Relâmpago: Digital Completo a partir R$ 5,99
Imagem Blog

Reinaldo Azevedo

Por Blog Materia seguir SEGUIR Seguindo Materia SEGUINDO
Blog do jornalista Reinaldo Azevedo: política, governo, PT, imprensa e cultura

Eu, Los Hermanos, Bono e você

Eu, hein!!! Tou acostumado a levar porrada dos petralhas, como deixo claro no vídeo que está aí do lado. De vez em quando, algum representante do complexo “PUCUSP” também fica zangado e diz que tenho inveja de acadêmicos. É mesmo, é? Do quê? Da fama, da glória ou da fortuna? Talvez da vida boa, vá […]

Por Reinaldo Azevedo Atualizado em 31 jul 2020, 22h16 - Publicado em 4 ago 2007, 16h02
Eu, hein!!! Tou acostumado a levar porrada dos petralhas, como deixo claro no vídeo que está aí do lado. De vez em quando, algum representante do complexo “PUCUSP” também fica zangado e diz que tenho inveja de acadêmicos. É mesmo, é? Do quê? Da fama, da glória ou da fortuna? Talvez da vida boa, vá lá… Mas apanhar de especialistas em música é coisa rara no meu currículo. Já ocorreu antes, é verdade.

Ainda no Primeira Leitura, no começo de 2006, afirmei que não entendia tanta histeria para ver Bono Vox. E a razão do meu espanto era simples, confessei: eu não poderia distingui-lo de uma fatia de presunto. Não sabia mesmo quem era. A indignação foi grande. Um monte de gente quis fazer um “domingo sangrento” comigo. Cheguei a escrever um artigo no Globo a respeito — segue no pé deste post.

O protesto de agora é por causa dos Los Hermanos. E olhem que, desta feita, apenas fiz o clipping de uma reportagem da VEJA. Nem me posicionei. Até porque precisei pedir a assessoria das minhas filhas — de pronto fornecida pela mais nova, de 10 anos: “ML, canta a música mais famosa de Los Hermanos pro papai saber se já ouviu alguma vez”. E ela: “Nossa, pai! Vai dizer que você não conhece ‘Ô Ana Júúúlia-ááá…” É claro que eu conhecia. Então são eles?

Mas estão me esculhambando de um jeito! Não exibo a minha ignorância por afetação. Não saber o que cantam ou cantavam Los Hermanos não qualifica ninguém. Idem para o contrário. O que parece, no entanto, inegável, a julgar pela quantidade de ofensas, é que os rapazes têm mesmo uma legião de fãs.

De fato, estamos um tanto desacostumados à crítica cultural — especialmente se ela vem acompanhada de algum humor. Abaixo, segue o meu texto em O Globo, escrito em fevereiro do ano passado. O título: “Eu, Bono e você”.

Continua após a publicidade

Escrevi certa feita que Drummond era um poeta preguiçoso e que Guimarães Rosa era metafisicamente primitivo, mas com rococós para seduzir deslumbrados. Prefiro Cecília Meireles, Mário Faustino, Bruno Tolentino e Graciliano Ramos. Apanhei. Um sujeito mandou-me uma miniatura do meu caixão. Não chegou uma só evidência de que um se preocupasse com o labor no verso ou de que o outro tivesse desvendado uma moralidade ao menos vizinha da de um Dostoiévski. Só os “Como ousa?”; “Quem você pensa que é?”; “Cortem-lhe a cabeça!”…

Num país de iletrados profissionais, os protestos foram poucos. A fama me chegou, de fato, com corrente no Orkut (dizem; nunca acessei) e tudo, porque escrevi, no “Primeira Leitura”, um texto afirmando que não saberia distinguir o U2 de uma fatia de presunto. Os e-mails já passam de uma centena. Parte é impublicável. Estou surpreso. Disse apenas que nunca tinha ouvido sua música.

Incidentalmente, já ouvi “Minha egüinha Pocotó” e uma senhora que diz indecências fazendo trocadilho com o nome de um fogão (ah, as glórias da democracia!, como diria o Hamas). Sei até o que é Carlinhos Brown: eu investigaria, por amor à especulação antropológica, a possível relação inversamente proporcional entre civilização e percussão. Mesmo tão sabido, eu seria incapaz de dizer “Isso é U2”, assim como posso dizer “Isso é Mozart, Caetano Veloso ou Nelson Ned”.

