Eu, Los Hermanos, Bono e você
Eu, hein!!! Tou acostumado a levar porrada dos petralhas, como deixo claro no vídeo que está aí do lado. De vez em quando, algum representante do complexo “PUCUSP” também fica zangado e diz que tenho inveja de acadêmicos. É mesmo, é? Do quê? Da fama, da glória ou da fortuna? Talvez da vida boa, vá […]
Ainda no Primeira Leitura, no começo de 2006, afirmei que não entendia tanta histeria para ver Bono Vox. E a razão do meu espanto era simples, confessei: eu não poderia distingui-lo de uma fatia de presunto. Não sabia mesmo quem era. A indignação foi grande. Um monte de gente quis fazer um “domingo sangrento” comigo. Cheguei a escrever um artigo no Globo a respeito — segue no pé deste post.
O protesto de agora é por causa dos Los Hermanos. E olhem que, desta feita, apenas fiz o clipping de uma reportagem da VEJA. Nem me posicionei. Até porque precisei pedir a assessoria das minhas filhas — de pronto fornecida pela mais nova, de 10 anos: “ML, canta a música mais famosa de Los Hermanos pro papai saber se já ouviu alguma vez”. E ela: “Nossa, pai! Vai dizer que você não conhece ‘Ô Ana Júúúlia-ááá…” É claro que eu conhecia. Então são eles?
Mas estão me esculhambando de um jeito! Não exibo a minha ignorância por afetação. Não saber o que cantam ou cantavam Los Hermanos não qualifica ninguém. Idem para o contrário. O que parece, no entanto, inegável, a julgar pela quantidade de ofensas, é que os rapazes têm mesmo uma legião de fãs.
De fato, estamos um tanto desacostumados à crítica cultural — especialmente se ela vem acompanhada de algum humor. Abaixo, segue o meu texto em O Globo, escrito em fevereiro do ano passado. O título: “Eu, Bono e você”.
Escrevi certa feita que Drummond era um poeta preguiçoso e que Guimarães Rosa era metafisicamente primitivo, mas com rococós para seduzir deslumbrados. Prefiro Cecília Meireles, Mário Faustino, Bruno Tolentino e Graciliano Ramos. Apanhei. Um sujeito mandou-me uma miniatura do meu caixão. Não chegou uma só evidência de que um se preocupasse com o labor no verso ou de que o outro tivesse desvendado uma moralidade ao menos vizinha da de um Dostoiévski. Só os “Como ousa?”; “Quem você pensa que é?”; “Cortem-lhe a cabeça!”…
Num país de iletrados profissionais, os protestos foram poucos. A fama me chegou, de fato, com corrente no Orkut (dizem; nunca acessei) e tudo, porque escrevi, no “Primeira Leitura”, um texto afirmando que não saberia distinguir o U2 de uma fatia de presunto. Os e-mails já passam de uma centena. Parte é impublicável. Estou surpreso. Disse apenas que nunca tinha ouvido sua música.
Incidentalmente, já ouvi “Minha egüinha Pocotó” e uma senhora que diz indecências fazendo trocadilho com o nome de um fogão (ah, as glórias da democracia!, como diria o Hamas). Sei até o que é Carlinhos Brown: eu investigaria, por amor à especulação antropológica, a possível relação inversamente proporcional entre civilização e percussão. Mesmo tão sabido, eu seria incapaz de dizer “Isso é U2”, assim como posso dizer “Isso é Mozart, Caetano Veloso ou Nelson Ned”.
Bono Vox, para mim, era só um senhor maduro, com óculos ridículos, que vive pendurado em poderosos do Bird e do FMI a cobrar ajuda aos oprimidos, aos famintos, aos monges do Tibete e aos pandas — essas apaixonantes razões para sair da cama. Eu estava espantado com o qüiproquó por causa da compra de ingressos para o show. Como cheguei aos 44 anos sem ter ouvido U2, sem partilhar dessa emoção?
Vi Bono Vox ao lado de Armani em Davos pedindo mais justiça. Depois, Gilberto Gil “encantou a todos os presentes com sua música soberba e vivaz”, como diria Amaury Jr. O U2 faz proselitismo de tudo quanto é nulidade terceiro-mundista. O Hamas está precisando agora de uma fachada mais soft. Chamem Bono. Ele gosta de Lula e quer o perdão para a dívida de países da África. Nunca mais o dinheiro desviado por ditadores sanguinários, nativistas e antiimperialistas — os amigos de Kofi Annan — será recuperado. Leio no GLOBO que, para Bono, “o Brasil é a extremidade (!?) sexy do catolicismo”. Quem precisa de Bento XVI? Eis aí a verdadeira Teologia da Libertação. O resto é Boff.
Há gente menos tolerante do que os petistas de Dirceu, aquele que marcha com broche de Hugo Chávez: os fãs do U2. Alguns ainda tentaram me livrar das trevas da ignorância. A maioria pegou pesado. Uma jornalista disse que eu ocupava o lugar de pessoas competentes — ela, por exemplo… E pediu minha cabeça ao diretor de redação. Respondi que era eu o dito-cujo e não poderia fazer como o Barão Munchausen: exibir a própria cachola. Ela ficou inconsolável e foi ouvir Bono Vox.
A maioria quer uma lei que me proíba, ou a qualquer um, de escrever que rock depois dos 25 é caso de surdez ou de debilidade mental. Também há indignação porque afirmei que jamais iria à praia ver Mick Jagger, à beira dos 70, rebolar o traseiro murcho. Como os petistas, pedem a minha demissão. A Bono, tudo! A Reinaldo, a miséria, a fome, a morte à míngua: “Ele não gosta do que a gente gosta e tem a ousadia de falar isso.” A onda é sair do armário. Qualquer tara, hoje em dia, merece ser protegida por um estatuto de minoria. Só não se pode falar mal de Bono Vox. Um outro exige “direito de resposta”. Escrevi que as letras do U2 são coisa de/para gente de miolo mole. Ofendeu-se. Convoca-me para um domingo sangrento.
Passo boa parte do meu tempo lendo teoria política e escrevendo sobre o tema. É uma perda de tempo. Vou me dedicar a esculhambar roqueiros e pacifistas. Também vou falar mal de comida japonesa. Todo mundo que se julga inteligente gosta de comida japonesa. Provarei que estão duplamente enganados.