LÉVI-STRAUSS, CAÇA AOS ALBINOS E ÀS LOURAS, MOZART E O FUNK DO TIGRÃO
Muita gente ficou brava com o post sobre Lévi-Strauss, especialmente porque ataquei o que chamei de patifaria multiculturalista, que tentou atribuir ao antropólogo aquilo que nunca disse ou sustentou: uma certa equivalência valorativa entre as culturas, como se, sei lá, o estruturalismo fosse o outro nome de Deus ou, então, significasse a descoberta de uma […]
Muita gente ficou brava com o post sobre Lévi-Strauss, especialmente porque ataquei o que chamei de patifaria multiculturalista, que tentou atribuir ao antropólogo aquilo que nunca disse ou sustentou: uma certa equivalência valorativa entre as culturas, como se, sei lá, o estruturalismo fosse o outro nome de Deus ou, então, significasse a descoberta de uma “essência humana”.
Culturas podem ser vistas em sua composição elementar, sem dúvida. Há elementos que exercem funções estruturalmente correspondentes, mas, bem…, as diferenças fazem toda a diferença. O fato de um ritual de purificação indígena operar com ESTRUTURAS também presentes numa missa católica não elimina da história — porque há uma história, é bom lembrar! — o vasto debate do catolicismo no terreno da ética, por exemplo.
Essas diferenças, então, não-elementares, não-estruturais, podem decretar a sobrevivência ou o fim de civilizações. Algumas acabam descobrindo a vacina e o vaso sanitário; outras ficam cultivando mandioca luas afora, eternidade adentro; umas expuseram seus membros à fome da natureza; outras a domaram.
Na Tanzânia, matam-se albinos porque se considera que eles não trazem sorte — ou coisa do gênero. Na Uniban, perseguem-se louras que sobem a rampa com vestido curto. É melhor ser albino na Tanzânia ou loura de vestido curto na Uniban? Há, sem dúvida, correspondências estruturais entre esses dois primitivismos, não é? Mas são os elementos não-estruturais que contam a história dos perseguidores de albinos e dos perseguidores de louras.
Essa conversa de que o pensamento de Lévi-Strauss não via hierarquia entre as civilizações; de que ele decretara uma espécie de igualdade valorativa entre todas elas, é puro cretinismo. Leiam este trecho de Tristes Trópicos:
“Durante semanas inteiras, nesse planalto do Mato Grosso Ocidental, tinha estado obcecado, não mais por aquilo que me rodeava e que eu não voltaria a ver, mas por uma melodia muito batida que a minha recordação ainda empobrecia mais: a do Estudo Número Três, Opus 10, de Chopin, na qual me parecia, por uma ironia a cujo amargor eu também era sensível, que tudo que deixara para trás de mim nela se resumia”.
Tadinho. O homem estava entediado. Poderia ter buscado o “Chopin estrutural” em alguma cantilena indígena. Mas não buscou. Estruturalmente, o Funk do Tigrão pode até ser visto como nosso Mozart. E alguém certamente se arrepiaria com a possibilidade de que alguém resolvesse hierarquizar esses dois valores, não é?