No debate do salário, pretendem reduzir a política ao mínimo. Ou: usando a contabilidade para satanizar o dissenso
O debate sobre o salário mínimo é uma evidência de que a política agoniza no país. Leiam este texto com atenção. Ele trata de um assunto cada vez mais raro no Brasil: POLÍTICA! A Câmara deve votar hoje o novo valor do mínimo. O governo tem total maioria na Casa que, ainda que haja algumas […]
O debate sobre o salário mínimo é uma evidência de que a política agoniza no país. Leiam este texto com atenção. Ele trata de um assunto cada vez mais raro no Brasil: POLÍTICA!
A Câmara deve votar hoje o novo valor do mínimo. O governo tem total maioria na Casa que, ainda que haja algumas dissidências, o mais provável é que se aprovem os R$ 545, como quer o Planalto. Será o primeiro ano sem aumento real desde 1997. Está de acordo com a regra combinada com as centrais. Em 2011, mantida a lei, o reajuste será de 13,5% — com um apreciável ganho real, portanto. Os sindicalistas reclamam porque precisam dar uma satisfação a fatias de sua base. Mas sabem que há uma política de recomposição em curso desde o governo FHC. Pois bem, e as oposições? Antes que me refira a elas, quero falar um pouquinho sobre Guido Mantega, ministro da Fazenda.
Ele foi ao Congresso ontem para alertar que um mínimo maior do que R$ 545 desorganiza as contas públicas, “causa descontrole fiscal, e a inflação vai subir”. Não deixa de ser um tanto engraçado. Mantega foi quem comandou a farra fiscal dos dois últimos anos de governo Lula, parte importante dela para eleger Dilma Rousseff, a Soberana, que não quer abrir mão dos R$ 545. Sim, é fato: ainda que este fosse um governo exemplar no que diz respeito aos gastos, a regra do reajuste estava dada desde 2006. As centrais a conheciam muito bem porque foi acordada com elas. Mas têm o direito, é claro, de reivindicar e de fazer alguma demagogia junto às bases.
Os sindicalistas falam em R$ 560; o PSDB fechou com os R$ 600 propostos por José Serra durante a campanha eleitoral — embora o senador Aécio Neves (MG) já tenha mobilizado alguns tucanos para os R$ 560 mesmo, valor também defendido por ACM Neto (MA), líder do DEM. Em tempo: Rodrigo Maia, presidente da sigla, apareceu no Jornal Nacional dizendo que o governo “fez a lição de casa”, com os cortes, e que R$ 545 parecem razoáveis. Está mais governista do que os petistas. Até avalia a lição de casa de Dilma!!!
Tarefa da oposição
A pobreza intelectual da política é constrangedora, triste. Isso vale para o Parlamento, os políticos mesmo — com as exceções de sempre — e também para boa parte da imprensa. Ignorantes de todos os grupos se estreitam num abraço insano, como diria o poeta. Alguns que se orgulham de seu suposto pragmatismo não passam de tolos enfatuados, com seu maquiavelismo tosco. Por que escrevo isso?
Ora, é de pragmatismo que querem falar? Então sejamos pragmáticos. O governo Dilma tem número suficiente para aplicar uma sova na oposição, queira ela R$ 560 ou R$ 600. O debate do mínimo, pois, é a oportunidade para se fazer, Deus Meu!, o que se fazia antigamente, no tempo em que se andava apenas com os membros posteriores colados ao chão: A CRÍTICA POLÍTICA. Quando uma oposição é muito miúda, os embates devem servir para que as contradições do governo sejam evidenciadas e para que eventuais fragilidades do condomínio que está no poder sejam explicitadas. A chance de ganhar embates é nula.
Na dúvida, perguntem ao PT. Rodrigo Maia — e o DEM não está nesta pindaíba por acaso — entende que, feita a “lição de casa” (e ele parece avaliá-la como o maître à penser do governismo), o Planalto está moralmente justificado e cumpre à oposição se conformar com a sua condição de minoria impotente. Aécio, “comprometidíssimo” com os R$ 600 defendidos oficialmente pelo PSDB, já se encontrou com Paulinho, o “dilmista” empedernido até ontem, para se juntar à turma dos R$ 560 — valor que teria mais chances de vitória…
Em outros tempos — e olhem que não faz tanto tempo assim; serve o período em que o PT era oposição a FHC… —, muitos já teriam se perguntado o que é ganhar e o que é perder nesse debate do mínimo. Parece que alguns gênios ainda não perceberam que, caso sejam aprovados os R$ 545, o governo Dilma PERDE GANHANDO, entendem? Tão logo se conheça o resultado, vamos ver se os parlamentares da base promovem aquela gritaria eufórica, punhos no ar, cumprimentos efusivos… Tenho pra mim que não! A aprovação dos R$ 545 pode até evidenciar que o governo detém o controle da Câmara, mas não chega a ser esse um valor a comemorar, especialmente num momento de repique inflacionário.
Qual é o papel da oposição? É defender, por exemplo, os R$ 600, mesmo sabendo que vai perder. Aliás, sabedora disso, eu diria que a defesa fica até mais fácil. “Mas então para quê? Só para apostar no quanto pior, melhor?” Claro que não! Se o “pior” é o valor maior, tudo bem: não vai passar mesmo! As oposições estão diante da primeira chance de confrontar o discurso da candidata Dilma com as escolhas da presidente Dilma. Há cinco meses, ela chegava perto de chutar o traseiro de quem falasse sobre a necessidade de promover um ajuste fiscal; a inflação seria mera sazonalidade, e as contas do governo estavam todas no lugar.
É preciso fazer a crítica. A oposição não está com uma questão contábil na mão, Santo Deus!, mas com uma questão política! “Ah, isso é oposição sistemática, e nós não somos como o PT”. Huuummm… Entendo! Não mesmo! Ao longo dos oito de governo FHC, o partido jamais se importou — muito pelo contrário! — de GANHAR PERDENDO.
“Ah, mas não era você a criticar o oposicionismo sistemático do PT?” Criticava, sim. Eu combatia as suas propostas, não o seu direito de fazer a sua política, que é o que noto hoje em certas áreas da crítica, como se a oposição cometesse um crime contra os cofres públicos ao propor um mínimo maior do que os R$ 545. Ora, qual crime? O governo tem maioria para impor o que bem entender, e governar ainda é uma tarefa dos… governistas! Querer impedir a oposição de fazer A CRÍTICA POLÍTICA ao debater o valor do salário mínimo corresponde a querer impedi-la de existir.