ESCOLA, CRIACIONISMO, EVOLUCIONISMO E DEMOCRACIA
É incrível, não? Quando eu fizer o inventário dos textos que não escrevi, a defesa do ensino do criacionismo ou do design inteligente nas escolas ocupará lugar de destaque. O processo de imbecilização do debate no país segue acelerado. Está em curso uma verticalização da burrice, que vai do topo à base. As alimárias morais […]
O que me espanta é a incapacidade de ler o que está escrito e a determinação de comentar o que acham que o outro escreveu — ou nem acham: trata-se de mau-caratismo mesmo e vocação totalitária. O centro do meu artigo sobre o dito ensino do criacionismo nas escolas não está na sua equiparação com a suposta cientificidade do evolucionismo. Escrevo “suposta” porque qualquer pessoa intelectualmente honesta que tenha lido a respeito sabe que se trata de uma teoria: plausível, com muitas evidências que não estranham a lógica, mas sem a tal prova provada. Mas isso não me importa, é o de menos. Não tenho o menor interesse em contestar Darwin; tampouco me interessam os textos daqueles que o fazem. Não tratei desse assunto.
O que escrevi, e está claro para quem não se comporta como um vagabundo, um bandoleiro, é que AS ESCOLAS RELIGIOSAS têm o direito — e, suponho, também o dever perante a comunidade mantenedora da instituição de ensino: a igreja, seja ela qual for — de ensinar a sua visão de mundo, desde que deixe claro que se trata da abordagem religiosa. Se o fizer sem prejuízo de manter os alunos informados sobre quais são as teorias mais aceitas pelos cientistas, qual é o problema? Ou agora alguém vai se atrever a entrar numa escola judaica para dizer que essa história de que “Aquele Que Não Tem Nome” escolheu um povo é puro papo-furado? Ou pretendem meter os pés na porta de uma escola muçulmana para evidenciar que é fisicamente impossível que Alá tenha se comunicado com humanos? Ou invadirão uma instituição cristã para sustentar que “concepção sem pecado” é coisa de doidos? Quem põe um filho numa escola católica espera uma formação católica; quem escolhe a batista deseja a transmissão da visão de mundo batista. E o mesmo vale para qualquer religião.
Coisa muito diferente seria se o estado brasileiro adotasse uma “linha” ou uma religião no ensino — se bem que, de fato, ele adota; trato do caso daqui a pouco. O dever da escola, seja ela de que confissão for, é manter o aluno informado sobre as regras vigentes também fora daquele mundo. Ainda que a instituição de ensino diga ao estudante que, para a religião que lhe dá suporte, a verdade está com o criacionismo, ele precisa ser informado sobre qual é a crença generalizada fora dali, o que se exige nos exames públicos e provas de seleção (como vestibular), quais são os pressupostos da outra teoria etc. O nome disso é liberdade.
Ah, mas os ditadores das luzes não querem nem saber. Como eles acreditam ter agarrado a Teoria da Evolução mais ou menos como se oferece, hoje em dia, uma estrovenga para ser manipulada em sala de aula sob o pretexto de se dar aula de educação sexual, o seu ideal de mundo é que essas escolas fossem proibidas de expressar suas convicções — de fato, o que não suportam é liberdade religiosa.
Não conheço a realidade das outras escolas. Sei como é nas católicas, onde esse debate nem é feito. A orientação religiosa se dá no terreno ético, de valores. Que eu saiba, os hospitais universitários ligados à religião não curam os pacientes só com reza. Antes de o médico inferir que o doente está com o diabo no corpo, prefere fazer exames para ver como andam os glóbulos brancos e vermelhos e se Hasmodeu não é, de fato, algum microorganismo patogênico — em certa medida, que é a da crença, ele até pode ser considerado coisa do demônio. Mas se trata com remédio, não com exorcismo. O fato de o catolicismo, que é a minha religião, optar por essa, vamos dizer, religiosidade laica não me leva a tomá-la como medida das outras confissões. Um pai descontente pode e deve procurar outra escola — ademais, eu sou favorável a que pais eduquem, se tiverem condições para tanto, seus filhos em casa. É o que eu faria se tivesse tempo. Mas trato disso num outro momento.
