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Reinaldo Azevedo

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Blog do jornalista Reinaldo Azevedo: política, governo, PT, imprensa e cultura

DE PAVÕES E URUBUS

Lá vou eu tirar um zé-ninguém da obscuridade. Vocês sabem: há blogueiros que ficam sem Haldol, entram em crise e começam a me atacar em busca de leitores. A esses, não dou bola. Ninguém os lê mesmo, e sua influência é zero. Basta que voltem a tomar remédio, e lá estão eles de volta à […]

Por Reinaldo Azevedo Atualizado em 31 jul 2020, 18h31 - Publicado em 28 nov 2008, 06h15
Lá vou eu tirar um zé-ninguém da obscuridade. Vocês sabem: há blogueiros que ficam sem Haldol, entram em crise e começam a me atacar em busca de leitores. A esses, não dou bola. Ninguém os lê mesmo, e sua influência é zero. Basta que voltem a tomar remédio, e lá estão eles de volta à casinha de cachorro. O blogueiro de que falarei agora também não existe. Mas há uma pequena diferença em relação à turma em busca de notoriedade: o cara é professor de filosofia da Universidade Estadual de Londrina. Significa que alguma influência sobre uma parcela de jovens ele há de exercer, não é? É um exemplo triste e patético do que acontece com a universidade brasileira. O nome do rapaz é Aguinaldo Pavão. Embora pense e se comporte como um urubu. Comentando uma entrevista que concedi ao jornal Gazeta do Povo, o maior do Paraná, escreve o Pavão, abrindo o penacho, mas fazendo a apologia da carniça humana (texto segue em vermelho, no original; o meu, em azul):

Aborto, direita e esquerda
Em geral, as tentativas de distinção política entre direita e esquerda sempre me atraem. E fui especialmente atraído pela declaração de um jornalista que escreve muito bem e se diz de direita. O senhor Reinaldo Azevedo afirmou, numa entrevista ao jornal Gazeta do Povo (de domingo, 23/11/2008) que ser favorável ao aborto implica compartilhar valores de esquerda.
Pavão tem razão numa coisa: de fato, escrevo bem; e ele, mal. Um professor de filosofia que se expressa de modo confuso consegue pensar com clareza? Acho que não. Filosofia, mais do que qualquer outro saber, é linguagem.
É mentira! É um filósofo que mente. Mentindo, ele consegue mais facilmente ser um trapaceiro intelectual e enganar os seus alunos. O que eu disse na entrevista é literalmente isto aqui: “fiz aquela afirmação com base numa pesquisa do Datafolha que demonstrava que os valores do tal ‘povo’ são conservadores. E que nenhum partido, nem o DEM, assume essa perspectiva. Dou um exemplo claro: a população brasileira é majoritariamente contrária ao aborto. Mas não há um só partido com essa diretriz no país. Pior: os líderes políticos preferem driblar o assunto. Por quê? Medo de uma imprensa que é majoritariamente pautada pelos valores de esquerda”. Ou os matizes importam à filosofia, ou o filósofo é um picareta. De todo modo, é um fato — não uma questão de gosto — que as “direitas” americana e européia são majoritariamente contrárias ao aborto, e as esquerdas, favoráveis.

(É verdade que ele é confuso sobre esse ponto, pois próximo ao final da entrevista ele parece reconhecer o obvio: há liberais abortistas). Mas a idéia – por muitos compartilhada – de que defender o aborto é ser de esquerda é uma tolice sem tamanho.
Ser estúpido deve dar algum prazer. Ou não haveria tantos estúpidos. Observem, então, que ele me ataca por aquilo que eu não disse. E, quando fica evidente que eu não afirmei o que ele me atribui, então ele me chama de confuso, de contraditório. Isso não é argumentação, é vigarice. O que identifico na entrevista é uma tendência óbvia: legendas de esquerda, mundo afora, são, sim favoráveis ao aborto; e as de direita tendem a ser contrárias.

(Lembro-me de um sujeito, um submarxista desastrosamente equivocado, que pensava que a construção de um muro na UEL era coisa de direita). Há muitas pessoas de esquerda que também são contra o aborto. E não vejo que definição boa de direita e esquerda possa servir para dizer que ser contra o aborto é a conseqüência de uma posição de direita.
Não vê porque não quer e porque pretende tomar a exceção como regra. Ademais, não falei de pessoas ou grupelhos, mas de partidos. Heloísa Helena e os petistas ligados à Igreja são contra o aborto. E daí? O que importa é a opinião de seus respectivos partidos. São eles que vão definir políticas públicas.

Esse Reinaldo Azevedo, embora muito melhor que Olavo de Carvalho, é no fundo da mesma turma.
A última moda da esquerdinha universitária, agora, é fazer uma hierarquia dos adversários. Deixe de ser ridículo!

