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Reinaldo Azevedo

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Blog do jornalista Reinaldo Azevedo: política, governo, PT, imprensa e cultura

Eis o lema do Islã e a origem do caos no Egito: “Dai a Alá o que é de César”. Ou: O Islã compreende a captura necessária do estado

Já são mais de 50 os mortos no Egito depois do golpe desferido pelo Exército, sob o aplauso de muitos milhares. Há certa hesitação mundo afora em chamar a coisa pelo nome porque a quartelada conta com o apoio de parcelas consideráveis da população. O primeiro-ministro do governo interino é Mohamed ElBaradei, um Prêmio Nobel […]

Por Reinaldo Azevedo Atualizado em 31 jul 2020, 05h49 - Publicado em 8 jul 2013, 16h05

Já são mais de 50 os mortos no Egito depois do golpe desferido pelo Exército, sob o aplauso de muitos milhares. Há certa hesitação mundo afora em chamar a coisa pelo nome porque a quartelada conta com o apoio de parcelas consideráveis da população. O primeiro-ministro do governo interino é Mohamed ElBaradei, um Prêmio Nobel da Paz. Não tem a legitimidade das urnas, mas é considerado um democrata, um humanista.

Leio análises aqui e ali sobre o Egito e fico impressionado com a cara de pau de muita gente. Para tentar justificar seus erros de análise, fingem que estamos diante de um resultado surpreendente. Estamos? Desde o início, o erro mais importante consistiu em chamar a Irmandade Muçulmana de “grupo moderado”. Por quê? Um partido que tem o objetivo claro, deliberado, explícito, de governar o país segundo as regras da sharia pode ser chamado de “moderado”?

Também me encantam as lágrimas de alguns, a lamentar que se estaria a “demonizar o Islã político”. Pergunta óbvia: existe, por acaso, uma “Islã não político”??? Qual? Onde está? Com quem se deve conversar a respeito? Quem deve ser chamado à mesa de negociação? O Islã, moderado ou não, extremista ou não, explodindo bombas ou não, será sempre uma religião cuja referência principal é o estado, quer para liderá-lo, quer para se opor a ele até capturá-lo. Nessa religião, o lema poderia ser este: “Dai a Deus também o que é de César”.

No dia 15 de dezembro de 2012, escrevi um post cujo título é este: “Poderia ter sido um palpite para a Mega-Sena, mas foi só uma antevisão do Egito. Com dois anos de antecedência. Confiram! Ou: A Irmandade Muçulmana e os inocentes ocidentais”. O post, por sua vez, alude a outros artigos. Trata-se de uma síntese do que se andou dizendo aqui sobre a “Primavera Árabe”. Em dezembro passado, o país realizou o referendo sobre a nova Constituição, que avançava na islamização do país. Leiam trechos. Ainda voltarei a este julho de 2007.
*
O Egito vota hoje o referendo sobre a nova Constituição, criada pela maioria islâmica da Assembleia. Pela lógica, deve ser aprovada, já que as eleições parlamentares garantiram a maioria aos partidos religiosos. O novo texto faz dos “catedráticos no Islã” os juízes últimos de qualquer contenda. São as flores do mal da Primavera Árabe…

A Folha publica neste sábado uma entrevista com Hossam Bagaht, um dos mais conhecidos ativistas dos direitos humanos no país. Ele confessa um erro trágico: ter acreditado que a Irmandade Muçulmana poderia ser convertida ao jogo democrático. Ainda voltarei a ele. Vamos agora fazer um breve passeio ao passado recente.

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“Você errou!” Eu não!
Quando estava selecionando os textos de “O País dos Petralhas II”, um amigo querido me aconselhou: “Não publique em livro textos sobre a Primavera Árabe; você errou a mão nessa!”. Eu não segui o conselho! Está lá, no Capítulo 6, chamado “Findomundistão”, subcapítulo 6.3. Até porque acho que acertei em cheio. Vocês sabem que nunca fui entusiasta daquele negócio e fui o primeiro, que me lembre, a ter empregado a expressão “Inverno Árabe”. Desde o começo, incomodava-me a bobagem de uma “revolução feita pelo Facebook”… Tenham paciência! A segunda tolice, tomada como axioma, era justamente a suposta moderação da Irmandade Muçulmana. Que moderação?

Expus o meu ceticismo e apanhei muito. Apanhei especialmente por aquilo que não escrevi, como de hábito. Nunca escrevi, por exemplo, que a solução era Hosni Mubarak. Ocorre que o fato de ele ser, então, um ditador asqueroso não fazia democrática a Irmandade, ora… Não era o Facebok, não! Era a Irmandade. Não era democracia que ela queria, mas um governo islâmico. E não pode haver governo islâmico e democrático ao mesmo tempo caso se considerem os respectivos conteúdos do islamismo e da democracia. Pode ser chato e realista demais, mas é assim.