Querer impedir escolas religiosas de ensinar sua visão de mundo é coisa que tem as quatro patas no totalitarismo. E foi essa a defesa que eu fiz. Leitores não-petralhas, de boa fé, fizeram alguns questionamentos que merecem resposta. Diz um deles:
Reinaldo,
Dessa forma qualquer marxista pode justificar sua própria escola, seja nas aulas de segundo grau, seja nas universidades. Só gostaria de saber por que o criacionismo leva vantagem sobre o evolucionismo, nas palavras dos professores. Afinal, os mesmos universitários aprendem também Max Weber, espremido no meio de muito Marx… Para mim, é tudo vigarice, independente de religião e ideologia. Com um adendo preocupante: é nas escolas islâmicas que se formam vários terroristas. Minha postura é antidogmática, sem exceções. Mas, como bem disse, é o direito de liberdade e escolha dos pais para com seus próprios filhos (ainda que eu sinta extremo receio nisso).
Publicar Recusar (Anônimo) 08/12/08
Respondo
Se os pais estiverem devidamente informados, tudo bem. Antes de pagar a matrícula, o diretor diria: “Aqui, nós preparamos os alunos para a luta de classes, dizemos que o capitalismo é uma porcaria e que o socialismo é a salvação da humanidade. Na nossa escola, o MST é tido como um grande promotor da justiça social, e consideramos que todo empresário é bandido”. Estaria tudo certo nesse caso. Mas será que é assim que são as coisas? Retomo o assunto mais adiante. E só um lembrete antes de continuar: não confunda um colégio de orientação muçulmana com as madraçais
Um outro escreve:
A mesma linha de defesa pode ser usada para ensinar que “para os chineses anticomunistas, (Mao) não passou de um ditador”, mas que, “para muitos chineses, Mao é ainda um grande herói” e que, em absoluto, “foi um grande estadista e comandante militar. Escreveu livros sobre política, filosofia e economia. Praticou esportes até a velhice. Amou inúmeras mulheres e por elas foi correspondido”.
E que no o ideal marxista “Terras, minas e empresas pertencem à coletividade. As decisões econômicas são tomadas democraticamente pelo povo trabalhador, visando o (sic) bem-estar social. Os produtores são os próprios consumidores, por isso tudo é feito com honestidade para agradar à (sic) toda a população. Não há mais ricos, e as diferenças sociais são pequenas. Amplas liberdades democráticas para os trabalhadores.”
O que estão ensinado às nossas crianças?
Publicar Recusar (João) 08/12/08
Comento
São coisas absolutamente distintas. Não é matéria de crença ou de ciência o FATO de Stálin ter matado 35 milhões de pessoas, e Mao, 70 milhões. É matéria de fato. Uma pessoa honesta lhe dirá que essas coisas são bem menos controversas do que a Lei da Evolução. Mas isso ainda não diz tudo. Se ponho meu filho numa escola batista ou numa escola religiosa judaica, espero uma determinada orientação. A questão da patrulha esquerdopata é grave.
Essa religião sem Deus é que é, sim, perversa. E é exercida à socapa, sem que ninguém saiba. Fosse ao menos como diz o leitor, seria menos grave: “Mao é bacana para uns e bandido para outros”. Mas quê… Ele só é apresentado como herói. Ele e outros homicidas, partidários de teorias não menos assassinas.
No que concerne à religião, mas não à ideologia, o estado brasileiro oferece uma educação laica. E, creio, assim deve continuar. Famílias, cujo direito a ter uma religião ainda não foi abolido por despotazinhas esclarecidos falando em nome da ciência, têm o direito de escolher escolas que defendam a visão criacionista ou o design inteligente — desde que o aluno seja devidamente orientado sobre o que é o que não é aceito no mundo exterior. Todos, pais, escola, professores e alunos, devem estar plenamente conscientes do pacto estabelecido.
Nojenta é a doutrinação ideológica. Porque só os doutrinadores estão no controle. Nesse caso, estamos falando de uma variante do molestamento infantil e do assédio moral.
Todos os dias, em alguma hora do dia, penso nos riscos que corre uma sociedade pluralista e democrática e em quantos são os deuses que tentam erigir por aí, dada a imperiosa necessidade de depor Deus. Se esses caras estiverem no poder, farão uma fogueira moralmente muito superior às do passado: em nome de Darwin.. E, claro, dizem falar em nome da tolerância.