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Desvio de conduta

Eu e padre Júlio Lancelotti não nos entendemos faz muito tempo. Não comungo de sua religião, que considero ter algumas características do catolicismo apostólico romano. Só algumas. A polêmica mais azeda se deu por conta das rampas contra o crime construídas em certas áreas de São Paulo, que ele batizou de “rampa antimendigo”, expressão que […]

Por Reinaldo Azevedo Atualizado em 31 jul 2020, 20h18 - Publicado em 17 out 2007, 15h36
Eu e padre Júlio Lancelotti não nos entendemos faz muito tempo. Não comungo de sua religião, que considero ter algumas características do catolicismo apostólico romano. Só algumas. A polêmica mais azeda se deu por conta das rampas contra o crime construídas em certas áreas de São Paulo, que ele batizou de “rampa antimendigo”, expressão que foi adotada bovinamente pelo jornalismo sem dar ao padre o devido crédito.

Não quero tripudiar sobre a sua tragédia pessoal. A questão é muito mais grave e diz respeito à atuação da Igreja Católica, que tem permitido toda sorte de desvios ideológicos de seus subordinados. Ainda que a história contada pelo padre seja verdadeira — deixou-se extorquir em R$ 50 mil porque queria tocar o coração dos meliantes —, isso nada tem a ver com catolicismo. Lancelotti não é o cristo do Belenzinho.

Em 2005, escrevi o texto que segue no Estadão. Por que ele é importante? Porque, ali, alerto justamente para o que é um óbvio desvio de conduta de um quadro da Igreja. Era evidente que ele operava e opera com critérios muito particulares do que seja a fé católica. De fato, esta é, a meu ver, a questão de fundo. O título do artigo é “Desprivatizando os pobres”.

*

Em 2003, fui com mulher e filhas, então com 9 e 7 anos, a uma procissão de Corpus Christi. O sacerdote não deu pelota para o morto do dia e dos milênios. De microfone, fez passeata. Com ódio, defendeu o MST e os “povos atingidos por barragens”. Falou dos milhões de “hectares improdutivos”. Mentiu. Nem com toda a floresta amazônica se chegaria a seu número. Não tinha mais apreço pela verdade do que por Cristo. Eu quis tomar a palavra. Minha mulher me impediu. As meninas ficariam envergonhadas se eu batesse boca com o petista da batina. Não sei o nome do sujeito. Se fosse Júlio Lancellotti, estaria bem. A Bíblia minúscula é a mesma. Só a rampa da demagogia era outra.

Lancellotti é pauteiro dos jornais. Arma o circo, a imprensa cobre e vai ouvir “o outro lado”. É um monopolista de bondades; a Prefeitura, de maldades. Ele não gosta de mim porque o chamo de “Cavaleiro das Trevas”. Diz que sou reacionário. Eu acho que reacionário é ele. Quer regredir ao comunitarismo pré-capitalista. Anda com meus artigos debaixo do braço para me malhar. Não temo raios, não creio em bruxas, não dou bola para a fatwa de um aiatolá da miséria. Ele acusa a Prefeitura de praticar higienismo. Chama rampa anticrime de “rampa antimendigo”.

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Lancellotti deveria é levar os Evangelhos aos albergues e à Febem e ajudar a Prefeitura a tirar os miseráveis das ruas, estimulando o combate ao crime, que vitima os pobres. Mas isso não dá mídia. Sua vaidade o leva a fazer happening na porta da igreja em casamento de rico. Não pratica luta de classes, mas arranca-rabo. Quer “seu povo” dormindo ao relento. Pouco se lhe dá que marginais se misturem a moradores de rua. A ele se juntam leigos quase letrados a defender o “direito que o pobre tem de dormir debaixo da ponte!” Atribuem tal besteira a Anatole France – socialista, mas nem tão idiota: nunca escreveu isso.

Jamais imaginei ver a esquerda, mesmo de batina, em tal miséria teórica. Quando eu era mocinho, ela queria o controle dos meios de produção. Honrava a sua história de crimes revolucionários, de dolo com ambição histórica. Agora miúda, mesquinha, oportunista, ocupa o território da miséria.

Os que querem manter os pobres sob os viadutos, onde nem mesmo se pode pisar nos astros distraído, ou reivindicam a instalação no local de esgoto, luz e água encanada ou se assumem como cafetões da pobreza. Santo Tomás de Aquino daria um pé nessa vulgaridade teológica. Não deriva o Bem do Mal. Isso não é política social nem religião. É petismo.

A cidade ficou entregue, por quatro anos, à política dessa gente. Deu em Cracolândia. Ali, uma ONG distribuía um kit ensinando o drogado a aplicar cocaína na veia. Sim, leitor do Estadão, é isto mesmo: a caixinha é um fetiche, com soro, seringa e espelhinho. Uma outra sai, noite adentro, entregando aos viciados cachimbos de crack. Chamam essa covardia complacente de “política de redução de danos”. Deu no que deu: o Vale dos Caídos.

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Com que prazer deviam olhar para a abjeção humana como prova antecipatória de suas escatologias! Ah, sim: acompanha o kit um folheto que reproduz a gíria dos drogados. É para se fazer entender “pelo oprimido”. Nunca imaginei o método Paulo Freire aplicado literalmente na veia. Onde estava Lancellotti que não denunciava a Cracolândia? Fazia campanha eleitoral para Marta Suplicy. Só reagiu quando Serra decidiu levar o Estado ao local, bagunçando o coreto de sua reserva de mercado espiritual.

Existe é rampa anticrime, não “antimendigo”. Não existe, mas deveria existir. É obrigação moral, funcional e legal impedir que o espaço público seja privatizado por ricos ou pobres, padres ou leigos, beatos ou pecadores. A prefeitura de Belo Horizonte, petista, cerca os baixos de viaduto. A de Santo André, também do partido, impede que se instalem moradias nessas áreas. Lá, o PT apóia a medida. Em São Paulo, o partido a ataca. Pode parecer incrível, mas mesmo isso, que parece tão simples, obedece aos rigores do partido como o “Moderno Príncipe”, que define, em cada lugar, em cada tempo e segundo as suas necessidades, o que é virtuoso e o que é criminoso. O petismo ignora as noções de “Bem” e de “Mal” e não cultiva uma ética definida: quer-se, segundo a teoria que abraça, o “imperativo categórico” da sociedade. Assim se fez e, felizmente, assim se desmoraliza.

A rampa, como se vê, é só um dado do problema, um símbolo. Deixo aqui meu manifesto em favor da desprivatização dos miseráveis. Chega de teologia e sociologia bastardas querendo usurpar o lugar das políticas públicas. Lancellotti comanda uma ONG que recebe R$ 420 mil por mês da Prefeitura. Ele sabe que é verdade. Consegue, no entanto, ser mais saliente como prosélito do que como agente do bem comum. Está errado. Ele e a Igreja têm de decidir: ou bem é padre ou bem é militante. Ou ele busca vencer a iniqüidade sob o símbolo da cruz ou assume a estrela do PT – que nos prometia, e nos trouxe, um messias de araque.

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