Jornalistas ou críticos que agem como militantes viram mentirosos
Existem a leitura e a prática virtuosas que distinguem os valores de um homem público daquilo que ele é obrigado a fazer
Ai, ai…
O que vocês querem eu diga? Já fiz hoje um texto com um balanço da Lava Jato, ao concluir seu terceiro ano, destacando suas características positivas e, obviamente, negativas. Afinal, ora vejam!, eu sou um jornalista, não um militante político. Rompi com a esquerda porque me convenci de seus erros. Mas também o fiz, e há muito tempo, com qualquer militância. Falarei, sim, um pouco mais sobre o aniversário na Lava Jato no próximo post.
Mas estas considerações são necessárias.
Militantes, infelizmente para eles (e para o país), quase sem exceção, têm de mentir, de omitir, de defender ideias nas quais não acreditam, de fazer avaliações convenientes, de aceitar a companhia de gente que desprezam, de tergiversar, de ignorar o certo em favor do errado, de ser desleal com um amigo… Em certa medida, um militante escolhe um caráter.
Um jornalista pode e deve ter convicções ideológicas; pode e deve externá-las se fizer, como faço, jornalismo de opinião. Mas não pode mentir, omitir, tergiversar. Ou não passa de um reles “militante” — um trocadilho da minha juventude, contra nós, os militantes, designava-nos como “miliTONTOS”. Fazia sentido. Adiante!
Só um mau-caráter faz política, então, Reinaldo? Não! Existem a leitura e a prática virtuosas que distinguem os valores de um homem público daquilo que ele é obrigado a fazer. Max Weber cuidou do assunto: o político tem de conciliar duas éticas: a da convicção (o que compõe seus verdadeiros postulados) e a da responsabilidade: o que é possível fazer quando se atua em conjunto e se depende da vontade de outros.
Mas atenção! Essa dualidade virtuosa tem de necessariamente excluir a justificativa do mal. “Que conceito subjetivo!” Não! É a mais objetiva das coisas. Os meios, para alcançar determinado objetivo, ou são lícitos (em sentido amplo, não apenas legal) ou são ilícitos. E, como disse um certo Reinaldo, os meios qualificam o fim.
“As Mãos Sujas”
A minha geração de militantes políticos ainda tinha a obrigação de ler a peça “As Mãos Sujas”, de Sartre. Sim, ainda é encontrável em livrarias. Trata-se de um texto radicalmente anticomunista — ou, talvez, mais amplamente “antifascista —, escrito por alguém que, depois, iria aderir ao comunismo e fazer e falar muita bobagem.
Não traz o sumo da carpintaria teatral, mas traz questões essenciais para quem faz política: os dilemas éticos. Ali fica claro como tanto o dogmatismo como o pragmatismo extremo podem criar monstros morais.
Nem esquerdistas nem direitistas leem hoje em dia “As Mãos Sujas”. Nem esquerdistas nem direitistas, com as exceções notáveis, leem — nem que seja bula de remédio.
“Glossolalítica”
É por isso que a regra do nosso tempo e a “glossolalítica”, para usar uma palavra genial, inventada por Tiago Pavinatto. “Glossolalia” designa as línguas estranhas que os homens falariam quando tomados pelo Espírito Santo. Alguns evangélicos ficaram bravos com ele. Não entenderam seu texto.
A “glossolalítica” a que se refere Pavinatto designa os discursos sem sentido, sem coerência, sem história. São pautados unicamente pela ignorância, que tem como companheiras diletas a preguiça e a arrogância.
Os que falaram em línguas, segundo o relato bíblico, estavam tomados pelo Espírito Santo. Os que exercitam a “glossolalítica”, escreve Pavinatto, estão tomados apenas pelo espírito de porco.
Obrigação
Assim, um jornalista que se preza, ao fazer o balanço da Lava Jato, como fiz nesta manhã, evidencia seus números realmente impressionantes. Mas será um canalha e um covarde caso se omita diante de algumas barbaridades ditas por seus protagonistas.
E é disso que cuidarei no próximo post.