FHC e a “direita”
Alguns leitores me pedem que comente o primeiro parágrafo do artigo de FHC. De certo modo, já comentei naquele texto imenso da madrugada. Mas vamos lá: O presidente Lula passa por momentos de euforia que o levam a inventar inimigos e enunciar inverdades. Para ganhar sua guerra imaginária distorce o ocorrido no governo do antecessor, […]
Alguns leitores me pedem que comente o primeiro parágrafo do artigo de FHC. De certo modo, já comentei naquele texto imenso da madrugada. Mas vamos lá:
O presidente Lula passa por momentos de euforia que o levam a inventar inimigos e enunciar inverdades. Para ganhar sua guerra imaginária distorce o ocorrido no governo do antecessor, autoglorifica-se na comparação e sugere que se a oposição ganhar será o caos. Por trás dessas bravatas estão o personalismo e o fantasma da intolerância: só eu e os meus somos capazes de tanta glória. Houve quem dissesse: “O Estado sou eu.” Lula dirá: “O Brasil sou eu!” Ecos de um autoritarismo mais chegado à direita.
Comento
FHC não fez, de fato, um governo de esquerda. Ele também não foi de direita. As políticas que assistem os mais pobres, hoje reunidas no Bolsa Família, já disse, não integram nenhum receituário do esquerdismo. As “privatizações”, por seu turno, não são necessariamente matéria de ideologia — ou Ernesto Geisel, que fez o contrário, seria o nosso maior comunista; o general foi o maior criador de estatais — atenção! — DO MUNDO! De certo modo, estamos de volta a um geiselismo, agora gerenciado pela nova classe social, a burguesia do capiutal alheio.
Não obstante, os tucanos têm, como chamarei?, vínculos afetivos com a esquerda. A afirmação de FHC segundo a qual Lula ecoa um “autoritarismo mais chegado à direita” é, entendo, despropositada. Porque se atém, no máximo, às aparências: governos de direita seriam mais personalistas — como os vários fascismos europeus deixariam claro — do que governos de esquerda. Trata-se de uma formulação fraca, mal pensada.
O Getúlio cantado em prosa e verso pelas esquerda é justamente o Getúlio fascistóide, e FHC sabe muito bem disso. “A URSS sou eu” é uma frase que Stálin poderia ter dito sem fazer qualquer injustiça aos fatos. Churchill, um “direitista”, teve o papel que se conhece na resistência ao nazi-fascismo. A frase de FHC pode até ter seu charme quando se trata de provar que o governo Lula não é, vá lá, SÓ de esquerda. Mas atenção! As suas virtudes estão justamente nas ações que NÃO SÃO DE ESQUERDA. POR QUE O GOVERNO LULA NÃO PODE SER CHAMADO DE RUIM POR AQUILO QUE TEM DE ESQUERDISTA?
O artigo ajuda, nesse particular, a espalhar um preconceito que tem feito mal ao Brasil e à política. A chamada “direita” é satanizada por princípio, e, pois, basta que alguém fale em nome de valores supostamente progressistas ou que esteja ligado a partidos de esquerda para que seja considerado, também em princípio, digno.
Entendo que esse preconceito dos tucanos e dos progressistas em geral permitiu que prosperasse boa parte da picaretagem petista. O PSDB sempre teve um enorme receio de confrontar o petismo, como se acreditasse que, de fato, ele teria especial intimidade com as causas populares. “Causas populares”? FHC sabe que o PT se pretende um ente de razão que instrumentaliza as ditas causas por intermédio de seus aparelhos — E ISSO, PRESIDENTE, É COISA TIPICAMENTE ESQUERDISTA.
Querem saber? Sou tentado às vezes a achar que o Brasil precisa é de um novo partido, livre desse acabrunhamento que impede que as coisas sejam chamadas pelo nome que têm. Querem um exemplo de coragem, que não precisa se explicar diante de tribunal esquerdista? A senadora Kátia Abreu (DEM-TO), por exemplo. Sua defesa da produção é de esquerda ou de direita? De esquerda, com certeza, não é. Mas para merecer a pecha de “direita” como uma ofensa, será antes preciso provar que seus números estão errados. E isso, até agora, ninguém conseguiu. É por isso que, entendo, ela hoje transcende essa doxa mixurica do nosso doce e terno esquerdismo salvacionista. Sei não… Acho que antevejo novidades no futuro, além da bruma espessa. Mas isso fica para outros carnavais.
Essa é minha discordância do artigo. O resto é de uma precisão cirúrgica, embora inoportuna.