Da turma que pensa que ser de direita é ser conservador. Da turma que adora uma Sarah Palin.
Observem que ele nega que ser de direita é ser conservador sem definir, no entanto, nem uma coisa nem outra. Isso é professor de filosofia? Quanto a este escriba ser da turma que “adora uma Sarah Palin”, dizer o quê? Como responder a essa vulgaridade? Já sei: “e você é da turma que adora o big stick do Barack”. É isto: “Pavão gosta é do big stick do Barack”.

Eles não passam de cristãos gritando com o livrinho de catequese na mão.
E se fosse? Você pretende me crucificar por isso?

Azevedo confunde bisonhamente liberalismo com conservadorismo político. Aposto que nunca leu Nozick. Se conhecesse apenas um pouco de Locke já ajudaria bastante (e isso que ele diz ter lido Locke). Locke era contra o suicídio, eu sei. Não sei se ele escreveu alguma coisa sobre o aborto, mas certamente seria contra. De todo modo, as premissas de seu pensamento político e moral autorizam claramente o aborto (Já aviso que vejo uma flagrante contradição entre o § 6 e o 27 do Segundo Tratado).
O trecho acima diz bem o que está acontecendo com a universidade brasileira. Vejam o que faz o dito professor:
– infere o que li ou deixei de ler;
– infere que Locke “certamente seria contra o aborto”;
– Pavão é tão favorável ao aborto, mas tão favorável, que, ainda que inferindo qual seria a posição de Locke, ele diz que Locke estaria errado segundo os princípios de… Locke!!! Vale dizer: eu estou errado por conta do que eu nunca disse. E Locke também!
Mas o melhor do pior está por vir.

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Se sou proprietário do meu corpo, tenho o direito fazer o que quiser com o que ocorre dentro dele. Vamos supor que homens também pudessem engravidar. Se eu estivesse grávido de três meses e quisesse me suicidar, teria de adiar o suicídio por 6 meses? O Estado tem algum direito de exigir isso de mim? Se fracassasse em minha tentativa seria legítimo ser condenado por tentativa de homicídio? É cabível isso? Ora, eu sou o soberano absoluto da interioridade de meu corpo. Esse é um direito natural. Por isso eu pergunto: qual o problema moral de matar um feto ou embrião que está dentro do meu corpo? Não há nenhum problema moral. Há sim religião, Jesus e crucifixo. Muitos crucifixos.
Bem, homens não podem engravidar, e isso invalida a especulação do Pavão. Quanto ao mais, destaco que ele emprega muito bem o verbo (o que seria da filosofia sem a linguagem, certo?): MATAR. Ele não vê mal nenhum nisso. Há quem veja. Observem a ligeireza bronca, estúpida, com que ele diz: “Não há nenhum problema moral”. Como não? A moral diz respeito às escolhas individuais, privadas. Justamente porque o feto depende do corpo que o hospeda e porque o indivíduo, dono desse corpo, pode fazer escolhas, talvez seja essa a mais moral de todas as decisões.

Mais ainda: quando ele nega a existência dessa moral no debate e declara que é tudo uma questão de religião, então está operando uma verdadeira revolução na história da filosofia: religião e moral, para Pavão, são categorias excludentes. Uma só pode existir onde inexiste a outra. Onde foi que o danado aprendeu essas coisas?

Pavão é irrelevante? Claro que sim! Tanto é, que eu nunca tinha ouvido falar do cara. Nem vocês. Nem ninguém. Telefonei há pouco para dois professores de filosofia da USP só pra fazer um teste: “Sabe quem é Aguinaldo Pavão?” Resposta de um: “Queeem?” E do outro: “Não, só o Agnaldo Timóteo”. Ele não existe como indivíduo e como dono de um pensamento. E, por isso mesmo, ele é uma legião, como os demônios.

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Essa gente está por aí, nas escolas do ensino fundamental, do ensino médio e nas universidades: distorcendo, mentindo, fazendo trapaças intelectuais. Que entendimento terá da moral um sujeito para quem matar um feto ou mesmo se matar não é uma escolha moral? E Camus, será que ele leu? O que pensará ele da consideração do escritor e filósofo franco-argelino segundo a qual o suicídio é a único questão filosoficamente relevante? Negar a importância moral de “matar um feto”, como ele escreve, ou do suicídio corresponde a jogar no lixo mais de dois milênios (!!!) de filosofia. E Sócretes? O nosso filósofo leu Sócrates (by Platão) ou não conseguiu ir além de Biro-Biro?

Pavão, o seu problema nem é tanto deformação ideológica — sem que deixe de ser também. O seu problema e de muitos de seus pares é mesmo ignorância. Trata-se de uma gente que se diploma e faz mestrado e doutorado na base das relações de compadrio corporativista. Aboleta-se, depois, numa universidade pública, e nunca mais é testada — e, claro, ali está protegida do mercado, que tanto detesta.

Vocês acham que o Brasil teria uma das universidades mais caras e ineficientes do mundo por acaso?

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