O MST, quem diria? invadiu o Estadão
O chamado “massacre de Eldorado dos Carajás” é a farsa perfeita da esquerda. Tão perfeita, que as pessoas vêem o vídeo e não acreditam no que vêem; antes que qualquer tiro seja disparado, fica evidente que os ditos sem-terra avançam para cima dos policiais com foices, paus e pedras. E são recebidos a bala, numa […]
A onda de invasões, depredações e afronta à lei promovida pelo MST “comemora” os 11 anos daquela tragédia. Estão doidinhos atrás de novas vítimas. Ana Júlia Carepa, governadora do Pará (PT), decidiu emitir precatórios para pagar indenização às famílias das vítimas. Seria justo se pagasse com o dinheiro do partido; fazendo como faz, pendura a conta do movimento que sempre foi instrumentalizado pelo PT nas costas do estado.
A imprensa brasileira se comporta como barata tonta diante do esbulho legal. Vejam que coisa: o Estadão deveria ser o nosso jornal, digamos, conservador. E também ele aderiu, nesse caso, num erro que acho até mercadológico, ao isentismo anódino. A edição desta quarta é a prova disso. O jornal noticia as ações do MST, que, volta e meia, merecem a correta e severa censura em editorial, mas decide ouvir “os dois lados”. Um dos textos dá voz a especialistas, advogados, que apontam as ilegalidades praticadas pelos sem-terra (clique aqui); outro justifica as suas ações. Até aí, dirá o leitor, as coisas se equilibram. Será?
Antes de seguir, explicito (de novo) o que quero dizer com o “nosso jornal conservador”. Chamo conservadora a postura que não aceita jogar a lei no lixo em nome da suposta justiça social; chamo conservadora a prática política que reconhece aos Poderes da República as devidas competências para legislar, executar e julgar. Será isso o que faz o jornal quando dá voz a um certo Aldo Fonazieri, diretor da Fundação Escola de Sociologia e Política de São Paulo? Será mesmo que este revolucionário de gabinete honra o sentido da pluralidade numa democracia? Reproduzo abaixo, em vermelho, o texto do Estadão (uma entrevista com o dito-cujo), interrompida por comentários meus, em azul.
Favorável à atuação do MST, o diretor da Fundação Escola de Sociologia e Política de São Paulo, Aldo Fornazieri, situa em um contexto histórico de lutas pela terra as ações do movimento. Para o cientista político, os movimentos sociais, às vezes, transitam por posições consideradas ilegais em termos jurídicos, mas justificáveis por conta da luta. ‘O que não pode é haver uma extrapolação absurda ou violência desmedida como no episódio da depredação do Congresso, ocorrida no ano passado, mas alguma extrapolação sempre haverá’, afirmou. Se a legalidade formal fosse a regra, para Fornazieri, a República não seria proclamada, uma vez que a legalidade estaria do lado do Império. Fornazieri expõe, na entrevista a seguir, um ponto de vista diferenciado sobre a questão.
A introdução feita pelo jornal é caduca. O que quer dizer “posições consideradas ilegais em termos jurídicos”? Termos jurídicos não consideram ilegais A ou B. Ilegais são as ações que transgridem a lei, que violam um pacto estabelecido pela sociedade — no caso da nossa, democraticamente estabelecido. Não é uma questão de gosto. Também vejo que o autor do texto acata a suposta moderação do entrevistado: “O que não pode é haver uma extrapolação absurda da violência”. Entendi: um pouco de violência, tudo bem. Mas disso falo mais adiante. Ah, sim: o jornal nos informa que ele vai fornecer “um ponto de vista diferenciado sobre a questão”. Diferenciado em relação a quê? Seria à lei?
Estado: Como explicar a tática do MST, em nível nacional, de liberar pedágios e fechar rodovias para protestar?
Fornazieri: Liberar pedágios, desde que eles não sejam depredados, faz parte da natureza da ação do movimento. Claro que fere a lei, no aspecto formal, mas todo movimento social tem um quê de extrapolação, que não pode chegar à violência injustificada. O ideal é que o movimento se mantenha em um nível de manifestação que não fira gravemente o direito alheio. Acredito, no entanto, que este tipo de ação tem o objetivo de angariar a simpatia da população.
Como assim? O que o MST tem a ver com pedágios? Aí diz o professor: “todo movimento social tem um quê de extrapolação, que não pode chegar à violência injustificada”. E qual é o limite da “violência justificada”? Ele também acha que o MST não pode ferir “gravemente” (sic) o direito alheio. Ferir, se não for com gravidade, aí pode. Entendam: o companheiro nem mesmo está se referindo às transgressões habituais do movimento, como invasão de fazendas e animais abatidos. Não! Ele acha que toda ação de perturbação da ordem — que não exagerada, claro… — é útil à causa. Não estamos mais falando de luta social coisa nenhuma, mas de teoria revolucionária. Pergunto: quando o MST vai atacar as torres de transmissão elétrica? O diretor de uma escola superior faz, abertamente, a apologia da ilegalidade e do terrorismo soft — ao menos por enquanto. Seria esse o chamado “ponto de vista diferenciado”? O homem adapta às necessidades do MST um trecho do capítulo 9 do Minimanual da Guerrilha Urbana, do terrorista Carlos Marighella. No item “Ocupação”, está lá escrito: “As ocupações são um tipo de ataque realizado quando um guerrilheiro urbano se estaciona em estabelecimentos e localizações específicas, para uma resistência temporal contra o inimigo ou para algum propósito de propaganda. A ocupação de fábricas e escolas durante greves ou em outros momentos é um método de protesto ou de distrair a atenção do inimigo. A ocupação das estações de rádio é para propósitos de propaganda. A ocupação é um método muito efetivo para a ação mas, para prevenir perdas e danos materiais a nossas forças, é sempre uma boa idéia o contar com a possibilidade de retirada. Sempre tem que ser meticulosamente planejada e executada no momento oportuno.”
