, que é pior, entendo, do que o sistema proporcional. Mas não me parece ter sido uma derrota pessoal. A Câmara deixou claro que não quer mudança nesse particular –afinal, as alternativas foram igualmente recusadas.
A Casa também se manifestou, por esmagadora maioria –452 a 19– em favor do fim da reeleição, à qual sempre me opus. Em 1997, os petistas chamaram a aprovação de tal emenda de “golpe”. Era por oportunismo, não por princípio. Quando o instrumento passou a lhes ser útil, nunca mais falaram em extingui-lo. O expediente só nos trouxe malefícios. Seria muito bom ver o Parlamento brasileiro aprovar o mandato único de cinco anos para o Executivo –único mesmo, sem reeleição em qualquer tempo. Oxigenaria a política e ajudaria a pôr fim a zumbis como Lula.
Corrijo-me. Cunha avançou mais em uma semana do que seus antecessores em 12 anos. É o presidente legítimo da Câmara e exerce as suas prerrogativas dentro dos limites da institucionalidade. Se errou, que pague pelo que fez. Este texto trata do político que está acertando. Odiá-lo corresponde a odiar os fundamentos da própria democracia representativa. Enquanto as esquerdas não pegarem no berro, terão de se contentar com o berro. E com o voto.
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Voltei
Na mosca! No texto, há tudo o que um analista sensato pode escrever.
1 – Observem que o texto não trata das acusações contra a Cunha, que ainda não tinham vindo a público. Ele era um dos investigados. Afirmei o óbvio: que pagasse por seus erros. E até torcia para que não fosse verdade o que se dizia. Era!;
2 – deixei claro que o ódio que as esquerdas lhe devotavam nada tinha a ver com a Lava Jato, ou elas teriam ódio também dos seus próprios representantes;
3 – observei que Cunha havia virado o seu inimigo preferencial em razão da sua agenda, que achavam “reacionária”;
4 – destaquei que ele era o presidente da Câmara mais eficiente em muitos anos;
5 – chamei atenção para a questão do financiamento de campanha.
Eu estava tão certo, mas tão certo!, que, nesta segunda, as Jandiras Feghalis e Aliéis Machados na vida não atacaram Cunha por causa das falcatruas de que participou, mas em razão da agenda que abraçou e, claro!, do impeachment de Dilma Rousseff.
Às vezes, até eu acho que sou bom mesmo nessa coisa de escrever…