É BOM PODER DIZER ISTO AO LEITOR
Sabem por que é bom saber o que se pensa e ter coerência? Por isso que vai abaixo. Não tenho ditadores de preferência. “Eles” têm. O que escrevi neste blog no dia 10 de dezembro de 2006, com título e tudo:Pinochet já foi para o inferno. Fidel está quase lá. Mas o demônio do autoritarismo […]
Sabem por que é bom saber o que se pensa e ter coerência? Por isso que vai abaixo. Não tenho ditadores de preferência. “Eles” têm.
O que escrevi neste blog no dia 10 de dezembro de 2006, com título e tudo:
Pinochet já foi para o inferno. Fidel está quase lá. Mas o demônio do autoritarismo continua a nos rondar
Morre Augusto Pinochet. A morte de qualquer homem nos diminui, aquele chavão… Até a de Pinochet. O assassinato de três mil pessoas e a repressão feroz que caracterizaram a ditadura nos diminuem ainda mais. Assim, no que respeita à história, morre um facínora, e a humanidade não fica mais pobre. Como naquele rockinho de Rita Lee, o destino olha para o irmão gêmeo e oposto de Pinochet, Fidel Castro, e diz: “Agora só falta você”.
Há grupos favoráveis e contrários a Pinochet nas ruas de Santiago. Alguns choram. Outros comemoram. São manifestações de um passado que finge não passar, mas que passou. O Chile é hoje uma democracia consolidada. E, felizmente para o seu povo, o país parece livre do circo do horror populista ou totalitário que tem infelicitado a América Latina.
Há uma coisa positiva nisso tudo: Pinochet morre reconciliado com a sua história. Reconhece-se que a ditadura chilena criou as bases de uma economia sólida para as potencialidades do país, mas a biografia do general fica no lugar certo: a lata do lixo. Quem ainda está no lugar errado é Fidel Castro. Emir Sader ou Fernando Morais não vão mandar suas condolências. Não haverá intelectuais e líderes políticos para fazer gracejos retóricos: “Apesar de tudo, é preciso reconhecer que ele fez muita coisa boa…” Nada disso. Restará o assassino.
E querem saber? Acho isso bom. É uma forma que temos de nos proteger do despotismo. Trágico é que se recorra a essa canalhice quando se fala de ditadores de esquerda. Proporcionalmente, Fidel matou e exilou muito mais do que Pinochet. Sua ditadura foi e é tão feroz quanto a comandada pelo outro, mas a percepção do horror é incomparavelmente menor, porque ao bandidão de Cuba se concede a licença moral de agir em nome do bem da humanidade… Leiam na Veja desta semana as palavras que Emir Sader dispensa a Fidel e a Cuba na sua energúmena Latinoamericana Enciclopédia Contemporânea, uma estrovenga feita com dinheiro público que só não merece a lareira porque deve permanecer como testemunho da picaretagem intelectual.
Eu ficaria muito satisfeito se pudesse escrever que a morte de Pinochet e a quase-morte de Fidel marcam o fim de um ciclo no continente. Vá lá… Talvez sim: o das ditaduras escancaradas. Vivemos um outro — e, para surpresa de muitos, sob o comando de certa esquerda: o dos ditadores “eleitos” pelo povo; delinqüentes políticos que usam as urnas para, uma vez no poder, tentar mudar a natureza das instituições democráticas.
A própria ditadura chilena nasceu, é bom lembrar, da suposição de que se poderia usar o voto para dar um by pass no regime democrático. O “mártir” Salvador Allende não era exatamente um democrata, menos ainda seus companheiros de jornada, especialmente as facções armadas da esquerda que decidiram fazer a sua própria “revolução” dentro da “revolução”. Deu naquela porcaria.
Pinochet já foi para o inferno. Fidel está quase lá. Mas o demônio do autoritarismo continua a nos rondar.
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O que escrevi no dia 11 de dezembro de 2006, com título e tudo
Ainda Pinochet – considerações sobre política
A morte de Pinochet serve para a gente ajeitar alguns, como dizer?, links intelectuais que vão se quebrando no curso da navegação. As questões todas foram suscitadas por leitores. Comento aquelas que também estão em debate na mídia:
Nem todo ditador é igual: existem uns piores do que outros – É verdade. Isso desqualifica “os piores”; não qualifica os “menos piores”. Não é a mesma coisa matar 3 mil (Pinochet), 5 milhões (Hitler – guerra à parte) ou 70 milhões (Mao). A distinção serve à circunstância histórica e à caracterização do horror, não ao departamento da moral e da ética.
Pinochet reagia à luta armada – Sim, reagia também. O que não lhe dava o direito legal — não havia lei para tanto — e moral de permitir que se matassem pessoas já sob a guarda do Estado.
