EUA – Da próxima, prometo não baratear o pânico de novo. Ou: Que pena não poder vencer os reacionários com um golpe iluminista, né?
Também eu me vi tentado a ficar desarvorado na segunda e na terça, anunciando a proximidade do Armagedão, atribuindo, claro!, a culpa aos republicanos — em particular ao Tea Party, mas preferi ler com atenção a imprensa americana, em especial a mais fanaticamente democrata, como o NYT. Era evidente que um acordo se desenhava, conforme […]
Também eu me vi tentado a ficar desarvorado na segunda e na terça, anunciando a proximidade do Armagedão, atribuindo, claro!, a culpa aos republicanos — em particular ao Tea Party, mas preferi ler com atenção a imprensa americana, em especial a mais fanaticamente democrata, como o NYT. Era evidente que um acordo se desenhava, conforme escrevi aqui na terça e na quarta. Trata-se de uma solução temporária, como têm sido os últimos acordos na área. É claro que os republicanos precisam de João Santana, de um Duda Mendonça, de um sei-lá-lá-que-outro-especialista habilitado a transformar sapos em príncipes e borralheiras em princesas. O estresse gerado pela possibilidade do calote recai quase todo sobre os seus ombros. Aqueles que os censuram, obviamente, não estão preocupados com a sua reputação.
Uma democracia vai mal quando seus protagonistas e quando os representantes dos Poderes atuam fora da lei — ou quando reivindicam da sociedade licença para isso, por meio do proselitismo político. Quando, por exemplo, juízes acham normal, aceitável e democrático que um prédio público, ou pertencente a uma coletividade, seja ocupado por uma minoria, que se manifesta como bando, então a democracia desse país está doente. Quando um governante usa a máquina pública para fazer campanha e não separa ação de governo de ação de partido, então é certo que essa democracia está exibindo sinais de esclerose. Quando um parlamentar vota assim ou assado a depender das relações de troca que estabeleça com o Executivo, é sinal de que a representação está aviltada.
Quando, no entanto, homens públicos — sejam eles azuis ou vermelhos, aqui ou nos EUA — transitam dentro do espaço que lhe oferece a institucionalidade —, a democracia vai bem, embora ela possa nos parecer insuportável às vezes, especialmente quando aqueles que exercem as prerrogativas garantidas em lei são as pessoas que detestamos. Nessas horas, há sempre a tentação do murro na mesa e do, como chamarei, “golpe iluminista”, que seria uma virada de mesa em nome da Razão e do bem. Mais ou menos como Díon tentando fazer Dionísio II conciliar a soberba da tirania com as delicadezas do pensamento. A referência, mais uma vez, é a Carta VII de Platão. O pensamento “progressista” é sempre tentado pela tirania virtuosa.
“Ah, Reinaldo não reconhece o exagero do Tea Party…” Eu não reconheço é a satanização de forças políticas que se orientam dentro das regras. Até porque quem demoniza os que seguem as leis costuma ser tolerante com os que não seguem. Pergunte a qualquer “progressista” brasileiro o que ele pensa do Tea Party. Indague, em seguida, como analisa, no Brasil, a ação de sindicalistas de extrema esquerda, de invasores de terra, de invasores de prédios públicos…
“Ah, Reinaldo ignora que o mundo caminharia para o caos sem o acordo.” Só aconteceria se Obama quisesse; se o seu orgulho pessoal lhe parecesse mais importante que o calote. O impasse existia porque havia dois lados na questão, porque havia um choque de duas vontades.
Os republicanos e o Tea Party representam o eleitorado americano com a mesma verdade e legitimidade com que Barack Obama é presidente da República. E essa representação se dá nos marcos de uma legislação democrática. Admito que alguém possa achar, sei lá, que Obama é bem melhor do que o americano médio, do que os ignorantes lá dos cafundós do Tio Sam. Bem, eu aprecio valentias intelectuais. Seria o caso de defender, então, uma espécie de nota de corte ideológica na hora do voto. Uma vez identificado que o sujeito se inclina para o conservadorismo ou que não é inteligente o bastante (como se sabe, “progressismo”, para os progressistas, é igual a inteligência), que se lhe casse o direito de voto. A democracia seria, assim, uma disputa entre pares, entre iguais, entre progressistas. Já houve esse regime na França, entre 1792 e 1794. Não cassava direito de voto. Caçava cabeças.
Taí. O mundo não vai acabar. Nunca achei que fosse. Da próxima, prometo não baratear o pânico de novo.