Jorge Castañeda e o anão diplomático
Por falar em Estadão, no domingo, o caderno Aliás publicou um boa entrevista de Lúcia Guimarães com o mexicano Jorge Castañeda. Título: “Gigante ou não diplomático?” O termo “megalonanico”, definitivamente, virou um referência! O cientista político considera que, embora com características peculiadres, houve um golpe em Honduras etc e tal. Não concordamos, claro. Mas vale […]
Por falar em Estadão, no domingo, o caderno Aliás publicou um boa entrevista de Lúcia Guimarães com o mexicano Jorge Castañeda. Título: “Gigante ou não diplomático?” O termo “megalonanico”, definitivamente, virou um referência! O cientista político considera que, embora com características peculiadres, houve um golpe em Honduras etc e tal. Não concordamos, claro. Mas vale a pena ler o seu pensamento. De mais relevante em sua entrevista, há mesmo a condenação ao papel absurdo desempenhado pelo Brasil nesta crise. Aqui e ali, indícios de racionalidade, mas poucos ainda. Leiam um trecho.
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Um ex-chanceler e intelectual público disposto a especular – abertamente – sobre deslizes de funcionários estrangeiros e potenciais interlocutores? Para quem ainda pensa em concorrer à presidência do México, a franqueza de Jorge Castañeda demonstra pouca preocupação com calos alheios. Em duas conversas que formam esta entrevista ao Aliás, o autor de livros sobre a história política da América Latina, incluindo biografia de Che Guevara, repete pacientemente suas ideias sobre o cenário instalado a partir da chegada de um hóspede bem trapalhão à embaixada do Brasil na cidade de Tegucigalpa, dias atrás.
“Como é mesmo o nome do número 2 do Itamaraty?”, pergunta. “O senhor está se referindo a Samuel Pinheiro Guimarães?”, devolve a repórter. “Sim, ele é bem capaz de ter cumplicidade num episódio como esse, agindo na ausência do embaixador brasileiro… Isso é especulação.” Procurado pelo Aliás, Pinheiro Guimarães preferiu não polemizar com o mexicano. Mas Castañeda absolve o presidente Lula e o chanceler Celso Amorim de envolvimento no episódio que marca a volta a Honduras do presidente deposto, Manuel Zelaya: “Isso é coisa de república de banana.”
Assim sintetiza a crise hondurenha o encarregado da política externa mexicana entre 2000 e 2003, ainda bastante surpreso com a movimentação de venezuelanos, cubanos, nicaraguenses e militantes salvadorenhos da FMLN, que identifica como “babás de Manuel Zelaya”, possivelmente despachado por essa turma para a representação brasileira. E antes que alguém lance pedras em Hugo Chávez, Castañeda oferece uma palavra de cautela: afirma que o serviço de inteligência venezuelano nunca foi acusado, por exemplo, de ter a competência do Mossad israelense. Portanto, arrisca outro palpite, de novo sem meias palavras: diz que o imbróglio de Tegucigalpa tem a marca inconfundível de Cuba. E mais: acha que ditador deposto de país pequeno deveria procurar sua turma e deixar um gigante regional, como o Brasil, em paz. Ao falar em gigante geográfico, atalha com outra crítica. Diz que o Brasil se comporta como anão diplomático. Ou seja, terá que abrir mão do “chopinho” com Chávez, Castro, Ortega e da aversão a tomar posições firmes se quiser ser admitido no banquete dos poderes internacionais.
Na sexta-feira, enquanto policiais jogavam bombas de gás contra a embaixada brasileira e o Conselho de Segurança da ONU pedia o fim do cerco policial ao local, Jorge Castañeda desfazia malas em Manhattan para enfrentar o começo do semestre como professor de ciência política da Universidade de Nova York.
Como o senhor avalia a situação em Tegucigalpa?
