Eu desanimado? Não. E o que é ser “nhonho”
Caros leitores estão me recomendando ânimo. Quem leu meu artigo na Veja desta semana sabe que não estou, de modo nenhum, desanimado. As palavras finais que lá estão são estas: “A luta continua”. Ao contrário até. Estou é animadíssimo. Convenham: se havia alguém que esperava esse resultado que aí está era este criado. E isso […]
Ao contrário até. Estou é animadíssimo. Convenham: se havia alguém que esperava esse resultado que aí está era este criado. E isso inclui o desempenho de José Serra em São Paulo. Escrevi 40 textos defendendo um ponto de vista não porque subestimasse Lula. Fui acusado, à época, de superestimá-lo. Quem é meu leitor habitual sabe disso. A acusação freqüente que me fazem é a de atribuir ao petismo mais inteligência política do que ele tem. Discordo, é claro. Acho que essa raça tem de ser destruída, hehe, mas eu a respeito.
Lula é um perigo? É. Eu o considero melhor do que o PT? Não. Acho que são males diferentes, mas combinados. Um serve direitinho aos propósitos do outro, embora possa haver áreas de divergência. Mas são um todo. Sem o Apedeuta, o PT não respira; sem o PT, o Apedeuta não consegue interlocução. Desanimado não. Preocupado, ah, isso sim.
E por quê? Porque os partidos de oposição não conseguem criar um setor de inteligência estratégica. Se o tivessem, é claro que viveríamos outra realidade. E isso, a despeito do lixo que possa produzir, o PT tem, sim. Conseguiu sair com notável destreza das armadilhas que plantou para si mesmo. Todas as vezes em que foi necessário à oposição demonstrar coesão e clareza de propósitos, o resultado foi o pior possível.
Eu ficaria chateado se houvesse um segundo turno? Se Alckmin ganhasse a eleição? Ora… Sei bem qual é o custo PT. Muito mais do que vocês imaginam. Mas não sou do tipo que sonha acordado. Só isso. Nem deixo que minha indignação me faça tirar o pé do chão. É até provável que eu esteja mais para o conservadorismo de Alckmin em muitos aspectos do que para o progressismo de Serra, mas eu via, com clareza que me parecia insofismável, as possibilidades de um e as impossibilidades do outro. Nada me surpreende.
Com o início do horário eleitoral, achei que assistiria a uma campanha típica de quem estava sendo derrotado no primeiro turno. Em vez disso, vi a apresentação de um candidato vitorioso, tão vitorioso quanto era e é o próprio Serra. As estéticas eram muito semelhantes, com a diferença de que Serra fica muito mais à vontade no meio do povo, passa mais espontaneidade, mas verossimilhança. Vejam quando começou o horário eleitoral e voltem ao arquivo para ler o meu primeiro texto a respeito.
Foi, para mim, mais uma evidência de que não estavam entendendo o momento; tampouco compreendendo as razões da forte liderança de Lula. A campanha começou, e as pesquisas indicavam que a distância entre ambos variava entre 9 e 12 pontos percentuais. Bastaram os ataques terroristas do PCC para que se abrisse a boca de jacaré dos gráficos de intenção de voto. Mesmo com um farto material para a contrapropaganda, nada se fez. Continuou-se na marcha do triunfalismo.
Dois Córregos tem um xingamento cujo vocábulo descobri fazer parte do português que se fala em Macau: “nhonho” (palavra paroxítona; a primeira sílaba é a tônica). Naquele pedaço da China quer dizer “sedutor”. Na minha cidade (e não sei se em outras), tem outro significado: designa o sujeito meio lerdo, moleirão, apatetado. Pois é: a campanha de Alckmin começou nhonha. E nem seria necessário usar os números virtuosos, porque são, sobre a criminalidade no Estado. Bastava deixar claro a quem interessavam as ações dos terroristas do PCC. Alckmin limitou-se a fazer isso a platéias de jornalistas céticos. Também é coisa de gente nhonha não perceber que os ataques de Quércia e Mercadante atingem Alckmin. E que a resposta se faz necessária. Ela não veio.
Assim, queridos, não estou desanimado, não. Preocupa-me a reeleição de Lula, obviamente. Mas não posso negar que sinto certa ponta de satisfação por ter estado certo durante todo este tempo. E nem tenho do que me envaidecer. Até fico um pouco irritado porque, afinal de contas, tudo era óbvio demais. Votarei em Alckmin. Espero que haja o segundo turno. E torcerei, nessa hipótese, para ele ganhar. Mas é chegada a hora, também, de a gente cobrar os homens públicos pelos seus erros. Por mais honestos que eles sejam. Eles têm de ser menos vaidosos do que cada um de nós.