O regionalismo bocó e uma causa para os realmente corajosos
Olhem aqui: não serei eu a defender bobagens ditas por esse ou por aquele. E, como todos sabem, defendo as leis. Mas sei reconhecer muito bem quando, em nome de uma ideologia ou de uma causa política, tenta-se magnificar uma tolice, um ato irresponsável, para tentar tirar dele proveito que nada tem a ver com […]
Olhem aqui: não serei eu a defender bobagens ditas por esse ou por aquele. E, como todos sabem, defendo as leis. Mas sei reconhecer muito bem quando, em nome de uma ideologia ou de uma causa política, tenta-se magnificar uma tolice, um ato irresponsável, para tentar tirar dele proveito que nada tem a ver com aqueles que teriam sido supostamente agravados.
Se forem varrer as chamadas redes sociais em busca de inconveniências, cretinismos, preconceitos, tolices, viraremos uma sociedade de policiais. A Justiça brasileira vai ser entupida de causas dessa natureza. E reitero: não desculpo ninguém por nada. Poucas coisas me constrangem tanto quanto manifestações que lembrem racismo, xenofobia ou o que seja. Neste blog, escrevi certa feita: “Se Samuel Johnson afirmava que o nacionalismo é o último refúgio dos canalhas, o regionalismo é o último refúgio dos canalhas caipiras”.
Não tenho saco pra isso, não! Já lancei meus livros em várias cidades do Brasil. Costumo bater um papo com leitores — casa sempre cheia, felizmente, hehe… Sempre que um ou outro dizem coisas como: “Nós aqui em São Paulo, Minas, Rio Grande do Sul etc…”, interrompo. Não reconheço essas identidades. Costumo dizer que não bato papo com “categorias”, mas com “pessoas”. Procurem nos arquivos: digo que não sou de São Paulo, mas de Dois Córregos; mais especificamente, da Fazenda Santa Cândida; mais especificamente ainda, do Tijuco Preto, onde, de fato, nasci, no meio da estrada (mas os detalhes ficam pra autobiografia, hehe).
Não tentem extrair uma metafísica do “ser paulista”, do “ser mineiro”, do “ser baiano”, do “ser qualquer coisa” que começo a ficar enjoado. No máximo, herdamos traços de comportamentos familiares; esses, sim! Ficam estampados em nós para sempre. Se forem bons, ótimo! Se forem ruins, teremos de lutar contra eles a vida inteira. E, se Tio Rei pode dar um conselho, lá vai: jamais sintam orgulho de algum defeito herdado ou atribuam a ele alguma virtude. Tudo o que em nós é ruim só nos atrapalha. Não deriva o bem do mal, nunca! Mas me desviei um pouco.
Volto ao ponto
Querem comer o fígado daquela moça que andou dizendo bobagens sobre nordestinos. Louvo o rigor dos legalistas. Mas também pergunto onde estava tanta coragem quando o presidente da Repúbica, o sr. Luiz Inácio Lula da Silva, atribuiu a crise econômica mundial aos “louros de olhos azuis”. Ou isso não aconteceu? Trata-se ou não de uma fala racista?
No dia 27 de março de 2007, a BBC publicou uma entrevista com a então ministra da Integração Racial (!), Matilde Ribeiro. Leiam uma pergunta e uma resposta:
BBC Brasil – E no Brasil tem racismo também de negro contra branco, como nos Estados Unidos?
Matilde Ribeiro – Eu acho natural que tenha. Mas não é na mesma dimensão que nos Estados Unidos. Não é racismo quando um negro se insurge contra um branco. Racismo é quando uma maioria econômica, política ou numérica coíbe ou veta direitos de outros. A reação de um negro de não querer conviver com um branco, ou não gostar de um branco, eu acho uma reação natural, embora eu não esteja incitando isso. Não acho que seja uma coisa boa. Mas é natural que aconteça, porque quem foi açoitado a vida inteira não tem obrigação de gostar de quem o açoitou.
E então? À época, escrevi um texto intitulado: “A ministra Matilde Ribeiro tem de ser demitida e processada” Acabou deixando o cargo por causa daquelas folias com cartão corporativo. Não pelo absurdo que disse.
Que coragem é essa que se volta contra indivíduos — e, reitero, não estou dizendo que as pessoas não devam arcar por aquilo que dizem —, mas é leniente com falas escancaradamente racistas de pessoas públicas? Mais: para combater o dito “racismo” de uma paulista, aí, então, quem passa a ser alvo de achincalhe é a população de São Paulo. Ora, tenham paciência! Este é o estado onde fez carreira o pernambucano Luiz Inácio Lula da Silva, que dispensa apresentações. E a capital deste estado já elegeu como prefeita a paraibana Luíza Erundina — não vou perguntar se alguma capital do Nordeste elegeria um paulista porque não quero cair nesse joguinho fácil.
Vamos devagar aí! Há uma medida nas coisas. Exemplos de boçalidade existem aos montes. Ontem, exibi um contra paulistas. Cliquem aqui e encontrarão outro. Pesquisem na rede, e eles são milhões. Estão tentando fazer tempestade em copo d’água. De resto, se existe uma retórica que opõe brasileiros a brasileiros, os pobres às elites, “nós” a “eles”, “o povo” (eleitores que estão com ele) a “gado” (eleitores que não estão), essa retórica, como se sabe, vem lá do Planalto e foi disseminada nos palanques Brasil afora. Esse é o discurso de Lula, não da oposição. Tampouco encontra guarida em São Paulo, que é a cidade brasileira com o maior número de nordestinos do país.