FALHAS E FALÁCIAS LÓGICAS
Falemos um pouco de lógica e de teoria política, com algum latinório. Um dos erros mais estúpidos de lógica que se cometem por aí é aquele sintetizado na expressão latina “post hoc, ergo propter hoc”. Ou: “depois disso, logo, por causa disso”. De maneira mais geral, toma-se o que é mera correlação como relação de causa […]
Falemos um pouco de lógica e de teoria política, com algum latinório.
Um dos erros mais estúpidos de lógica que se cometem por aí é aquele sintetizado na expressão latina “post hoc, ergo propter hoc”. Ou: “depois disso, logo, por causa disso”. De maneira mais geral, toma-se o que é mera correlação como relação de causa e efeito.
O exemplo clássico, já dado pelos escolásticos, era este: “O galo sempre canta antes de nascer o sol. Logo, o sol nasce porque o galo canta”. Assim, se a gente estrangula o galo, consegue prolongar a noite, certo?
Em política, isso é muito comum. Já chego lá.
Outra expressão latina também ilustra o que quero dizer: “Cui bono?” Vem lá dos tempos de Cícero. Na tradução literal: “A quem aproveita?” Em linguagem mais compreensível: “A quem interessa?” Na investigação criminal, tal indagação é um dos caminhos a seguir. Alguém é assassinado em circunstâncias misteriosas. A primeira coisa a fazer é saber quem lucraria com aquela morte. Mas notem: aí está, também, a causa de escandalosos erros judiciais. Toda a literatura policial é construída sobre falsos indícios: a indagação “Cui bono?” (ou “cui prodest?”) conduz a uma resposta errada.
À política. Tomemos a crise no Senado. “Cui Bono? Cui prodest?” A respostas óbvia: à oposição. Então ela criou a crise! Mas esperem: parte dela ajudou a eleger Sarney. Outra resposta, esta menos óbvia: interessa a Lula. Sim, a lambança fortalece o Executivo e enfraquece o Legislativo. Mas a conclusão de que Lula criou a crise é igualmente falsa. O fato de que tanto a oposição como o presidente obtenham vantagens com a bagunça não lhes confere a autoria. A conseqüência da crise não é causa da crise; seus beneficiários não são necessariamente seus causadores.
Na análise política, essas confusões são muito comuns. Mas por que comecei a falar sobre esse assunto.
Chegaram algumas dezenas de comentários atribuindo a possível candidatura de Marina Silva à Presidência a uma articulação maquiavélica de… José Serra. Eu acho que Lula estava forçando uma disputa plebiscitária. Dadas a sua popularidade e a virulência de que é capaz em cima de um palanque, acredito que tal perspectiva lhe era, de fato, positiva. Assim, a eventual candidatura de Marina, uma dissidente do petismo, caso venha de fato a acontecer, pode, sim, ser útil para Serra e prejudicial a Dilma, uma desafeta de Marina. Nem todo mundo concorda com isso, sei bem.
Digamos que tal juízo esteja certo. Ser a dissidência de Marina útil para Serra (se é que é) não o torna seu causador. Independentemente do que Marina pensa — e eu não tenho nenhum apreço por suas idéias —, eu folgaria em saber que as oposições já andam com uma articulação tão avançada. Creio, no entanto, que a unidade necessária ainda está em processo de construção.