Mais sandices de Dilma sobre o Oriente Médio e um único acerto. Ou: Lembra-se, presidente, do acordo do seu partido com o Baath, do carniceiro Assad?
No post anterior, destaco o trecho mais estupefaciente do discurso de Dilma no que concerne ao Oriente Médio. Não foram as únicas tolices. Houve outras, com, quem sabe?, um único acerto, ainda que haja o risco de ser por maus motivos. Segue o trecho. Comento depois — ele antecede, na fala da presidente, aquele sobre […]
No post anterior, destaco o trecho mais estupefaciente do discurso de Dilma no que concerne ao Oriente Médio. Não foram as únicas tolices. Houve outras, com, quem sabe?, um único acerto, ainda que haja o risco de ser por maus motivos. Segue o trecho. Comento depois — ele antecede, na fala da presidente, aquele sobre o qual já escrevi.
Assim como em 2011, senhor presidente, o Oriente Médio e o Norte da África continuam a ocupar um lugar central nas atenções da comunidade internacional. Importantes movimentos sociais, com distintos signos políticos varreram regimes despóticos e desencadearam processos de transição cujo sentido e direção ainda não podem ser totalmente estabelecidos.
Mas não é difícil identificar em quase todos esses movimentos um grito de revolta contra a pobreza, o desemprego, a realidade da falta de oportunidades e de liberdades civis, impostas por governos autoritários a amplos setores dessas sociedades, sobretudo às populações mais jovens.
Não é difícil, igualmente, encontrar nesses acontecimentos as marcas de ressentimentos históricos, provocados por décadas de políticas coloniais ou neocoloniais levadas a cabo em nome de uma ação supostamente civilizatória. Pouco a pouco, foram ficando claros os interesses econômicos que estavam por de trás daquelas políticas.
Hoje, assistimos consternados à evolução da gravíssima situação da Síria. O Brasil condena, nos mais fortes termos, a violência que continua a ceifar vidas nesse país.
A Síria produz um drama humanitário de grandes proporções no seu território e em seus vizinhos. Recai sobre o governo de Damasco a maior parte da responsabilidade pelo ciclo de violência que tem vitimado grande número de civis, sobretudo mulheres, crianças e jovens. Mas sabemos também da responsabilidade das oposições armadas, especialmente daquelas que contam com apoio militar e logístico de fora.
Como presidenta de um país que é pátria de milhões de descendentes de sírios, lanço um apelo às partes em conflito para que deponham as armas e juntem-se aos esforços de mediação do representante especial da ONU e da Liga Árabe. Não há solução militar para a crise síria. A diplomacia e o diálogo são não só a melhor, mas, creio, a única opção.
Voltei
É, na pior das hipóteses, pura ideologia e, na melhor, mero “wishful thinking” — expressão de uma vontade ou de um desejo — essa história de que a dita Primavera Árabe reflete a luta por democracia, liberdade ou que seja. Que as batalhas se deem num ambiente de pobreza e desigualdade, sim, isso é verdade. Se elas estão na raiz do levante, aí é mero chute dos bons e pilantragem teórica dos de má-fé. Os países que depuseram as ditaduras laicas já vivem hoje, no campo dos costumes, por exemplo, com menos liberdade do que antes. O que aumentou nesses países — inclusive no Egito e mesma na “liberal” (para os padrões da região) Tunísia — foi o fundamentalismo religioso. É questão de fato, não de gosto.
Considero essa análise completamente fora de lugar. É a sociologia que serve às demandas das sociedades democráticas por mais igualdade aplicadas a culturas em que essa igualdade simplesmente não é um valor. Há um erro brutal nisso (na hipótese generosa), escandaloso mesmo! Às esquerdas mundiais e aos grupos islâmicos mais organizados, que já perceberam que o Ocidente é sensível a esse discurso (é o caso da Irmandade Muçulmana), interessa essa leitura que empresta a uma onda neofundamentalista características de luta de classes. Eu, pessoalmente, acho isso uma enorme tolice. E as apresentadoras de TV do Egito que agora têm de envergar o véu também devem achar. Sigamos.
Dilma repete a patacoada, a que o intelectual palestino Edward Said emprestou ares de fina teoria política, segundo a qual os povos muçulmanos são não mais do que o produto passivo — e hoje ressentido — das políticas coloniais europeias. Assim, todas suas ações hoje em dia — e já há muitas décadas — seriam não mais do que reativas, destituídas de intenções deliberadas, de projetos, de vontades. Segundo esse ponto de vista, o “oriente”, o “mundo as arábias”, seria uma mera invenção ocidental.
Dilma resolveu ainda descobrir a pólvora. Afirmou que as políticas dos países ocidentais no Oriente Médio tinham interesses econômicos. Não me diga! O que queriam os gregos, a seu tempo, ou os romanos? Por que o Brasil se esforça, ainda que mal, para consolidar a sua hegemonia na América Latina? O próximo passo do PT é propor uma revisão da expansão mercantilista do século 16 — um mal para a civilização… Ora, a história existe. Mas não é concebível que se atribua ao Ocidente e ao passado colonial a determinação de grupos extremistas de submeter seus próprios povos a ditaduras religiosas (em vez de ditaduras leigas) ou de impor ao Ocidente os seus padrões de (falta de) liberdade de pensamento e de (falta de) liberdade de expressão.
Dilma cometeu um único acerto, só não sei se por bons motivos. Acusou, o que é verdade, a oposição síria de cometer os mesmos abusos, ainda que em escala menor, que comete o governo do carniceiros Bashar Al Assad. Como vocês são testemunhas, chamei a atenção para essa fato antes de aquele conflito virar uma guerra civil. Amigos que têm familiares na Síria me asseguravam que as práticas da oposição eram também terroristas.
É claro que eu preferiria apontar esse único aspecto positivo do discurso sem saber o que eu sei. Em 2007, o então presidente do PT, Ricardo Berzoini, assinou um acordo de cooperação com o partido Baath, de Assad, cujo nome completo é “Partido Baath Árabe Socialista”. O objetivo dos petistas com o partido do carniceiro incluía sete compromissos, dentre os quais se destacavam os seguintes: incentivar a troca de visitas, coordenar os pontos de vista quando os partidos estiverem presentes em congressos e fóruns regionais e internacionais, promover a troca de publicações e de documentos partidários importantes e fortalecer a cooperação entre organizações populares e representantes da sociedade civil para intercâmbio de experiências.
Sem o acordo do PT com os humanistas do Baath, Dilma, que é petista, falaria com mais isenção de espírito, não é mesmo?