DE SANCTIS NÃO É CORISCO
“A Constituição não é mais importante que o povo, os sentimentos e as aspirações do Brasil. É um modelo, nada mais que isso, contém um resumo das nossas idéias. Não é possível inverter e transformar o povo em modelo e a Constituição em representado. (…) A Constituição tem o seu valor naquele documento, que não […]
A fala acima, como se noticiou ontem, é de Fausto De Sanctis. Esse homem tem a grande sorte de ser juiz do caso Daniel Dantas. Isso lhe confere uma espécie de imunidade para dizer as maiores barbaridades. Com medo de contestá-lo e serem acusados de partidários do banqueiro, jornalistas, juristas e representantes de classe se calam. E muitos ainda lhe fazem festa. Segundo noticiou a Folha ontem, ele “foi recebido como estrela em lançamento de livro do promotor e ex-secretário de Administração Penitenciária Astério Pereira dos Santos.” Escreve ainda o repórter: “O evento se tornou quase um desagravo ao juiz, que foi aplaudido por cerca de 300 pessoas.”
Procurei, ao longo de terça-feira, alguma declaração do presidente da OAB, Cézar Britto, contestando o juiz. Nada!!! Imaginem o dia em que um advogado, titular de uma causa, estiver diante de um juiz, e o meritíssimo lascar na sua cara: “A Constituição não é mais importante que o povo, os sentimentos e as aspirações do Brasil. (…) A Constituição tem o seu valor naquele documento, que não passa de um documento”. Ora, se Fausto De Sanctis diz isso sobre a Carta, por que não poderia dizer o mesmo sobre o Código Penal ou qualquer outro? Mas Britto está muito ocupado tentando fazer a história brasileira retroceder uns 40 anos…
Reitero: De Sanctis dá uma sorte danada. Tornado um bandido de manual, Daniel Dantas parece ter o poder de santificar, sem trocadilho, todos os que se apresentam como seus inimigos ou adversários. Ora, é evidente que a consideração do juiz é absurda. Não, senhor! Uma Constituição democrática, como é a nossa, tem de ser respeitada inclusive contra a vontade momentânea do povo, meritíssimo. O direito se acha na lei, não na rua.
Estudantes de direito e advogados, aliás, me mandam e-mails e comentários e me contam que, com efeito, o filonazista Carl Schimitt está sendo recuperado nos cursos de Direito, mas agora por professores de esquerda, que pretendem adaptar as suas teses da prevalência do legítimo sobre o legal — tão úteis ao nacional-socialismo — à metafísica influente do militantismo.
Atenção: foi justamente considerando que as leis não passam de meros documentos, que a Satiagraha se transformou numa pantomima. E é a pantomima policialesca que corre o risco de inocentar Daniel Dantas. Se isso acontecer, os únicos responsáveis serão aqueles que consideram que a Constituição “não passa de um documento”.
De Sanctis deve explicações à sociedade, a seus pares, ao mundo jurídico. Ele é juiz. A sua fala ficaria bem na boca de cangaceiro Corisco, personagem de Glauber Rocha em Deus e O Diabo na Terra do Sol: “Mais fortes são os poderes do povo”.
Juiz que considera a Constituição só “um documento” está com problema de juízo. Para ele, ou a Constituição é “O” documento, ou que mude de profissão e vá ser político, por exemplo. Aí poderá ouvir com legitimidade “a votade do povo”. Se não for assim, o estado de direito vai para o brejo. E não custa lembrar, sr. De Sanctis: a fábula glauberiana não acaba bem. E não acabam bem todas as outras fábulas que preferem ignorar a lei para ouvir a voz rouca das ruas.
Os advogados de Dantas devem estar em êxtase.