Relâmpago: Revista em casa por 8,98/semana
Imagem Blog

Reinaldo Azevedo

Por Blog Materia seguir SEGUIR Seguindo Materia SEGUINDO
Blog do jornalista Reinaldo Azevedo: política, governo, PT, imprensa e cultura

DO “NHENHENHÉM” AO “BABACA”

Vocês suportam um texto longo mesmo num domingo, não? Então vamos lá. No pé deste post, relembro como surgiu o uso político da palavra “nhenhenhém”, no governo FHC. A jornalista Gabriela Wolthers e eu estamos diretamente ligados ao assunto. O então presidente apanhou muito. Vejam lá as circunstâncias. Eram tempos quase inocentes, não é mesmo? […]

Por Reinaldo Azevedo Atualizado em 31 jul 2020, 16h02 - Publicado em 24 jan 2010, 06h19

Vocês suportam um texto longo mesmo num domingo, não? Então vamos lá.

No pé deste post, relembro como surgiu o uso político da palavra “nhenhenhém”, no governo FHC. A jornalista Gabriela Wolthers e eu estamos diretamente ligados ao assunto. O então presidente apanhou muito. Vejam lá as circunstâncias. Eram tempos quase inocentes, não é mesmo? Durante dias, semanas, meses, anos, parte da crônica política se escandalizava com a “grande grosseria” de FHC: “OH!!! Como ele é autoritário! Ele afirmou que a oposição não deveria ficar nesse nhenhenhém! Onde já se viu um sociólogo falar uma coisa dessas!?” E o tucano era diariamente depenado nas colunas.

As ensaístas petistas do calcanhar sujo — é citação de Nelson Rodrigues, antes que encham o meu saco; até porque acho que Marilena Chaui precisa limpar as idéias, não os pés — faziam ensaios indignados para os jornais: aquele “nhenhenhém” era o símbolo da “modernização conservadora e excludente” — essa gente adora pensar que isso é dialética ou, o que é pior, que dialética seja alguma coisa… — promovida pelo tucanato, em associação com o capital globalista, que excluía as massas… Bem, vocês sentem de longe o cheiro do chorume.

Ah, sim: naquele tempo, Chaui e as primas ainda não achavam que a imprensa fosse golpista. Por isso davam plantão nas páginas de opinião dia sim, dia também. Jornais costumam pagar uma merreca por artigos de opinião. Elas faziam até de graça. O importante era ocupar espaço. Quando Lula chegou ao poder, descobriram que a mídia é “golpista”… Mas vamos voltar ao ponto.

Na sua gigantesca, estupenda, delirante propensão para ofender adversários, além de classificar suas críticas de “nhenhenhém”, FHC disparou outra palavra de baixo calão: “neobobos”. Olhem que horrível!!! Isto mesmo: chamou de “neobobos” aqueles que o tachavam de “neoliberal”. Quanta falta de civilidade, não é mesmo??? Os colunistas de esquerda ou esquerdizados confrontavam o ex-professor da Sorbonne com o que seria, então, calculem!, sua face obscurantista. Ler os textos daquela época serve também como roteiro da miséria intelectual de boa parte da imprensa.

E HOJE?

Continua após a publicidade

Hoje, a candidata do PT à Presidência da República mente — sim, trata-se de uma mentira, apenas isso — que, se eleita, a atual oposição vai extinguir o Bolsa Família. Colunistas — em muitos casos, os mesmos que fingiam se escandalizar com o “neobobos” — acham que isso é muito natural, tudo parte da campanha ou da pré-campanha, coisas da política. Lula xinga o presidente do principal partido de oposição de “babaca”. A coisa rende um textinho ou outro — e um ótimo editorial do Estadão, destaque-se —, e tudo fica mesmo por aí. FHC, porque professor e sociólogo, não tinha o direito de chamar ninguém de “neobobo”; Lula, porque foi operário HÁ 35 ANOS, pode chamar quem quiser de “babaca”. Só se pode concluir daí que a formação intelectual subtrai direitos que a condição operária multiplica.

Mudar o quê?
Essa questão do vocabulário admissível ou não a um e a outro é só a superfície de algo bem mais profundo. Por incrível que pareça, de maneira solerte, está em curso um processo de satanização da alternância do poder e da própria democracia. Nunca antes nestepaiz um homem disputou a Presidência da República CINCO VEZES. Lula é o dono desse recorde. Nas três em que foi derrotado — 1989, 1994 e 1998 —, disse as besteiras que bem quis, e ninguém lhe questionou o direito de dizê-las. Ao contrário: em 1989, Mário Amato, então presidente da Fiesp, afirmou que 800 mil empresários deixariam o país se o petista fosse eleito. O empresário apanhou como cão sarnento. Dizer o quê? Se Lula tivesse vencido e aplicado o programa do seu partido, a profecia de Amato teria certamente se cumprido. Deu Collor. Foi um flagelo. Mas não se viu da missa a metade do que poderia ter sido.

E a petralha pode sossegar o facho. Até Lula o admite. Há dias, referindo-se às atuais oposições, ele disse: “Eu sei o que é disputar a eleição sem programa”. Se está sendo desairoso com os atuais adversários, não vejo motivos para mentir sobre si mesmo: disputava eleições sem ter programa. E que se note: em 2002, ele tinha um. Foi jogado no lixo. Ele passou a governar com o que herdou dos seus adversários, o que todo mundo sabe. Na VEJA da semana passada, em excelente artigo, Mailson da Nóbrega explicou com clareza: “Não foi o PT que mudou o Brasil; foi o Brasil que mudou o PT”. Faço ao pensamento só uma ressalva, e creio que Mailson concordaria: O BRASIL FORÇOU A MUDANÇA, E O PT PULOU POR NECESSIDADE, NÃO POR BONITEZA, como diria Guimarães Rosa. E ainda emendo: a alma profunda do partido não mudou, não. Continua a ser de sapo, apesar da aparência, às vezes, de príncipe. Suas tentações bolcheviques no que concerne à democracia política estão vivíssimas. O socialismo na economia? Bem, isso, eles deixaram de lado. Perceberam que o capitalismo com um estado gigante, criando dificuldades para vender facilidades, é bem mais lucrativo.

