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Reinaldo Azevedo

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Blog do jornalista Reinaldo Azevedo: política, governo, PT, imprensa e cultura

Dois professores do Mackenzie, uma respeitável instituição, fazem tudo errado e acabam ensinando aos estudantes o que não fazer!

Há bastante coisa produzida na madrugada abaixo deste post, escrito ontem à noite, às 21h27. Mas decidi mantê-lo aqui no alto por mais algum tempo. Ao pé do texto, acrescentarei algumas observações motivadas por alguns leitores. * Não sei aonde vamos parar nesta toada, mas sei que não será um bom lugar. Cometeu-se uma barbaridade […]

Por Reinaldo Azevedo Atualizado em 31 jul 2020, 10h55 - Publicado em 31 ago 2011, 07h27

Há bastante coisa produzida na madrugada abaixo deste post, escrito ontem à noite, às 21h27. Mas decidi mantê-lo aqui no alto por mais algum tempo. Ao pé do texto, acrescentarei algumas observações motivadas por alguns leitores.
*
Não sei aonde vamos parar nesta toada, mas sei que não será um bom lugar. Cometeu-se uma barbaridade da Universidade Mackenzie, pela qual tenho especial carinho. E, mesmo sem ter acompanhado, por óbvio, a história de perto e sem ter conversado com os envolvidos, digo sem medo de errar: evidenciou-se o óbvio despreparo de dois professores.  Reproduzo a reportagem publicada no Estadão Online. Leiam com muita atenção. Volto em seguida.

Por Carlos Lordelo:
O professor da Faculdade de Direito do Mackenzie Paulo Marco Ferreira Lima, procurador de Justiça, ameaçou dar voz de prisão a uma aluna do 5.º semestre do curso na sexta-feira, 26. Depois da aula de Direito Penal III, a estudante abordou o professor para questionar sua metodologia de ensino. Segundo o docente, foi necessário chamar seguranças para conter a garota, que insistia em fazer reclamações em voz alta. Paulo Marco, então, disse que ou ela parava, ou ele lhe daria voz de prisão. Hoje, o irmão de Paulo Marco, o também procurador e professor do Mackenzie Marco Antônio Ferreira Lima, acusou a aluna de racismo no Facebook.

O caso ganhou proporção no Mackenzie após o Centro Acadêmico João Mendes Jr., que representa os alunos da Faculdade de Direito, ter divulgado nota de repúdio em que classifica de “inadmissível” a postura do professor Paulo Marco. “Em um país de ‘Doutores’, em que qualquer um se acha acima da lei, não podemos permitir que em nossa faculdade, um ambiente exclusivamente acadêmico, pessoas desse tipo continuem a desrespeitar nossa Constituição, em uma perfeita cena de abuso de autoridade”, diz o texto, assinado pelo diretor geral do C.A., Rodrigo Rangel.

Ao Estadão.edu, Paulo Marco disse, na tarde desta terça-feira, que a aluna quis “tirar satisfação” e criticar sua aula. “Entrei na sala para dar a última aula do dia, e ela continuava falando. Fechei a porta. Ela arrombou. Pedi aos seguranças para tirá-la da sala. Ela continuou gritando e me ofendendo. Foi aí que falei: ‘Ou a senhora pára ou eu vou te dar voz de prisão por desacato’. Ela parou de gritar depois da ameaça.”

O professor respondeu às críticas de que a situação configurou abuso de autoridade. “Ameaçar prender não é abuso de autoridade. Seria se eu tivesse prendido ela sem razão”, afirmou. “Achei que ela iria me agredir, porque estava totalmente transtornada. Tive de fazer alguma coisa para contê-la.”

“A aluna está fazendo um sensacionalismo que beira o lado criminoso”, finalizou Paulo Marco.

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Racismo
O irmão do professor entrou na polêmica usando o Facebook. Marco Antônio postou, na tarde desta terça-feira, em letras maiúsculas, que a aluna identificada por Tatiana, do 5.º semestre noturno, teceu “considerações raciais” sobre Paulo Marco, “chamando-o na frente de sua filha de ‘negro sujo’ e afirmando que ‘preto não pode dar aula no Mackenzie’ e que ‘preto não pode ter poder’”. Amigos de Marco Antônio na rede social, entre eles alunos do Mackenzie, escreveram mensagens de apoio aos professores.

