Diogo Mainardi e a tribo dos homens sós
Desde quando estava no ginásio, as aulas de interpretação de texto me deixavam um tanto angustiado. No colégio (uso terminologia antiga, como eu), elas começaram a me angustiar. Na universidade, ameaçaram me levar à loucura. Um texto pode ter tantos desvãos, tantas armadilhas. Quanto melhor, pior — isto é: quanto mais opera em sendas perigosas […]
Uns bocós estão tentando abrir um grande abismo entre a opinião de Diogo e a minha sobre o aborto: ele acha que se deve deixar para a mulher decidir; eu me oponho à descriminação. E daí? Vocês acham que essa é nossa única diferença? Há outras. Não formamos uma igreja. Somos da tribo dos homens sós. Quem anda em bando é bandido, é petralha. No nosso Oeste, a gente se encontra de vez em quando para combater alguns homens maus. Depois cada um volta para a sua trilha “incompartilhável”.
O texto de Diogo me deixou emocionado. Liguei pra ele, lutando para manter no lugar o nó na garganta. Quando alguém de quem discordo — e eu não concordo com a sua posição específica sobre o aborto — ilumina um novo e fundamental aspecto do seu entendimento, opera-se uma espécie de milagre.
Eu não espero que petralhas aprendam a ler. Aliás, eu não espero nada de petralhas. Se eu tivesse de carregar bandeira — mas não carrego; sou só um lobo da estepe —, faria desta coluna de Diogo o meu estandarte: “Naquele tempo, eu era um palerma, e o [primeiro filho. Tito] teria abortado até mesmo se seu ultra-som mostrasse algo simples como um pé chato. (…) Quando decidimos ter outro filho – Nico –, perguntei-me se o abortaria caso os testes pré-natais indicassem alguma anomalia, por mais séria que fosse. A resposta: jamais. Jamais? Jamais.”
“Um aborto é igual ao outro”, disse Diogo Mainardi. E isso é uma sentença contra o mundo dos palermas. E todos fomos — e, às vezes, somos — um pouco palermas na vida.
Grande Diogo! Nesta nossa profissão, quase todos morrem. Ele vai ficar. É preciso saber ler. Há uma musiquinha pop, meio antiga, de que gosto muito — o que não é freqüente —, em que o sujeito, no fim das contas, lamenta não saber como salvar uma vida (How to save a life).
Não sei como “salvar a interpretação”, não sei. Às vezes, diante de leituras que vejo prosperar, pego-me exatamente assim (e não segue aí nada comparável a Schopenhauer, hehe):
As he begins to raise his voice
You lower yours and grant him one last choice
Drive until you lose the road
Or break with the ones you’ve followed
He will do one of two things
He will admit to everything
Or he’ll say he’s just not the same
And you’ll begin to wonder why you came
Viver — e escrever — é coisa muito complicada. A solidão de quem escreve pode ser a maior de todas as solidões.