O Haiti é ali – Sem acesso ao IML, famílias enterram corpos no quintal de casa na região serrana do RJ
Por Vinícius Queiróz Galvão, na Folha Online: Seis dias depois da chuva que devastou cidades da região serrana do Rio, moradores de áreas isoladas estão enterrando parentes e amigos no quintal de casa. É assim em Santa Rita, uma região de sítios em Teresópolis que, depois de sucessivos deslizamentos que derrubaram pontes e estradas, transformou-se […]
Por Vinícius Queiróz Galvão, na Folha Online:
Seis dias depois da chuva que devastou cidades da região serrana do Rio, moradores de áreas isoladas estão enterrando parentes e amigos no quintal de casa. É assim em Santa Rita, uma região de sítios em Teresópolis que, depois de sucessivos deslizamentos que derrubaram pontes e estradas, transformou-se em pedaços de terra ilhados. Só é possível chegar à localidade de helicóptero ou através de trilhas pela mata, num percurso de oito horas ida e volta.
Com a impossibilidade de acesso do IML (Instituto Médico Legal) para recolher cadáveres, com a prioridade de resgatar pessoas com vida e com o estado avançado de decomposição, os corpos têm sido enterrados em covas rasas nas ruínas das casas. “Enterrei meus quatro vizinhos no quintal. Já estavam lá desde terça, ninguém suportava mais o mau cheiro”, diz o lavador de carros Edson Aquino, abrigado num estádio de Teresópolis.
“Quem não reconheceu os mortos deixou tudo para trás, por cima da terra. Em Santa Rita é só corpo e lama. Nunca pensei que tivesse de enterrar meus parentes em casa”, afirma a doméstica Suzana da Silva Oliveira. No IML de Teresópolis, parentes reclamam da demora na identificação dos corpos e da burocracia para liberá-los. Na entrada do instituto médico, uma cartolina improvisada dá a orientação aos familiares em dez pontos.
Depois do reconhecimento do corpo, é preciso preencher um ficha, que deve ser entregue a um papiloscopista. O IML então emite um documento que deve ser levado à Defensoria pública, que por sua vez emite um alvará para liberação do cadáver.
De lá, o parente tem de ir ao subsolo entregar o alvará à funerária para remoção do corpo. E, se não puder pagar todo esse processo, é preciso voltar à recepção. “É um desrespeito. Não se comovem com o nosso sofrimento. Perdi sete pessoas da família, imagina o vaivém para resolver toda essa papelada”, diz a doméstica Maria Cinira das Dores.
Com muitos corpos em decomposição, o reconhecimento só é feito por imagens. Os cadáveres são retirados dos caminhões frigoríficos e fotografados no meio da rua. A necropsia também é feita na calçada. Se não conseguir confirmar a identidade do morto por fotos, os parentes tiram sangue para fazer exames de DNA, depois comparados com amostras dos corpos. “Preenchi a ficha duas vezes porque perdem os documentos. Prometeram liberar o enterro na sexta de manhã, mas até agora [sábado, 15], nada”, disse o frentista Márcio dos Santos.
Houve tumulto e a confusão foi tanta que o juiz José Ricardo Aguiar, da 2ª Vara de Família, subiu no galpão anexo do IML para pedir calma aos familiares. A assessoria da Prefeitura de Teresópolis não tem conhecimento sobre enterros de corpos em quintais. De acordo com o assessoria, a Justiça local buscará confirmar a informação quando a situação se acalmar.