Continua após a publicidade

Bono Vox, para mim, era só um senhor maduro, com óculos ridículos, que vive pendurado em poderosos do Bird e do FMI a cobrar ajuda aos oprimidos, aos famintos, aos monges do Tibete e aos pandas — essas apaixonantes razões para sair da cama. Eu estava espantado com o qüiproquó por causa da compra de ingressos para o show. Como cheguei aos 44 anos sem ter ouvido U2, sem partilhar dessa emoção?

Vi Bono Vox ao lado de Armani em Davos pedindo mais justiça. Depois, Gilberto Gil “encantou a todos os presentes com sua música soberba e vivaz”, como diria Amaury Jr. O U2 faz proselitismo de tudo quanto é nulidade terceiro-mundista. O Hamas está precisando agora de uma fachada mais soft. Chamem Bono. Ele gosta de Lula e quer o perdão para a dívida de países da África. Nunca mais o dinheiro desviado por ditadores sanguinários, nativistas e antiimperialistas — os amigos de Kofi Annan — será recuperado. Leio no GLOBO que, para Bono, “o Brasil é a extremidade (!?) sexy do catolicismo”. Quem precisa de Bento XVI? Eis aí a verdadeira Teologia da Libertação. O resto é Boff.

Há gente menos tolerante do que os petistas de Dirceu, aquele que marcha com broche de Hugo Chávez: os fãs do U2. Alguns ainda tentaram me livrar das trevas da ignorância. A maioria pegou pesado. Uma jornalista disse que eu ocupava o lugar de pessoas competentes — ela, por exemplo… E pediu minha cabeça ao diretor de redação. Respondi que era eu o dito-cujo e não poderia fazer como o Barão Munchausen: exibir a própria cachola. Ela ficou inconsolável e foi ouvir Bono Vox.

Continua após a publicidade

A maioria quer uma lei que me proíba, ou a qualquer um, de escrever que rock depois dos 25 é caso de surdez ou de debilidade mental. Também há indignação porque afirmei que jamais iria à praia ver Mick Jagger, à beira dos 70, rebolar o traseiro murcho. Como os petistas, pedem a minha demissão. A Bono, tudo! A Reinaldo, a miséria, a fome, a morte à míngua: “Ele não gosta do que a gente gosta e tem a ousadia de falar isso.” A onda é sair do armário. Qualquer tara, hoje em dia, merece ser protegida por um estatuto de minoria. Só não se pode falar mal de Bono Vox. Um outro exige “direito de resposta”. Escrevi que as letras do U2 são coisa de/para gente de miolo mole. Ofendeu-se. Convoca-me para um domingo sangrento.

Passo boa parte do meu tempo lendo teoria política e escrevendo sobre o tema. É uma perda de tempo. Vou me dedicar a esculhambar roqueiros e pacifistas. Também vou falar mal de comida japonesa. Todo mundo que se julga inteligente gosta de comida japonesa. Provarei que estão duplamente enganados.

Publicidade

Matéria exclusiva para assinantes. Faça seu login

Este usuário não possui direito de acesso neste conteúdo. Para mudar de conta, faça seu login

Digital Completo

Acesso ilimitado ao site, edições digitais e acervo de todos os títulos Abril nos apps*
Apenas 5,99/mês
DIA DAS MÃES

Revista em Casa + Digital Completo

Receba 4 revistas de Veja no mês, além de todos os benefícios do plano Digital Completo (cada revista sai por menos de R$ 9)
A partir de 35,90/mês

*Acesso ilimitado ao site e edições digitais de todos os títulos Abril, ao acervo completo de Veja e Quatro Rodas e todas as edições dos últimos 7 anos de Claudia, Superinteressante, VC S/A, Você RH e Veja Saúde, incluindo edições especiais e históricas no app.
Pagamento único anual de R$71,88, equivalente a R$ 5,99/mês.

PARABÉNS! Você já pode ler essa matéria grátis.
Fechar

Não vá embora sem ler essa matéria!
Assista um anúncio e leia grátis
CLIQUE AQUI.