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Reinaldo Azevedo

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Blog do jornalista Reinaldo Azevedo: política, governo, PT, imprensa e cultura

Maioria, embora desinformada, se diz favorável às cotas; na verdade, a maioria só está dizendo que é boazinha

“Maioria é a favor da adoção de cota racial”, diz manchete da Folha deste domingo. Huuummm. É uma leitura muito objetiva e fria dos números a que faz o jornal. A manchete deveria ser outra: “Brasileiro é tão bonzinho!”, assim, com exclamação, a exemplo de certa personagem de um humorístico da minha infância. A moça, […]

Por Reinaldo Azevedo Atualizado em 6 jun 2024, 09h50 - Publicado em 23 jul 2006, 05h49
“Maioria é a favor da adoção de cota racial”, diz manchete da Folha deste domingo. Huuummm. É uma leitura muito objetiva e fria dos números a que faz o jornal. A manchete deveria ser outra: “Brasileiro é tão bonzinho!”, assim, com exclamação, a exemplo de certa personagem de um humorístico da minha infância. A moça, talvez fosse francesa, sentava para bater papo com um sujeito e contava como os malandros haviam se aproveitado dela. Sonsa, não percebia o assédio. E cruza a perna pra cá, cruza pra lá. Eu via TV deitado sobre umas almofadas, colado à tela, míope, pobrezinho!, mas muito animado. Eu já desconfiava “para que tanta perna, meu Deus!”…

Em tempo: a mulher não era a Kate Lyra, que viria a retomar a personagem mais tarde. Falo de um tempo ancestral. Estou com 44 anos. Devia ter, sei lá, uns 8… Pronto! Lá fui eu enveredar pelo memorialismo do baixo ventre. Essa história de cotas me tira do sério. Prefiro ter de responder aquela enquête sobre Kant (ver abaixo). Querem ver uma coisa? Segundo informa a Folha, “65% são favoráveis à reserva de um quinto das vagas nas universidades públicas e privadas para negros e descendentes”. Certo. Mas, logo em seguida, diz o jornal com base no mesmo Datafolha: “87% dos entrevistados também concordam que deveriam ser criadas reservas de vagas nas universidades para pessoas pobres e de baixa renda, independentemente da raça”.

Em suma: desinformado, de posse de alguns bons sentimentos, a verdade que é os bananieiros — patronímico de quem nasce em Banânia — não têm a menor idéia do que falam. Se você indagar se eles são favoráveis a cotas para caolhos, míopes, albinos, gagos, anões e mulheres barbadas, vão dizer que sim. Basta haver um oprimido oficial em Banânia, e os concidadãos logo se solidarizam. Esta beleza de país não se faz por acaso. O jornal informa que negros e mestiços são 48% no Brasil — na verdade, 47,4%, dos quais apenas 6% são negros. Como os brancos são 52,1% da população, há uma impossibilidade material de esses mestiços todos serem filhos de negros com brancos — são, em suma, brasileiros, tão “afrodescendentes” quanto “eurodescendentes”.

A cor da pele — eu me nego a falar em “raça” — da universidade brasileira já está bem próxima da cor da pele do Brasil. Já provei isso em um texto em Primeira Leitura, além de provar também que o MEC não sabe fazer conta (clique aqui para ler). Mas, claro, a verdade não serve para os profissionais das causas. Alguns dados da pesquisa permitem leituras malandras: “A maior taxa de aprovação das cotas raciais ocorre entre as pessoas com escolaridade fundamental (71%). Já entre os entrevistados com nível superior acontece uma inversão: 55% são contra as cotas raciais. O mesmo acontece entre as pessoas com renda familiar acima de dez salários mínimos -que representam 2% da população brasileira, segundo a Pnad. Apenas 39% são favoráveis às cotas, contra 57% dos que não concordam com elas. Nessa faixa salarial, a rejeição é alta tanto entre aqueles que se autodeclaram brancos (64%) quanto para os negros (54%). O índice cai para 47% entre os pardos. Já entre os que ganham até dois salários mínimos, o índice de aprovação é de 70%.”

Ainda bem que o filósofo Roberto Romano é ouvido pela reportagem para repor as coisas no seu lugar. Diz ele: “O moralista diria que quanto mais privilegiada uma pessoa, mais ela quer ser. Eu prefiro acreditar que os mais escolarizados sabem que não existem soluções mágicas, conhecem as dificuldades do ensino e da pesquisa dentro da universidade e têm consciência da atitude administrativa que se deve ter.” Mas, claro, há também o anti-Romano (em sentido amplo). Reparem na delicadeza deste raciocínio: “Vagas nas universidades públicas boas são cotas de poder. E a elite não quer concorrentes negros“. É uma fala de José Jorge Carvalho, professor de antropologia da Universidade de Brasília.

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Viram só? A solução do Carvalho é criar o que ele chama de “concorrência” na marra. A propósito: um país que tem 41,4% de mestiços é um país racista? A questão do acesso à universidade no Brasil é de renda, não de raça, conforme observa na reportagem o professor Bolívar Lamounier. Vá olhar o perfil social de quem estuda, de graça, medicina, engenharia ou odontologia na USP e depois compare com o de quem cursa pedagogia, letras ou geografia. Você encontrará a USP rica e a USP pobre; a que veio do ensino privado, com pais geralmente universitários, e a que veio da escola pública, com alto índice de pais ou analfabetos ou com segundo grau incompleto.
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Por que um aluno que pode pagar pelo seu curso não paga? Famílias de estudantes que fazem o ensino médio em escolas privadas têm aumento de renda quando o filho entra na universidade pública. O pobre do colégio do Estado, entrando na universidade privada, tende a ficar ainda mais… pobre!!!
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Então a solução é o ProUni do Lula? Não! Isso também é danação, porque se trata de uma transferência de recursos públicos para mantenedoras privadas que, na maioria das vezes, não têm qualquer compromisso com a qualidade. Existe solução? Existe. Entra na universidade quem sabe mais, tenha a pele branca, preta ou púrpura. Os governos invertem a prioridade, passam a investir maciçamente em ensino fundamental e a cobrar mensalidade do ensino universitário. E se concedem bolsas, de acordo com a renda familiar, a quem, tendo sido aprovado no exame de seleção, não possa pagar.

Mas, claro, isso é tão óbvio que não será feito. Os profissionais das causas não deixam. A esquerda também não. Ela quer manter o atual sistema de privilégios, dando algumas esmolas aos que chama “afrodescendentes”. Gente com miolos, branca ou preta, já percebeu isso. Leiam lá. Há farto material sobre o assunto no jornal. A quantidade de bobagens ditas por quem defende as cotas é de assustar. A Banânia vai pro brejo. Leia a matéria principal aqui. Leia também reportagens no Globo deste domingo (ver abaixo) sobre o populismo universitário de Lula.

PS: Essa tolice de cotas só prospera porque os políticos têm medo de dizer o que pensam. Seria interessante saber o que aconteceria caso se fizesse o debate para valer, a exemplo do que aconteceu com o referendo da proibição da venda de armas legais. Também nesse caso, a maioria está desinformada. Apenas 46% afirmam saber da existência do Estatuto da Igualdade Racial, mas miseráveis 9% se dizem bem informados a respeito. Duvido até desse número. Se o Datafolha pedisse para esses 9% falarem a respeito, constataria que o índice é bem menor.
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