O golpe contra Allende foi justificado – A exemplo do Brasil de Jango, mas de forma mais dramática, aguda, o governo era claramente subversivo. Não amava mais a democracia do que os militares. É verdade: a esquerda inventou a ficção de que Allende era, assim, uma espécie de herói das liberdades civis, um verdadeiro liberal, que só queria o bem dos homens, das mulheres e das criancinhas. Governos que conduzem a sociedade civil ao confronto estão flertando com o golpe: ou dão o autogolpe ou se expõem ao risco de serem golpeados. E nada disso justifica o banditismo de Pinochet e sua turma. De resto, o ditador nem pôde dizer que era, sei lá, um fascistóide asceta, como Franco ou Salazar. Era também ladrão, como ficou documentado. Não custa notar que os generais ditadores brasileiros entraram relativamente pobres no governo e saíram pobres de lá. Nenhum deles fez fortuna pessoal.
A ditadura deles e a nossa – Não há comparação possível. A idéia de um continente tomado por ditadores gorilas e assassinos iguais entre si é uma ficção esquerdista que serve ao proselitismo. A ditadura da Argentina, por exemplo, foi obra de uma gangue de delinqüentes, assassinos e ladrões. A do Brasil tinha um caráter claramente tecnocrático — semelhante à do Chile nesse particular. Mas o regime chileno era unipessoal, centrado na figura de Pinochet. O do Brasil teve a sucessão dos generais e, conforme já disse acima, pode ter enriquecido alguns espertalhões, mas os titulares do poder não eram cleptocratas. O Brasil entrou no regime militar como um país rural e periférico e saiu dele, em crise certamente, mas como uma das dez maiores economias do mundo.Na Argentina, são nada menos de 30 mil os mortos e desaparecidos — com um quarto da nossa população. No Chile, são três mil as vítimas, para uma população que é uma décima-segunda parte da nossa. Tivesse a ditadura brasileira matado o que matou a Argentina, os mortos aqui teriam sido 120 mil. Tivesse matado o que matou a chilena, 36 mil. No Brasil, com critérios larguíssimos, pode-se falar em 424 vítimas. De onde tiro os números? Já publiquei o que segue em preto:Do livro Dos Filhos Deste Solo, escrito pelo ex-ministro Nilmário Miranda, petista, e pelo jornalista Carlos Tibúrcio. Aliás, é uma co-edição da Boitempo Editorial (aquela do caso Emir Sader) e da Fundação Perseu Abramo, ligada ao PT. Logo, senhores esquerdistas, a fonte é a melhor possível para vocês. Reitero o que já havia escrito: não deveria ter morrido uma só pessoa sob a guarda do Estado. Mas é uma estupidez e uma fraude querer comparar o que se deu no Brasil com o que aconteceu na Argentina ou na Cuba de Fidel Castro — por que não?Para ser preciso, o livro lista, com enorme boa vontade nos critérios, 424 casos de pessoas que teriam morrido ou que ainda são dadas como desaparecidas em razão do regime militar — ainda que numa razão nem sempre direta. Estão contados aí pessoas vítimas de acidentes, suicídios, gente que morreu no exterior e até os justiçamentos: esquerdistas assassinados por esquerdistas porque supostos traidores. Sim, meus caros: a esquerda nunca viu mal nenhum em aplicar a pena de morte. Sem tribunal ou direito de defesa.Desses 424 (.,..), assassinados mesmo, comprovadamente, foram 293 pessoas. Mas atenção: isso inclui as que morreram na guerrilha do Araguaia: gente que estava armada, para matar ou morrer. Dá para saber até a distribuição dos mortos segundo as tendências:ALN-Molipo – 72 mortes (inclui quatro justiçamentos)PC do B – 68 (58 no Araguaia)PCB – 38VPR – 37VAR-Palmares – 17PCBR – 16MR-8 – 15MNR – 10AP – 10POLOP – 7Port – 3É muito? Digo com a maior tranqüilidade que a morte de qualquer homem me diminui, segundo frase famosa que já é um chavão. Mas 424 casos não são 30 mil — ou 150 mil, se fôssemos ficar nos padrões argentinos. Isso indica o óbvio: a tortura e a morte de presos políticos no Brasil eram exceções, embora execráveis, e não a regra. Regra ela foi no Chile, na Argentina, em Cuba (ainda é), na China (ainda é), no Camboja, na Coréia do Norte, na União Soviética, nas ditaduras comunistas africanas, européias… Só a ALN-Molipo deu cabo de quatro de seus militantes. Em nome do novo humanismo…Esta é a verdade dos fatos. Estão usando a morte de Pinochet para dar curso à ficção de que se travou a luta entre duas essencialidades na América Latina: o Mal e o Bem. Com a morte de Pinochet, o “Bem” provaria a sua superioridade e, vejam só, assumiria, modernamente, a cara de Chávez, Morales ou Lula. É um caminho certo para um novo desastre. O “outro” intelectual em todo esse debate é um só: democracia. E ela está no lado oposto ao de Pinochet. No lado oposto ao de Allende. No lado oposto ao de Chávez e Morales. E, sim, no lado oposto ao do lulo-petismo.