Mas quero voltar ao ponto: parte dos analistas políticos se assanha: “Serra não quer dizer o que vai mudar? O que vai mudar? A oposição está sem discurso. Qual é o discurso da oposição?” Na raiz dessas indagações e dessas constatações, está um raciocínio perigoso: “Lula é aprovado por quase 80% da população segundo as pesquisas; se é assim, então tudo tem de ficar como está”.

Continua após a publicidade

Sérgio Guerra, presidente do PSDB, fez mal em falar que é preciso operar mudanças no câmbio e na política monetária — já escrevi isso aqui —, mas daí a considerar que o que se tem aí é o Moisés de Michelangelo da macroeconomia… Bem,, aí não dá. Houve um colunista que, de maneira quase cômica, chegou perto de exigir do PSDB a revelação das mudanças que pretende fazer… Ora!!! Vá catar estrelinhas na beira da CUT!!!

Digamos — e estou longe de crer nisso; mas a especulação é importante para deixar o debate mais claro — que as oposições não quisessem mudar nada na tal economia. Terão elas ou não o direito de propor um novo gestor para o país porque o consideram mais competente do que a candidata do governo? Para quem acata a democracia, a resposta só pode ser uma: “Sim!” E, apesar das muitas diferenças, que já elenquei aqui, o exemplo do Chile é interessante: a aliança de centro-esquerda ficou 20 anos no poder e manteve o, vá lá, “modelo econômico” do regime anterior; Sebastián Piñera, da oposição, foi eleito. E também promete não virar a mesa.

As democracias estáveis não se deixam sacudir por promessas de grandes e gigantescas mudanças mesmo. Ao contrário: quanto mais, como direi?, burocrática e sem susto for a passagem de bastão, tanto melhor. Digamos que Serra não queira realmente mudar nada na economia e no Bolsa Família… Nada mais resta no país? As outras área da vida dos brasileiros chegaram a estado de arte? Educação, saúde, segurança, moradia…É OU NÃO PARTE DO JOGO A APRESENTAÇÃO DE ALTERNATIVAS DE GESTÃO?

Questão democrática
Se a alternância não se esgota nas políticas monetária e cambial, como querem alguns neobobos e velhos bobos, também não se resume à soma de ambas com as questões relativas à área social. Falta um dado nesse debate todo — para mim, se querem saber, mais importante do que todos os outros: a questão democrática.

Continua após a publicidade

Sim, ela!!! O Programa Nacional de Direitos Humanos 3.0 não veio à luz por acaso. Ele é um ensaio das pretensões futuras do PT e seus aliados. Dilma Rousseff é tão responsável por ele quanto Paulo Vannuchi. E, acima de ambos, está Lula. POUCOS SE DERAM CONTA DE QUE ALI ESTÁ O UNIVERSO UTÓPICO DO PT. E que ele tentará realizar.

O seu “socialismo” em economia pode ser devidamente caracterizado porque já está em curso: estado forte em associação com setores eleitos do capital privado e dos fundos de pensão, tudo devidamente gerenciado pela nova classe social: a elite sindical que forma o que chamo de burguesia do capital alheio. A manifestação circense do modelo é a publicidade na TV de empresas privadas que cantam as glórias do governo.

Mas, no que concerne à democracia, continuam a ser os autoritários de sempre: “não aprenderam nada e não esqueceram nada”, para lembrar frase famosa. Aquele programa dá conta da “revolução cultural” que pretendem operar no Brasil. E sua principal inimiga é mesmo a liberdade de expressão.

Mas o jornalismo petista ou o seqüestrado pelo PT — os que jamais perguntaram a Lula, por exemplo, em 1994, como ele iria fazer para extinguir o Plano Real — não têm vergonha de escrever que, se Serra não diz o que vai fazer com o câmbio e com os juros, então é porque está perdido e não tem proposta nem discurso.

Continua após a publicidade

Assim, amesquinha-se a democracia no país.

PS: O texto já ficou muito longo. Relembro a história do “nhenhenhém” no post abaixo.
Publicidade

Matéria exclusiva para assinantes. Faça seu login

Este usuário não possui direito de acesso neste conteúdo. Para mudar de conta, faça seu login

Digital Completo

Acesso ilimitado ao site, edições digitais e acervo de todos os títulos Abril nos apps*
Apenas 9,90/mês*
OFERTA RELÂMPAGO

Revista em Casa + Digital Completo

Receba 4 revistas de Veja no mês, além de todos os benefícios do plano Digital Completo (cada edição sai por menos de R$ 9)
A partir de 35,90/mês

*Acesso ilimitado ao site e edições digitais de todos os títulos Abril, ao acervo completo de Veja e Quatro Rodas e todas as edições dos últimos 7 anos de Claudia, Superinteressante, VC S/A, Você RH e Veja Saúde, incluindo edições especiais e históricas no app.
*Pagamento único anual de R$118,80, equivalente a R$ 9,90/mês.

PARABÉNS! Você já pode ler essa matéria grátis.
Fechar

Não vá embora sem ler essa matéria!
Assista um anúncio e leia grátis
CLIQUE AQUI.