MENOS FÚRIA, MAIS PENSAMENTO
O texto em que condeno a passeata contra o resultado das eleições no Rio saiu com o título errado: ele repetia o do post anterior. Por que aconteceu? Por causa do tal Plano B. Não vou entrar em especificidades técnicas — seria maçante. Dou as coordenadas daqui, mas o blog é feito em outro lugar. […]
Deixei claro aqui, sem meios-tons, o quão detestável considerei a campanha do PMDB no Rio. E isso não foi irrelevante pra mim porque tive — e talvez tenha ainda — uma relação de amizade com Eduardo Paes. Há tempos não falo com ele. Mas sempre foi uma relação mutuamente respeitosa. Ao ver a campanha descambar, senti mais do que desconforto profissional. Jornalista pode ser amigo de político? Acho que pode. Desde que cada um continue a cumprir a sua função. E sempre foi o caso de ambos. E deixo isso claro porque a clareza medeia a minha relação com os leitores — que sabem que jamais deixei de noticiar qualquer coisa a respeito.
E vi, como também observei aqui, erros na campanha de Fernando Gabeira. Quase um milhão de cariocas deixaram de votar, a maioria das áreas em que o candidato do PV levava vantagem. É absolutamente razoável a especulação de que o resultado poderia ter sido outro com uma abstenção menor. Acontece que ela teve o tamanho que teve. E ponto final. Muita gente houve por bem, sei lá eu, emendar o feriado e ir para os lagos, as montanhas, alguma praia mais distante. O fato é que foi uma abstenção atípica.
Compreendo a sensação desagradável do “quase”, do “poderíamos ter chegado lá”. Mas me parece que a manifestação de agora tenta cobrir com uma sombra de ilegitimidade o que ilegítimo não é. Nem o próprio candidato derrotado, Fernando Gabeira, aderiu a esse discurso. A responsabilidade pela baixaria é sempre de quem faz a baixaria, é óbvio. Mas é preciso estudar o modo de reagir, ainda que a decisão seja o silêncio. Pergunto: a campanha de Gabeira não terá apostado demais numa esfera de sensações e se esquecido um tanto de ações práticas nos bolsões onde a campanha de difamação era mais intensa? Não sei. De longe, fico com a impressão de que muita gente achava que a coisa era mais fácil — tanto que muitos não foram votar. E não havia facilidade nenhuma.
É uma bobagem afirmar que estou tentando tolher o direito à manifestação ou sei lá o quê. Eu não! Cada um faça o que achar melhor. O que me parece é que os inconformados têm de buscar uma reação política que não seja a expressão do desejo de melar o jogo:
1 – não acho que isso vá dar certo porque seria preciso estabelecer o vínculo legal entre o candidato e as campanhas eventualmente irregulares;
2 – fica com cheiro de choro de derrotados;
3 – na urna, efetivamente, Paes teve mais votos do que Gabeira.
Quem me acompanha sabe bem o que penso a respeito de eleições. Nunca ninguém me viu aqui a dizer tolices como “O povo é sábio e sempre escolhe direito”. Eu não acho o povo sábio e acredito que, com muita freqüência, ele escolhe errado, mal. Mas não tenho vocação para ser babá de povo — tutelá-lo sempre resulta em desastres novos. A minha democracia, que acredito ser a democracia ela mesma, compreende vitórias e derrotas, mediadas por uma ética, que são valores que nos unem e que nos permitem divergir em paz. Sei que a alternativa ao povo — que, freqüentemente, escolhe mal — seria ainda pior. Quando o Apedeuta ganhou o segundo mandato, escrevi aqui um texto que deu pano pra manga: “É Lula de novo, com a culpa do povo”. Sim, com a culpa e com a conivência. Fazer o quê? Era o jogo jogado.
Ora, façam quantas passeatas quiserem. Já disse: não tenho nada com isso. Só acredito que esse tipo de manifestação é contraproducente e faz mal à própria causa. Se acham que o caminho é esse, mandem ver. A lógica indica — e não abro mão dela jamais — que Gabeira saiu como uma espécie de vitorioso moral dessa disputa e que isso pode ser um patrimônio a ser usado no futuro, em 2010. Esse tipo de exacerbação, acho eu, gasta precocemente esse capital político. Será que o próprio Gabeira acha que o caminho é esse? Tendo a duvidar um pouco.
Eu juro que estava tentando ajudar. Mas os leitores furiosos têm sua razão: ninguém pode forçar a velhinha a atravessar a rua quando ela não quer.