A reportagem do Estadão.edu ainda não conseguiu contato com Tatiana. Na entrevista concedida mais cedo, Paulo Marco não mencionou ter sido alvo de racismo. Por meio de nota, o Mackenzie disse que a estudante foi atendida pelo diretor da Faculdade de Direito e “não houve prisão”. “Os fatos ainda estão sendo apurados para que as providências cabíveis sejam tomadas”, afirmou a universidade.

Comento
Ai, ai… Vamos pela ordem:
1 – Na conversa com o Estadão, o professor teve a chance de deixar claro que tinha sido vítima de racismo. Por alguma razão, não o fez. A acusação — via Facebook!!! — foi feita depois por seu irmão, também professor da universidade.

2- De fato, qualquer um pode dar voz de prisão a alguém que esteja cometendo um crime, conforme prevê o Artigo 301 do Código de Processo Penal — seja a pessoa procuradora de Justiça ou não. Na conversa com o Estadão, entendi que o “crime” cometido pela estudante foi “tirar satisfação” e “criticar sua aula” em termos inadequados. É crime? Mais: segundo o Artigo 331 do Código Penal, o funcionário público tem de estar no exercício da função para que haja desacato, como diz o professor. E ELE NÃO ESTAVA, CERTO???

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3 – A autoridade numa universidade deve ser, antes de mais nada, acadêmica. Isso não significa que as leis devam ser ignoradas. É evidente que Paulo Marco tem a seu dispor o Regimento Interno do Mackenzie para, sendo como ele diz, punir a aluna. Ameaça de prisão? Olhe, professor, parece-me, sim, um caso muito particular de “abuso de autoridade”, que soma duas condições que o colocariam na posição de quem não precisa necessariamente ter razão para se impor (e não estou dizendo que o senhor estivesse errado, claro!): a de procurador e a de professor.

4 – O mestre guarda muita semelhança com o sacerdote. A sua autoridade deve derivar menos de sua, como direi?, posição no mundo secular do que de sua sapiência. Se faltou temperança à aluna, não deveria ter faltado ao professor. E, como resta óbvio, faltou.

5 – Não tenho como estranhar o conceito de “abuso de autoridade” de um professor de Direito Penal: Afirmou ele: “Ameaçar prender não é abuso de autoridade. Seria se eu tivesse prendido ela sem razão”. Taí uma tese a ser demonstrada: ameaça não caracteriza abuso?

6 – Mas ninguém abusou tanto do bom senso quanto Marco Antonio Ferreira Lima, também professor do Mackenzie, que se esmerou, lamento dizer, no mau exemplo, como advogado que, suponho, ele é. Resolveu sair em defesa do irmão, como se este não fosse forte o bastante para se defender. Ora, não é uma briga de família ou de rua. O professor Paulo teve um conflito com uma aluna. Ali dentro, se eles são irmãos ou não, isso é irrelevante. Uma eventual solidariedade de parceiros de trabalho é uma coisa. Evocar a questão familiar, nos termos em que se fez, é inceitável.

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7 – Marco recorreu ao Facebook para fazer o que irmão não fizera mesmo em conversa com um jornalista: acusar a aluna de racismo, forçando a mão num tom algo grandiloqüente, que apela mais à má literatura do que à ordem jurídica. Escreveu coisas como esta:

acusacao-de-racismo-um

acusacao-de-racismo-dois

8 – Marco Antonio fez o pior, especialmente porque professor de uma faculdade de direito. Ele sabe tão bem quanto eu que racismo é crime inafiançável e imprescritível, conforme estabelece a Constituição. E que há uma lei específica que trata do assunto. Se o irmão foi vítima de racismo — o que parece ter esquecido de dizer inicialmente ao repórter —, que recorresse às instâncias legais. Acredito que os dois professores, acidentalmente irmãos, estejam no Mackenzie para ensinar aos futuros advogados que a Justiça é o foro adequado para reparar um direito agravado. Ou os doutores têm algum outro entendimento? Espero que não estejam entre aqueles que acreditam no “direito achado na rua”, substituindo-o pelo “direito achado no Facebook”, transformado em tribunal de condenação.

