O assassinato seletivo é ético? Ou: Tal terror, qual ética?
Considero simplesmente indecoroso debater se a chamada política de assassinato seletivo — foi o que se fez com Osama Bin Laden — é ou não eticamente aceitável. Essa questão andou rodando a imprensa mundial e, obviamente, a nossa também. Queriam o quê? O terrorismo não é um inimigo convencional. Se um estado organizado sabe que […]
Considero simplesmente indecoroso debater se a chamada política de assassinato seletivo — foi o que se fez com Osama Bin Laden — é ou não eticamente aceitável. Essa questão andou rodando a imprensa mundial e, obviamente, a nossa também. Queriam o quê? O terrorismo não é um inimigo convencional. Se um estado organizado sabe que um determinado agente está planejando um atentado — no caso de Bin Laden, esse era o seu objetivo de vida —, deve fazer o quê? Tentar capturá-lo por meios tradicionais ou numa prisão em flagrante delito, dando-lhe eventualmente a chance de escapar? Permitir que o atentado se consume para que se tenha, então, um bom pretexto? Ora… Não! Não se trata de recorrer aos mesmos métodos dos facínoras. Eles condenam inocentes civis à morte, a exemplo do que fizeram no 11 de Setembro. Osama não era um inocente…
Em 2006, tentou-se criar um escândalo internacional quando a Suprema Corte de Israel autorizou o Exército a prosseguir com sua política de eliminação seletiva de terroristas. Dizia a sentença: “Não se pode determinar de antemão que todo assassinato seletivo é contrário ao direito internacional. Como tampouco é possível que todas as liquidações estejam em concordância com o direito internacional. A legalidade do assassinato seletivo deve ser examinada caso por caso”. O que a corte recomendou é que se fizesse de tudo para evitar a morte de civis.
O curioso é que a política que faz Barack Obama um herói custou muito caro à reputação de Israel, cujos governantes tiveram de fazer uma verdadeira peregrinação mundo afora para expor os seus motivos. Não faz tempo, e vocês se lembram muito bem, a Colômbia enfrentou um verdadeiro pelotão de fuzilamento moral porque matou o terrorista pançudo Raúl Reyes e seus asseclas, acoitados em território equatoriano. Celso Amorim, o Megalonanico, liderou os esforços para condenar o governo colombiano na OEA; Marco Aurélio Garcia esbravejava contra a invasão do Equador, que abrigava a canalha. A Colômbia só não foi condenada porque os EUA impediram.
O mundo está mais seguro? Já dei essa resposta no texto que escrevi na madrugada de ontem. Não! Bin Laden talvez fosse mais um símbolo do que propriamente uma ameaça. Nem por isso os EUA fizeram mal em eliminá-lo. E que outros líderes de igual perfil tenham o mesmo destino. Não há negociação possível com o terror. Usar as regras do direito internacional e as garantias legais com essa gente corresponde a aceitar a condição de refém de seus desígnios.
Aliás, eis um bom debate. Peguemos um outro caso eloqüente. Houve erros e horrores em Guantánamo? Consta que inocentes acabaram presos e que perigosos terroristas foram soltos? Sim. Ninguém defende a barbárie ou o equívoco. Mas onde estariam agora os reais terroristas que passaram por lá, seguidas as regras? Alguns poderiam estar circulando por Nova York; outros tantos teriam sido devolvidos a seus países de origem e voltado ao terrorismo — como aconteceu, diga-se, em muitos casos. Obama fez bem quando optou pelo assassinato seletivo — que seria coisa de Bush em certas mentes perturbadas — e fez mal quando tentou fechar Guantánamo sem oferecer uma alternativa. Curiosamente, o seu “lado Bush”, então, deve lhe garantir a reeleição, não é mesmo? Não por acaso, ele lembrou que os esforços do ex-presidente também foram recompensados com a eliminação de Bin Laden.
Não gosto
Nem a minha mãe concorda comigo, como vocês viram na tarde de ontem, mas o fato é que não gosto da política de Obama para o Oriente Médio — na verdade, eu a considero política nenhuma. Sou cético quanto às chances da democracia no Egito, acho que ele está fazendo uma besteira monumental na Líbia, e vejo seu governo permanentemente rendido pelos fatos na região. Aliás, Bin Laden estava confortavelmente instalado num casarão no Paquistão, não em algum buraco na fronteira com o Afeganistão. O fato lança dúvidas óbvias sobre a forma como o país vem cooperando com a política americana de combate ao terror. Trata-se de um governo, a meu juízo, hesitante, fraco, sem eixo. Mas e daí?
No momento, Obama é o homem que fez a coisa certa, que “matou o facínora”, ainda que, a exemplo do filme, ele também seja o falso justiceiro. Mas, na vida como na arte, vai valer a versão. Ainda fará história por ter sido eleito por aquilo que não faria e por ter sido reeleito pela obra que, originalmente, não é sua. Mas, lá vou eu de novo com o poema “Tabacaria”, de Fernando Pessoa (Álvaro de Campos): “O mundo é para quem nasce para o conquistar. E não para quem sonha que pode conquistá-lo, ainda que tenha razão.”