Estado: E a invasão de fazendas, em sua opinião, também integra este conceito?
Fornazieri: Sem dúvida. Ocupar áreas está na natureza do movimento que luta pela reforma agrária. No entanto, se a autoridade judicial determinar a saída das famílias, o MST e seus congêneres têm obrigação de atender à ordem.
Eis aí. Para os que não sabem, isso é tática revolucionária. Resistir à ordem judicial implica que a Justiça pode determinar que a força policial execute a sentença. E não precisa, para tanto, nem da anuência do governo do estado. O conflito, agora, seria desinteressante. Não valeria a pena um confronto com a polícia a cada invasão. Por isso, a “ordem” é fazer o que determina a Justiça. Para voltar a invadir em seguida, numa ação de contínua perturbação.
Estado: O MST diz que as ações visam lembrar o massacre de Eldorado dos Carajás, há 11 anos. Essa poderia ser uma ação justa, em sua visão?
Fornazieri: Aquele foi um massacre horrível, em que integrantes do movimento foram mortos pela PM paraense de forma autoritária, sem possibilidade de diálogo, e deve ser lembrado sempre.
Já disse o que penso.
Estado: O que significa, de uma maneira geral, a ação do MST?
Fornazieri: Significa que as elites brasileiras, ao contrário das de outros países, como os EUA, não aprenderam a conviver com a dissidência. Nos EUA, com elites mais lúcidas, as lutas populares se transformaram nas batalhas pelos direitos civis. Aqui, ao contrário, a questão social sempre foi considerada questão de polícia. O Brasil jamais resolveu seu grave problema agrário.
Trata-se de um monte de bobagem, e não é de estranhar que ninguém mais dê bola à Escola de Sociologia e Política. O Movimento dos Direitos Civis nos Estados Unidos surgiu, como diz o nome, para levar direitos civis a uma parcela da população que não os tinha integralmente; a nação americana era plenamente democrática para os brancos, e era necessário que fosse para todos os cidadãos. Em boa parte dos casos, diga-se, tratou-se mais de uma mudança de costumes e da eliminação de preconceitos do que da alteração do código legal. Exceção feita a alguns radicais extremos e a ações terroristas minoritárias, não se tratava de uma luta revolucionária. Não há qualquer paralelo possível entre os dois casos. Ao contrário: nos EUA ou em qualquer democracia do mundo, os líderes do MST estariam na cadeia.
É acintoso, mentiroso e mistificador afirmar que, no Brasil, “a questão social sempre foi tratada como questão de polícia”. É um clichê da velha sociologia esquerdopata. O partido que está no poder é, ele próprio, o dito partido dos movimentos sociais. Em menos de 24 horas, vemos as barbaridades e a empulhação de que são capazes dois intelectuais brasileiros.
De novo, o Estadão
O que faz esse senhor no jornal? Qual é o “outro lado” da ordem legal? Admitir que Fornazieri é a voz desse “outro lado” corresponde a assumir como legítimo quem defende o crime como instrumento de ação política. O exemplo a que ele recorre — a República era ilegal do ponto de vista do império — ou é burro ou é malandro. Ali, tratava-se de rompimento da ordem institucional, como foram, por exemplo, a independência do Brasil, a Revolução de 30, o golpe do Estado Novo, o golpe de 1964 ou, ainda, a redemocratização — acompanhada, por isso mesmo, da Constituinte. E lutamos quase todos para chegar à democracia, que dispõe de instrumentos para responder às demandas sociais sem que, para tanto, elas precisem apelar para a ilegalidade e a violência.
Não, senhores! Fornazieri pode até ser um “outro lado”. Mas é o outro lado da democracia. Se um jornal que ele certamente considera “burguês” lhe franqueia o espaço para defender a violência justificada e a agressão ao direito alheio (desde que não “gravemente”), essa democracia começa a exibir sinais de necrose — e justamente na extensão que deveria ser a mais saudável: a imprensa. Está na cara que esse sujeito despreza a democracia. Que fale! Mas nos muitos veículos da esquerda que têm, pelo regime democrático, o mesmo apreço que ele demonstra.
Nesse confronto, há, sim, dois lados: de um lado, está o MST; de outro, as leis democráticas. Lamento que o Estadão escorregue, às vezes, nesse democratismo pautado pela esquerda e, no caso, pelo aparelho de propaganda dos sem-terra.