Fala o chefe dos “backstreet boys” da censura
Romão [José Eduardo Elias Romão], a quem quero pagar um Chicabom, concede uma entrevista à Folha desta segunda. Os Menudos da Censura começam a mostrar a cara. O moço tem 33 anos — ainda não poderia ser senador ou presidente da República —, mas pretende ter o direito de dizer em que horário nós e […]
Quando comecei a ler a entrevista, achei que o repórter Pedro Dias Leite iria perguntar ao rapaz alguma coisa sobre a corrente de que ele é hoje o prosélito mais poderoso: o “Direito Achado na Rua”. Infelizmente, não foi o caso. O Direito Achado na Rua acredita que a Justiça é palco da luta de classes e que é o ambiente adequado para combater aquele modelo econômico terrível em que o homem explora o homem. Eles pretendem inverter isso. E não me acusem de simplificar porque tenho a bíblia dos valentes aqui na minha biblioteca. Já publiquei trechos. Publicarei mais. O que vai acima não é exato porque sou bem-humorado. Eles não são. Os backstreet boys caipiras se levam a sério.
Na entrevista, o rapaz nega que esteja tentando implementar a censura etc e tal. A resposta de Romão para a primeira pergunta já é notavelmente estúpida, além de baseada numa inconstitucionalidade. Vejam só:
FOLHA – Críticos vêem a instituição da classificação indicativa como uma volta da censura. Como o sr. responde?
JOSÉ EDUARDO ELIAS ROMÃO – A classificação surge para afastar a censura.
Trata-se, obviamente, de um juízo perturbado, indigno de quem é formado em direito, com mestrado e doutorado em curso. É no que dá achar direito na rua, em vez de na Constituição. A “classificação surge para afastar a censura” uma pinóia!!! Não existe censura prévia no Brasil. Fica até parecendo que o Menudo está nos fazendo um favor. Aí ele continua:
A classificação não impõe censura, é somente indicativa. Um órgão que só tem o poder de indicar, mas não tem autoridade para punir ou policiar, não pode exercer censura. A Divisão de Censura, anterior à Constituição de 88, tinha o poder de cercear, proibir, multar, restringir o acesso, cancelar a veiculação de notícias. E poder algum tem o Dejus. Em casos de inadequação, o Ministério da Justiça classifica ou reclassifica o produto, encaminha ao Ministério Público, que vai analisar sua procedência, e pode encaminhar ao Judiciário. As emissoras que descumprirem uma classificação do Ministério da Justiça não sofrerão qualquer punição. Nunca houve tanta liberdade.
É essa aparente suavidade dos backstreet boy do direito que acho insuportável. A partir da ação proposta pelo Ministério Público, caso aceita pela Justiça, a emissora pode, sim, ser punida. Quem disse que não? Mais: ele nega na entrevista que o jornalismo não possa estar sob a vigilância dos Menudos. Não é verdade. Diogo Mainardi já demonstrou que a portaria é ampla o bastante para alcançar os programas jornalísticos. E o que significa a frase “nunca houve tanta liberdade”? Houve, sim. Em parte do governo Sarney, no governo Collor, no governo FHC… O que nunca antes houve nestepaiz, Romão Chicabom, é outra coisa: tentativa de usar a democracia para instituir a censura. Isso é inédito.
Prestem atenção nesta pergunta e nesta resposta:
FOLHA – E censura prévia? O ministério pode de fato analisar antes o que é veiculado na TV?
ROMÃO – A idéia de censura prévia está sempre associada à possibilidade de a autoridade ter o corte, impedir que seja exibido. O ministério, nessa portaria, transformou a análise prévia numa decisão das emissoras. É uma exceção. Se a emissora solicita dispensa da análise prévia e não justifica a razão pela qual classificou como livre um conteúdo com cenas inadequadas, como sexo explícito ou grave violência, cabe ao ministério reclamar que a emissora apresente o conteúdo para ser examinado.
OU SEJA: É CENSURA PRÉVIA. DISFARÇADA, MAS É.
Mais uma:
FOLHA – Sua equipe também é jovem e mal-remunerada. A média da faixa etária não passa de 30 anos e o salário é baixo.
ROMÃO – Não tem como dourar a pílula, é mal-remunerada, R$ 1.200 é insuficiente. O ponto para nós aqui é que, até agora, existem acúmulos nesse processo que transcendem a minha experiência e a capacidade de minha equipe. Mas há uma vantagem nessas pessoas que têm uma média de idade com certeza muito abaixo da dos censores, que eram pessoas muito mais velhas. Esse grupo se abre e se obriga a se vincular a um processo, do qual participam necessariamente outras tantas experiências. A maior vantagem é saber que há tantos limites que só um método democrático pode nos levar a superá-los. Não há qualquer pretensão de travestir-se em superego das famílias brasileiras. Se ainda tenho dificuldades, como todo pai, para educar, fazer opção dos meus próprios filhos, quem diria fazer opção para os filhos de todas as pessoas de nosso país. É por vivenciar as dificuldades dos pais, que de modo algum poderia colocar dificuldades.
Rá, rá, rá. Quem se sujeita a receber R$ 1.200 para decidir o que os outros podem ou não ver na TV ou é incompetente ou tem alma de censor, topando fazer o trabalho por qualquer dinheiro — vale dizer: é uma vocação. O resto da resposta é enrolação pura. Separei a resposta frase por frase e descobri que ela não quer dizer nada. “Esse grupo se abre e se obriga a se vincular a um processo, do qual participam necessariamente outras tantas experiências.” Huuummm… Do que ele está falando? A descrição serve para muita coisa: pode definir tanto um culto ecumênico como uma suruba.
E isso nos remete a uma outra questão. A entrevista não toca no manual que pretende guiar os Menudos de Romão. É aquele que atribui pontos para os conteúdos analisados. Violência pode? Não pode. Quer dizer: depende. Ela atende a alguns princípios considerados meritórios pelo grupo ou não? E sexo? A mesma coisa. Tudo vai depender de os mal-remunerados de Romão acharem que as cenas ajudam ou não na construção de uma sociedade mais justa. Mas o que é uma sociedade mais justa? É aquela que os Menudos acharem que é.
PS: Ah, sim. Se vocês lerem a entrevista, o rapaz fala até sobre sexo com e sem penetração. Eu, hein… Achei que a cota de literatura fescenina do poder se limitava a Lula (guia do Ponto G), Tarso Genro (como poeta), Eros Grau (como cronista de vulvas flatulentas) e Marta Suplicy, que padece de incontinência verbal. Se esse governo piorar um pouco, melhora.