O preconceito “prafrentex” de setores da imprensa paulistana. Ou: Hostilidade ao dicionário
Setores da imprensa paulistana, sempre tão zelosos em combater o preconceito, passaram a achar, no entanto, que tachar Serra de velho — afinal, ele tem 70 anos — é sinal de modernidade e até de inteligência. Muito bem. Leio no jornal o seguinte trecho da sabatina de ontem: Imagem de conservador A colunista Barbara Gancia […]
Setores da imprensa paulistana, sempre tão zelosos em combater o preconceito, passaram a achar, no entanto, que tachar Serra de velho — afinal, ele tem 70 anos — é sinal de modernidade e até de inteligência.
Muito bem. Leio no jornal o seguinte trecho da sabatina de ontem:
Imagem de conservador
A colunista Barbara Gancia disse que o candidato assumiu posições conservadoras na eleição presidencial de 2010, quando o aborto se tornou um dos temas da campanha. Serra rechaçou.”Estou longe disso”, disse.
“A Dilma [Rousseff] foi perguntada se era a favor do aborto e disse que sim. Depois, na campanha, disse que não. Foi cobrada. E quem a cobrou mais foi a mais ‘prafrentex’ da campanha, Marina [Silva]. Não há nada mais conservador e reacionário no Brasil do que o PT.”
Voltei
Os jornalistas há haviam se referido à sua idade e coisa e tal. Ele respondeu. Mas alguém houve por bem fazer um gracejo que ficasse sem resposta. Leiam o que escreveu o jornal. Volto depois.
Mais velho dos postulantes à Prefeitura de São Paulo, Serra, 70, usou uma gíria dos anos 1970 na sabatina Folha/UOL: “prafrentex”, sinônimo de “pessoa moderninha”.
Em 2010, ele já havia lançado mão de “numa nice”, dos anos 80. O tucano vem tentando se apresentar como um candidato “prafrentex”: adotou figurino menos formal em eventos e diz ter “ideias novas”, para rebater o slogan de renovação adotado pela campanha do adversário Fernando Haddad (PT), 49.
Voltei
Entendi. Serra “diz ter ideias novas” para (conjunção que indica finalidade, propósito) “rebater o slogan de renovação” de Haddad. Não fosse isso, talvez ele se contentasse com as velhas mesmo, não é?
Não há nada de errado nem de velho com o “prafrentex” no contexto em que foi empregado. A restrição é só ignorância e hostilidade ao dicionário. Nos três que tenho aqui — Houaiss (há link na home da Folha, diga-se), Aurélio e Sacconi, a palavra está devidamente registrada e quer dizer “pra-frente”, e não “pessoa moderninha”. Isso é invenção de quem redigiu a nota. A sinonímia não é uma questão de gosto. Até porque, como adjetivo de dois gêneros que é, não poderia trazer como sinônimo uma substantivo no feminino, qualificado por outro adjetivo — e ainda no diminutivo. Isso é gramática criativa. Mais: nos três dicionários, indica-se que se trata de uma expressão jocosa ou irônica. É o sentido da fala do candidato.
Mas não é só, não! “Prafrentex” também integra a mais recente edição do Vocabulário Ortográfico da Língua Portuguesa” (VOLP) — página 671. Assim, ainda que, na origem, tenha sido uma gíria, agora já foi incorporada. Eu sou mais antigo do que Serra. A maioria das palavras que emprego tem bem mais de 500 anos… Algumas vêm do galaico-português. Mas não! Não disputo com jornalistas campeonato de gírias modernas. De sintaxe, eu topo.
Se é preciso tomar cuidado com o preconceito, mais cuidado é preciso tomar com a ironia.
O redator de tal notinha iluminista deveria levar a sério a sua tese e redigir agora um pequeno tratado demonstrando como o Supremo Tribunal Federal, por exemplo, saiu ganhando com a saída de Cezar Peluso, que fez 70 anos, mas se cobre de glórias quando Dias Toffoli reflete sobre a diferença entre o “valerioduto” e o “mensalão”, a exemplo do que fez na quinta-feira. Já que idade é agora categoria de pensamento, prove-se o valor intrínseco da juventude no direito, na política, na ciência, nas artes e, por que não?, no jornalismo.
PS – Eu bato em muita gente. Mas nunca porque é homem, mulher, gay, branco, preto, velho, novo, culto, ignorante, moderno, conservador… E o “apedeuta”, Reinaldo Azevedo? Nunca critiquei Lula porque ele não estudou. Eu sempre o critiquei pelo orgulho que exibe de não ter estudado.
Acho que é preciso um pouco mais do que ódio ao dicionário para tentar desqualificar Serra. Sim, vou votar nele! Reacionários são o preconceito e a ignorância orgulhosa.