Não caiam no truque
É evidente que não estou publicando manifestações a favor do separatismo ou os ataques genéricos: “o” paulista é assim; “o” mineiro é assado. Quanta tolice! Quanta bobagem! Quanta conversa mole! “O” paulista não existe! O que Mário de Andrade tem a ver com Paulo Maluf? “O” mineiro não existe. O que Carlos Drummond de Andrade […]
De fato, “o” brasileiro não existe. “O” francês não existe. “O” afegão não existe. Existem os homens, a cultura, as tradições, a história, os condicionamentos legais, a política de cada país, os interesses — os legítimos e os ilegítimos. Existe a vida na sua diversidade.
O Brasil poderia e deveria ser uma república federativa, de fato? Acho que sim. Ela o é hoje? Só no papel. Temos um governo federal tão centralizador quanto incompetente? Também é verdade. Mas tentar fazer política a partir de rixas regionais é, reitero, coisa de nativismo caipira, coisa de pilantras.
O pernambucano Lula, com carreira política feita em São Paulo, tem dito a interlocutores — ah, eu esperava o momento de usar essa expressão, geralmente empregada por seus assessores de imprensa disfarçados de jornalistas — que o próximo presidente da República não pode ser paulista. Por que não pode? Sei lá eu. Quem tem de explicar é ele.
A mim me parece que a opinião do Babalorixá, como sempre, é só uma tentativa de criar uma falsa questão política para, de fato, preservar seu interesse pessoal. O lulismo e o petismo são unha e carne, mas não são exatamente a mesma coisa. O Apedeuta considera que José Serra, por exemplo, está mais alinhado à esquerda no espectro político — terreno em que, entende o presidente, ele é o grande líder. E pretende continuar assim. Nem acho que Lula queira, depois de si, o dilúvio. O que não quer é algo que corra o risco de ser melhor.
Mineiros, paulistas, piauienses, dois-correguenses… Não caiam nesse truque.
Lula, por exemplo, não é quem é porque pernambucano com base política original em São Paulo. É quem é porque líder do PT, o partido da nova classe social — a burguesia do capital alheio incrustada nos sindicatos. No poder, atua para perpetuar o poder do seu grupo e para manter o espaço que conquistou, ainda mais amplo do que o da companheirada.
Ser mineiro ou ser paulista não traduz um alinhamento objetivo com este ou com aquele setor. Quaisquer que sejam os interesses — e será preciso, então, saber quais são, se existem — de Serra ou de Aécio, eles existem independentemente da origem de cada um.
E, por isso, é besteira criar falsas questões, no que têm insistido alguns leitores. Querem eles que Aécio é a renovação, e Serra a política tradicional. Aí, não dá, né? Aí não é possível. O governador de São Paulo é filho de um italiano pobre que tinha uma banca no mercado municipal. Aécio é neto de um ex-ministro da Justiça e ex-primeiro-ministro. Nesse sentido, Serra é bem mais “Obama”. Se novidade fosse critério, o paulista seria, então, o mais “jovem”. O poder dos “Neves” é mais antigo. Mas isso não é critério, não. É só uma tolice.
Prefiro saber o que os candidatos pensam — independentemente de slogans publicitários. Fosse por eles, Lula seria o nosso Roosevelt. Mas ele é só o Lula deles.