Entendo que o Brasil não se envolveu na operação, que foi organizada por venezuelanos, cubanos, nicaraguenses e a FMLN de El Salvador. Um avião venezuelano pousou com Zelaya em Ilopango, El Salvador. Queriam levá-lo para a representação da ONU em Tegucigalpa. Mas como Chávez não consegue ficar calado, o público foi alertado, rodeou a missão e lá se foram com Zelaya para a embaixada brasileira. Sei que telefonaram para Celso Amorim, e o que ele podia fazer? Não teve escolha a não ser dizer sim. Mas é o tipo de coisa de que o Brasil não gosta – esse clima de faroeste em diplomacia. A operação, com os detalhes sabidos até agora, vai contra tudo que conhecemos sobre o comportamento do Itamaraty.
No começo do incidente, o senhor especulou se o secretário-geral do Itamaraty, Samuel Pinheiro Guimarães, não teria conhecimento prévio do plano. Por quê?
Sim, quando soube que o embaixador titular em Tegucigalpa não estava presente, apenas o encarregado de negócios. Porque é o tipo de coisa de que Samuel é capaz. Mas foi pura especulação. Não consigo acreditar que Lula ou Celso Amorim, sempre responsáveis e comedidos em sua conduta em política externa, tivessem participado da conspiração – porque ela coloca o Brasil numa situação delicada. Se Micheletti decidir, pode chegar e dizer: “Nós respeitamos a inviolabilidade da embaixada brasileira e assim damos salvo-conduto para Zelaya ir ao aeroporto e se asilar “. E, assim, o Brasil teria que ficar com Zelaya.
Por que o senhor considera a posição do Brasil embaraçosa?
Porque coloca sobre o Brasil a responsabilidade de corrigir um precedente perigoso. Não se pode fomentar uma insurreição política de dentro de uma embaixada. Estamos brincando com fogo aqui. Ao longo dos anos, milhares de latino-americanos salvaram suas vidas lançando mão do direito ao asilo político. Nós (mexicanos) abrigamos o presidente Héctor Cámpora na nossa embaixada em Buenos Aires e o drama se estendeu por mais de dois anos. Ele queria sair e o governo argentino não dava o salvo-conduto. No final, ele saiu por motivos humanitários, sofrendo com um tumor até morrer, no México, em 1980. A distinção entre o perseguido político e pessoas que estão fugindo da Justiça por motivos não políticos é fundamental. O princípio do asilo tem que ser preservado.
O senhor escreveu, no começo da crise, que era importante levar em conta as condições do golpe.
É, por definição, um golpe e deveria mesmo ter sido denunciado. Mas é um golpe em que os civis mantêm controle sobre as Forças Armadas e o calendário eleitoral intacto. O governo de facto é apoiado pelas principais instituições do país. Não houve prisões em massa ou tortura. Houve violações de direitos humanos nos protestos de rua, isso é deplorável e deve ser investigado. Mas é preciso deixar claro que não estamos falando do estádio de futebol de Santiago, nem de uma campanha sistemática de perseguição.
Como o senhor observou essa ironia de um episódio que coloca os governos Obama e Chávez no mesmo campo, já que ambos condenaram a deposição de Zelaya?
O governo dos EUA tem o coração no lugar certo e a mente em lugar nenhum. Mas não quer ser visto como cúmplice de um golpe. Barack Obama e Hillary Clinton estão cientes do envolvimento americano em episódios horríveis ao longo dos anos. Só acho que não elaboraram o quadro de maneira satisfatória, não só por causa das circunstâncias, mas por conta dos desdobramentos: as eleições já estavam marcadas. Todas as eleições que vêm de um governo autoritário são, por definição, ilegítimas? Se for assim, até Tancredo Neves poderia ser chamado de ilegítimo porque foi escolhido pelo general Figueiredo. Ou Patricio Aylwin, no Chile, Vicente Fox, no México, ou Lech Walesa, na Polônia. No entanto, ninguém se opôs a eles. São frutos de regimes ilegítimos que promoveram eleições. O argumento é estúpido. Como os americanos não pensaram bem, agora estão numa situação desconfortável. Aqui