Gilmar Mendes: ações de improbidade de encomenda
Por Rui Nogueira, no Estadão deste domingo:Gilmar Ferreira Mendes, de 51 anos, vice-presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), não tem dúvida de que o País enfrenta um problema na aplicação da Lei de Improbidade. Em síntese, diz que há muitas ações “feitas de encomenda”, além de denúncias que sofrem pura e simplesmente de um mal […]
Gilmar Ferreira Mendes, de 51 anos, vice-presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), não tem dúvida de que o País enfrenta um problema na aplicação da Lei de Improbidade. Em síntese, diz que há muitas ações “feitas de encomenda”, além de denúncias que sofrem pura e simplesmente de um mal jurídico que ele chama de “inépcia absoluta”.
Na visão do ministro, a embocadura político-partidária de procuradores que durante muito tempo se especializaram em alvejar integrantes do primeiro e segundo escalões do governo Fernando Henrique Cardoso (1995-2002) banalizou o uso da Lei de Improbidade Administrativa, aprovada em 1992. Essas ações estão hoje no centro de um julgamento no Supremo, sem data prevista para o término, mas com 7 dos 11 votos já proferidos.
O STF está julgando o caso do embaixador Ronaldo Sardenberg, ex-ministro de Ciência e Tecnologia (1999-2002) e atual presidente da Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel), acusado pelo Ministério Público de improbidade por ter usado um avião da Força Aérea Brasileira (FAB) para viajar em férias a Fernando de Noronha (PE). Sardenberg quer anular a ação, sob o argumento de que ela só poderia ter sido aberta no Supremo, não na primeira instância – seis votos da corte concordam com a defesa. O ex-ministro alega que manteve direito a foro privilegiado porque o ato foi praticado quando estava no governo.
Entidades de juízes, dos membros do Ministério Público (Conamp) e dos procuradores da República (ANPR) dizem que a vitória de Sardenberg vai invalidar cerca de 10 mil processos contra políticos e outros agentes públicos processados sob acusação de corrupção e desvio de dinheiro. Para o ministro Gilmar Mendes, o julgamento do Supremo sobre o caso Sardenberg não extingue as ações de improbidade administrativa. “Pode, isso sim, botar ordem nas coisas”, afirmou.
Na opinião dele, transformar faltas relevantes e graves do ponto de vista moral e administrativo em crimes de improbidade “é uma apropriação de instituições para fins político-partidários”. Na entrevista ao Estado, ele chegou a citar o caso do processo em que os procuradores pedem que o ex-ministro da Fazenda Pedro Malan (1995-2002) “devolva milhões” ao erário por ter autorizado pagamentos a correntistas de bancos que haviam sofrido intervenção a partir de 1995, em operação ligada ao Proer, o Programa de Reestruturação do Setor Financeiro.
“O ministro (Malan) agiu como agente do Estado”, diz Mendes, que não deixa de considerar o Ministério Público uma instituição “relevantíssima e indispensável”. A seguir, os principais trechos da entrevista:
Quando o sr. fala em “inépcia” nas denúncias oferecidas por alguns procuradores, a que tipo de denúncia está se referindo?
O Artigo 41 do Código do Processo Penal é muito preciso ao enunciar os requisitos para que alguém seja denunciado. É preciso expor o fato supostamente criminoso, qualificar o acusado e sua responsabilidade. Prevê ainda que a denúncia será rejeitada se, entre outros motivos, o fato narrado não constituir crime. Não raro, denúncias são apresentadas sobre fatos que podem ser relevantes e graves do ponto de vista moral e administrativo, mas que não configuram crimes. Outras vezes, não se consegue imputar qualquer nexo de responsabilidade entre o autor e o suposto fato criminoso. No Estado de Direito não existem soberanos. Todos, felizmente, estão submetidos às regras previamente fixadas, sejam eles juízes, policiais ou membros do Ministério Público. (…)
Mas isso [uso político do Ministério Público] é tão freqüente, a ponto de configurar ação política?
Sim, é freqüente. Muito mais do que se imagina. Repito: há algo organizado, ainda que esse tipo de conduta seja imputável não ao Ministério Público enquanto instituição, mas a um dado grupo. (…)
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