Apanhei também porque indagavam: “Você foi para o Egito por acaso? Fica escrevendo aí da sua cadeira… Vá para a Praça Tahrir…”. Eu não! Não vou! Vou ficar aqui mesmo! Não é pra mim. Temo que o calor dos fatos perturbe o meu juízo, entenderam? Acho simpática a ideia de que, ao nascer somos, mesmo uma “tabula rasa” (adoraria que Platão estivesse certo e que a minha alma já tivesse visitado a Sabedoria, mas….). Depois de alguns livros lidos, no entanto, é preciso tomar cuidado para que os atores contingentes das praças do mundo não façam tabula rasa daquilo que a gente aprendeu, leu, estudou. Quando se aprendeu, se leu e se estudou, é claro! Repórteres tendem a se identificar com aqueles que consideram “os oprimidos”. Acham que é um primado moral superior aos fatos. A imprensa ocidental passou a impressão de que a Praça Tahrir estava tomada por milhares de pessoas cobrando democracia de modelo ocidental…

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Bem, meus caros. O arquivo está aí. Hoje em dia, não é preciso visitar pastas empoeiradas para saber quem escreveu o quê. O Egito caminha para ser uma ditadura islâmica. No dia 21 de novembro de 2011, escrevi um post que deixou revoltados alguns ignorantes. O título: “No Egito, Gramsci é relido à luz de Alá”. Não! Eu não estou afirmando que só ignorantes discordam de mim. Jamais diria isso! É que se ignorou um aspecto importante daquele texto, presente em outros: a Irmandade estava enganando os inocentes bem-intencionados do Ocidente.

Agora, o entrevistado
Muito bem! Hossam Bagaht estava na praça, lá no calor dos fatos. Eu estava aqui, cercado por meus livrinhos e minhas manias. Se me conhecesse, diria: “É, você estava certo…”. Reproduzo trechos de sua entrevista:

Folha – Os islamitas o surpreenderam?
Hossam Bahgat – Desde a queda de Mubarak há uma polarização entre islamitas e aqueles cuja prioridade era evitar a chegada dos islamitas ao poder. Eu achava que seria bom para a transição ter os islamitas no poder, porque isso os integraria ao processo político. E acreditava que havia um bloco reformista na Irmandade Muçulmana, e que governar teria um efeito moderador no grupo. Eu estava errado.

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O que mais o incomodou?
É uma longa lista. Começa no ano passado, quando a Irmandade ficou do lado da junta militar e não das forças revolucionárias, incluindo em tempos de massacres nas ruas. Depois, quando conquistou a maioria no Parlamento, a Irmandade monopolizou todas as comissões. Com o decreto do dia 22 eles foram além de um erro político: foi a primeira vez que os islamitas mostraram que não acreditam na democracia. O decreto confirmou os medos dos que estavam obcecados com a ameaça islamita.

Os islamitas dizem que o decreto foi necessário porque as cortes são formadas por juízes do antigo regime.
É uma definição enganosa. Mursi tem poderes legislativos desde agosto, mas não emitiu nenhuma lei para a reforma judiciária. É verdade que a Suprema Corte tem membros apontados por Mubarak, alguns abertamente contra os islamitas, mas não se pode generalizar. O Judiciário era o nosso maior aliado contra Mubarak. Em 2006, Mursi foi preso numa manifestação justamente por defender o Judiciário.
(…)

Palpite?
É isso aí… Agora, queridos, eu lhes ofereço um texto escrito no dia 30 janeiro de 2011. Vocês não me peçam palpite para a Mega-Sena da Virada porque eu não tenho nenhum. Católicos têm uma dificuldade terrível de ser místicos. Eu só sei enxergar com a lógica — daí que nem jogue… Leiam (em itálico). Sem ir à Praça Tahrir, com alguns livrinhos e a lógica, é possível antever o futuro até no detalhe.

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A revolta no Egito e os tolos politicamente corretos
O Egito está dando passos largos para se transformar numa ditadura fundamentalista islâmica, depois de passar, porque isso faria parte da pantomima, por um ritual eleitoral. Esse caminho é conhecido. A imbecilidade dominante na imprensa ocidental — na brasileira, então, chega ao paroxismo — acredita que se trata de um movimento popular espontâneo, liderado por pessoas que não aguentam mais as injustiças sociais e a ditadura e resolveram dar um “basta!”. É uma análise cretina.

O fato de o Egito ser governado por um ditador, desprezível como todos, e de as injustiças serem grandes não muda o caráter do que vai nas ruas. O tal “Movimento 6 de Abril”, liderado “por jovens”, segundo a boçalidade influente, é, além de irrelevante, uma boa fachada. Quem comanda as ruas é a Irmandade Muçulmana, aquele mesmo grupo de onde saiu, por exemplo, o Hamas, que governa a Faixa de Gaza. A propósito: em Gaza, ninguém pede democracia, não é mesmo? Primeiro é preciso destruir Israel, é claro!

Mohamed ElBaradei, Nobel da Paz e ex-diretor da Agência Internacional de Energia Atômica, resolveu ser o intérprete, para o Ocidente, do que vai em seu país. Ele se oferece para uma espécie de governo de transição, legitimado sabe-se lá por quem, já que é ignorado pela esmagadora maioria dos egípcios. Em busca dessa legitimidade, o que fez o valente? Uniu-se à Irmandade!
(…)
“Não quero nem saber, Reinaldo, se a democracia resultar no poder da Irmandade Muçulmana, que depois vai acabar com a democracia, fazer o quê?” Pois é. É um modo de ver o mundo. Não é o meu. Porque, junto com o fim da democracia, a Irmandade trará riscos que vão além das fronteiras egípcias, a exemplo do que aconteceu com a revolução xiita do Irã.
(…)

Volto a julho de 2013
O Islã, ou os que falam em seu nome, vá lá, não vai mudar o seu credo. É o que é: uma religião que tem como horizonte necessário a captura do estado. Se e quando algo parecido com uma democracia se instaurar no Egito, a única chance de o país não reiniciar o caminho para uma ditadura religiosa será criando salvaguardas que protejam o país daquilo que quer a maioria. E, vejam só, para assegurar a pluralidade, será preciso, então, a garantia das Forças Armadas — enquanto, ao menos, não forem elas também capturadas.

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