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9 – Acusações pelo Facebook ou por qualquer outra página da rede social buscam o clamor público, buscam dirimir uma questão no grito, buscam excitar a turba, buscam fazer vítimas e algozes ao arrepio da Justiça. Ora, professor: na Justiça, a aluna terá a chance de se defender ao menos; no Facebook, o senhores sabem muito bem que não. Aliás, na Justiça, se ela cometeu crime de racismo, será punida na forma da lei. A PUNIÇÃO PELO FACEBOOK SE DÁ AO ARREPIO DA LEI.

10 – Finalmente, é bom tomar cuidado com metáforas que buscam mais comover do que conduzir a um entendimento racional da questão. Os descendentes de “engraxados” não podem e não devem ofender os descendentes de “engraxates”, mas isso não significa que descendentes de engraxates gozem de direitos especiais diante dos descendentes de “engraxados”. A primeira função de um curso de direito é defender a existência de uma sociedade, como já disse um autor, sem “cavalgados” nem “cavalcantes”, sem privilégios para engraxados e engraxates.

Não! Professor não tem de dar voz de prisão a um aluno, mas recorrer ao Regimento Interno da instituição, excepcionalmente à Polícia. Não! Facebook não é lugar de professor bater boca com estudante ou de fazer uma acusação grave como crime de racismo. Se a aluna tem condições ou não de continuar no Mackenzie, não sei. Os professores, por força do que disseram e fizeram, podem até ser exemplares como procuradores da Justiça — para o nosso bem, espero que sejam! —, mas não são mestres. Estão lá para ensinar, mas têm muito o que aprender, lamento dizer, sobre estado de direito.
*
Considerações desta manhã de quarta

Caras e caros,
Eu sei que um promotor é promotor em tempo integral; que um juiz é juiz em tempo integral etc. Mas é um despropósito que evoquem tal condição numa relação entre professor e aluno. A sala de aula não é um tribunal. Fui professor por mais de 10 anos. E não era exatamente o “bonzinho”. Há um decoro específico para a função. Reitero: magistério é sacerdócio. Isso não implica que tudo seja permitido, não! Mas o primeiro código a ser evocado, numa questão dessa natureza, é o regimento da universidade. Eu sei que o ambiente nas salas de aula, país afora, anda um tanto deteriorado. Se a aluna se comportou como diz o professor, agiu muito mal, e tenho a certeza de que o Mackenzie dispõe de mecanismos para coibir e punir tais atitudes. O que eu lastimo, acho que deixei claro, é o rebaixamento dos procedimentos — aos mestres caberia elevá-los.

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Eu sou, hoje, um jornalista que atua principalmente na Internet. Acho que a rede presta enormes serviços à democracia. Mas não! O Facebook não pode ser usado por um professor como um pelotão de fuzilamento. Se houve crime de injúria racial, o evento é sério o bastante para que aquele que foi alvo do agravo procure o foro adequado. O que é que há, meus queridos? Eu sou do tempo — e acho que se deve conservar o valor daquele tempo — em que os mestres serviam de exemplo aos discípulos. Eu acredito nisso. Magis movent exempla quam verba: os exemplos são sempre mais efetivos do que as palavras.

Eu não quero demonizar ninguém. Os dois professores podem ser exímios operadores do direito. Eu estou lhes cobrando a postura de mestres. E àqueles que sustentam que é um absurdo eu escrever a respeito porque não estava lá, o que posso dizer? Já escrevi sobre a Revolução Francesa, a Revolução Russa, a Proclamação da República e a morte da bezerra… E não estava lá. Isso é de uma tolice supina. É absolutamente desnecessário ter assistido à briga para saber que não cabe a um professor de direito usar o Facebook como tribunal. É absolutamente desnecessário ter assistido à briga para saber que um professor que ameaça um aluno com voz de prisão renunciou à autoridade sacerdotal do mestre para se ancorar numa outra autoridade, estranha à sala de aula. E eu tenho uma memória pessoal, aparentada dessa história, que vem lá dos meus 15 anos. Um professor queria me prender — era um agente do Deops em tempo integral… Temos de sacralizar a sala de aula, professores e alunos.

Nada disso desculpa o eventual comportamento inadequado, destrambelhado ou criminoso da aluna. Ocorre que o interlocutor privilegiado de dois mestres do direito deve ser o estado de direito, não uma aluna desbocada. É por isso que ela é a aluna, e eles, os mestres. Se todos se igualam, ela não terá nada a aprender porque eles não terão nada a ensinar.

Acho que não poderia fechar melhor este texto, não é?


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